quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Perspectivas
(por Elano Ribeiro)

Ele resolveu subir até o ponto mais alto do morro para esperar a passagem do ano novo. Sempre se sentiu e viveu muito só – talvez tenha escolhido viver assim –, então, de acordo com seu modo prático de ver as coisas, não havia sentido algum procurar por outras pessoas, mesmo nessas datas festivas. Cresceu somente na companhia da mãe. Seu pai era alguém desconhecido, que algum dia ele até teve interesse em conhecer, mas com o passar do tempo concluiu que sua vida não seria melhor com ele. Poderia – pelo pouco que ouviu falar sobre o “pai oculto” – ser até pior do que já era.

Lá do alto, ele tinha uma visão privilegiada da praia. Observava todo o movimento festivo e o colorido das luzes de fim de ano. Na sua solidão, ficava imaginando o que as pessoas estariam fazendo naquele momento lá embaixo, na praia ou nos apartamentos de luxo, que graças à geografia da cidade, se misturavam com os barracos e as casas mal acabadas das favelas, inclusive a da dele. O que aquelas “pessoas do asfalto” estariam esperando para o ano que se aproximava? Quais eram as perspectivas deles? – questionava o solitário rapaz.

Ele próprio não pensava em criar perspectivas. Há muito decidira viver um dia de cada vez, sem se importar com o futuro. Futuro que parecia cada vez mais incerto. Vivia de bicos. Emprego fixo só teve um. Foi demitido devido aos quatro dias que precisou faltar por causa da guerra entre traficantes rivais da favela onde morava. A ordem dos chefões era: ninguém entra, ninguém sai. Conseguiu, não sabe como, terminar o ensino médio. Vinha lutando com todas as suas forças para não aceitar as ofertas de “trabalho fácil” que recebia dos “caras” lá do morro. Mas admitia para si próprio quando se olhava no espelho, que cada vez mais se sentia tentado a ir para aquela vida de dinheiro fácil. E, pelo que sabia, não era pouco dinheiro. Dinheiro que traria conforto para ele e para sua mãe. Dinheiro que lhe possibilitaria descer lá para o asfalto e olhar as pessoas de frente, com certa sensação de poder que nunca sentiu antes. Dinheiro que vinha de algumas daquelas pessoas que estavam lá embaixo comemorando a chegada de um ano novo, que certamente, para elas, viria cheio de perspectivas.

Pessoas como a bela e fútil moça da classe média, que naquele mesmo instante, dançava numa ampla cobertura de frente para a praia rodeada de amigos. Solidão não era com ela. Descobriu ainda na infância que amigos se conquistam, mas também se compram, mesmo que não seja uma amizade verdadeira. O que importa, e sempre importou, é não ficar só. Ser cultuada e paparicada, isso sim era o que importava para a jovem moça que sempre teve o que quis, na hora que bem entendesse. Sinal dos tempos modernos. Os pais, em troca dos carinhos e da atenção que não podem dar, devido à vida muito corrida, entregam aos seus filhos todos os bens materiais possíveis, como uma forma de compensação.

Lá de baixo, a última coisa que passa por sua cabeça é ter algum interesse no que aqueles que moram nos morros que cercam sua vida de luxo podem estar pensando. Para que, afinal de contas, ela vai se preocupar se eles têm alguma perspectiva para o próximo ano? Ela tem. Ela quer voltar aos Estado Unidos para fazer compras; quer ganhar um carro novo de seu pai – sempre tão atarefado e ocupado com seu trabalho –; quer ficar com os carinhas que a turma considera os mais belos; quer fazer uma pequena plástica no nariz, para deixá-lo ainda mais empinado.

A vida da moça fútil da classe média e do rapaz solitário lá do morro, só se esbarram quando ela resolve “fazer a cabeça” para incrementar a balada, usando um “inocente” baseado. Cigarrinho artesanal vendido pelos mesmos “caras” que tanto querem “ajudar” o rapaz, oferecendo a ele um “trabalho fácil” e rentável.

Meia noite. Explodem os fogos de artifício, as rolhas de champanhe e os gritos das pessoas esperançosas pela chegada de um ano que há de ser melhor do que o que foi embora. A moça da classe média chama os amigos para continuarem a noitada em alguma boate feita para os ricos da cidade. Ela ainda não sabe, mas muito em breve irá sofrer ao descobrir que deseja muito um verdadeiro amor, mas nem todo o seu dinheiro poderá comprá-lo.

Ele, lá do ponto mais alto do morro, resolve que é melhor ir para casa e dormir. Seria bom não encontrar com ninguém pelo caminho e ter de desejar “feliz ano novo”. Ele ainda não sabe, mas quando acordar, depois de uma noite mal dormida, em que tentou resolver o que fazer da sua vida a partir daquele dia, irá se deparar com os lindos olhos de uma linda moça – nem um pouco fútil – que acabara de se mudar para a sua rua. Ele finalmente encontrará naqueles olhos verdes um motivo para supor que o futuro pode não ser tão incerto quanto supunha ser. O Amor trará ao jovem rapaz através da bela moça, uma perspectiva de vida, não só para o ano que se inicia, mas como para todos os outros anos de sua longa vida.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Uma pretensa crônica para encerrar 2007
(por Elano Ribeiro - publicada na revista Crônicas Cariocas)


Esse texto deveria ser a minha última crônica de 2007. Digo, deveria, porque não sei se o que vai sair daqui poderá ser chamado de crônica. O problema não é a falta de assunto. Acontece que tudo o que começo a escrever não passa do primeiro ou segundo parágrafo. Parece que os textos ganharam vida própria e estão me dizendo: “não adianta, você não vai conseguir nos levar até o fim”.

Tudo bem, então. Resignadamente, descubro que as letras são muito mais fortes e determinadas do que eu, portanto, vou deixá-las à vontade para se colocarem como quiser nessa “folha de papel”. Sendo assim, estou me isentando de toda a responsabilidade pelo o que os senhores possam vir a ler aqui.

Comecei um texto sobre o meu desejo de chegar aos cem anos, como o grande arquiteto Oscar Niemeyer, mas desisti assim que me dei conta de que já estava falando em fraldas geriátricas. E o que é que Niemeyer tem a ver com fraldas geriátricas? Absolutamente nada, não é. As letras já estavam preparando uma armadilha para mim, e por muito pouco eu não caio nela.

Quando pensei em falar do ano que está findando, achei ter encontrado o tema perfeito. Pura bobagem. O texto estava tão sentimental que nem mesmo eu estava suportando. Só uma coisa nele estava interessante: a citação de um trecho de uma crônica (infelizmente eu não me recordo o nome do autor, agora) que diz que sempre devemos achar um motivo para que o nosso dia tenha valido a pena. Segundo o autor, pode ser algo grandioso, como a realização de um projeto. Ou, também, pode ser algo corriqueiro, sem muita importância, mas que faz o nosso dia valer a pena.

A lembrança da crônica cujo autor eu não me recordo o nome, surgiu por causa da pergunta de um grande amigo: “o ano de 2007 foi bom para você?”. Assim como devemos achar motivos para que o nosso dia tenha sido bom, acho que o mesmo deve ser feito com relação ao ano inteiro. E, somando os prós e os contras e tentando fazer com que os problemas – eles existem, é claro – pareça algo sem muita importância, posso dizer que o meu saldo em 2007 vai terminar pra lá de positivo. E o melhor de todos os créditos deve-se a chegada do meu filho João Pedro – desculpem caros leitores, mas eu não poderia encerrar o ano sem falar no meu filho.

Bom, já tenho quase uma página inteira escrita. Falta pouco, vamos lá! Onde estão minha criatividade e imaginação? Nossa! Agora é que estou me dando conta de uma coisa: como pode alguém chegar aos cem anos fazendo um trabalho que exige muita criatividade? Niemeyer deve ser mesmo um cara e tanto. Talvez se eu conseguir chegar aos setenta com idéias para escrever um romance já seja um grande lucro. Farei o seguinte: vou encerrar está pretensa crônica e ir até a cozinha tomar minha dose diária de carbamazepina. A vocês que ficam, um feliz Natal e até 2008.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007


Um conto de Natal

(por Elano Ribeiro)

Não podia ser verdade. Justamente no Natal em que João Pedro mais precisaria da ajuda de Papai Noel, vinham seus colegas da escola com essa história de que o bom velhinho não passa de uma invenção dos adultos. O pobre menino, que já contava com a ajuda de Papai Noel para ganhar seu mais valioso presente – algo que, até então, nunca havia pedido –, chegou em casa aos prantos:

- Mãe, é verdade que Papai Noel não existe?
- Quem foi que te disse isso meu filho? – Perguntou a mãe, já abraçada ao menino.
- Foram alguns colegas meus lá da escola mãe. Eles começaram a rir de mim quando descobriram, dentro da minha mochila, uma carta endereçada ao pólo norte.
- E o que estava escrito nessa carta, João Pedro?
- Ora, mamãe, o que mais podia ser? Meu pedido de presente ao Papai Noel.

A mãe da jovem e inocente criança pensou por um tempo, antes de responder a pergunta do filho, sobre a existência ou não de Papai Noel. Até que, supôs, corretamente, ter achado a resposta certa.

- João Pedro, meu filho! Preste bem a atenção no que vou lhe dizer: Papai Noel existe para quem acredita nele. Ele está dentro de nossos corações.

O menino se sentiu mais aliviado com as palavras de sua mãe, pessoa em que ele confiava plenamente.

- E eu posso saber qual foi o presente que você pediu esse ano?
- Pode, sim. Eu pedi que Papai Noel tenha uma conversa com o papai e peça para ele parar de beber. Assim, todos nós ficaríamos felizes e poderíamos viver novamente em paz.

A mãe de João Pedro, com os olhos cheios d’água disse ao menino:

- Meu filho, peça seu presente com muita fé. Eu tenho certeza que Papai Noel fará o possível e o impossível para lhe atender.

Há mais ou menos três anos a família vinha sofrendo com o alcoolismo do pai de João Pedro. Ele começou a beber todos os dias. Aparentemente, sem nenhum motivo. Diariamente o menino assistia as brigas entre seus pais. Todas elas provocadas pelo terrível e destruidor vício a que seu pai havia se entregado.

Apesar de muito jovem, João Pedro sabia que se seu pai continuasse a beber, em pouco tempo o casamento de seus pais iria acabar. O pobre menino se desesperava cada vez que imaginava essa possibilidade, além de sofrer muito, por ver sua mãe angustiada, sempre que seu pai demorava um pouco mais para chegar em casa. Mãe e filho sabiam, perfeitamente, que a demora do pai em voltar para o lar significava que ele estava em algum bar se embriagando.
No último dia de aula, ao sair da escola, João Pedro foi direto para a agência dos correios. Resolveu seguir o conselho de sua mãe e enviou a carta para Papai Noel, confiante de que o bom velhinho iria atender ao seu pedido.

Na noite de natal, João Pedro e seus pais sentaram-se à mesa. Por causa do problema de seu pai com a bebida, há muito os familiares haviam se afastado. E, em conseqüência disto, as noites de natal que até então eram sempre de muita festa, com toda a família reunida, passaram a ser apenas um jantar para pai, mãe e filho.

João Pedro percebeu algo de diferente na mesa. Para a sua surpresa e de sua mãe, não havia nenhuma garrafa de vinho ou qualquer outra bebida alcoólica. Pensou em fazer um comentário a respeito, mas resolveu ficar em silêncio. Afinal, seu pai podia ter esquecido de colocar as bebidas sobre a mesa, e não seria ele quem iria lembrá-lo.

Para uma surpresa ainda maior, o pai sugeriu que antes de iniciar a ceia, fosse feita uma oração. Logo após ele se pôs a falar:

- Meu filho e minha esposa. Eu gostaria de dizer a vocês que, a partir de hoje, eu vou fazer de tudo, vou usar de todas as minhas forças para nunca mais colocar uma dose de álcool na boca. Também gostaria de pedir perdão a vocês, em especial a você, minha adorável esposa, que tem suportado todos os problemas causados por mim e por esse vício maldito.

Nesse momento, mãe e filho levantaram da mesa e se juntaram ao pai, num abraço longo e emocionado.

Quando João Pedro foi dormir, lembrou de agradecer ao Papai Noel:

- Papai Noel, eu sei que o senhor só costuma entrar nas casas das pessoas para deixar os presentes, quando já é bem de madrugada. Mas, por algum motivo, você esteve aqui na minha casa um pouco mais cedo. Apesar de não ter lhe visto, agora, mais do que nunca, tenho a certeza da sua existência.

E, continuou...

- Mamãe estava certa quando me disse que o Papai Noel existe para quem acredita. Ele está em nossos corações. Eu acreditei. E Papai Noel me trouxe o melhor presente da minha vida: ele reconstruiu minha família.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Por favor: não impliquem com a minha cerveja sem álcool (afinal ela é "Cool")
(por Elano Ribeiro)




Sou daqueles que sempre levam prejuízo quando compra um jornal. Isso porque, normalmente, leio somente uma ou outra parte dele. Deixo de lado tudo o que diz respeito à política, economia, classificados, página policial (nada disso hoje em dia me faz perder tempo – pode, quem quiser, me chamar de alienado. Eu não ligo) e vou direto às páginas de comportamento, cultura, segundos cadernos e, às vezes, dou uma passadinha na parte de esportes, para ver se tem alguma notícia interessante sobre o Flamengo ou, sobre a sua maravilhosa torcida.

E, foi justamente em uma dessas páginas que ontem mesmo eu estava lendo uma matéria da jornalista Carolina Isabel Novaes, sobre o que é ser “Cool”. Segundo Isabel, está na moda usar essa expressão. Todo mundo quer ser “Cool”. A jornalista, em sua matéria, se propôs a tentar descobrir de fato, o melhor significado para a tal expressão. Para isso, ela entrevistou vários artistas que podem ser considerados “Cool”. Eu, talvez por uma questão de ignorância, mesmo depois de ler toda a matéria, continuei sem entender muito bem o que é esse negócio.

Porém, segundo alguns dos entrevistados, ser “Cool” significa, entre outras coisas, ir contra o sistema; não ser igual; não ficar preso aos modismos; Palavras da paulistana Andréa Bisker (uma das entrevistadas) “é não ter que ser bacana, é a valorização de “gente como a gente” .

Lendo e pensando nessa coisa de ser “Cool”, senti uma enorme vontade de voltar no tempo. Vou explicar o porquê: dias atrás, fui até um bar próximo de casa, para assistir ao jogo entre Flamengo e Atlético Paranaense. Quando cheguei, o tal bar (que é bem pequeno) já estava lotado. Entrei. Educadamente, cumprimentei a todos, como manda a etiqueta dos bem educados (mesmo quando se está dentro de um boteco repleto de homens). Até aí, seguia tudo dentro da normalidade. O “problema” começou quando eu pedi uma cerveja sem álcool para o balconista. Nesse instante, tive a sensação – e depois a certeza – de que todo o burburinho que havia dentro do recinto cessou. Todos passaram a prestar a atenção no meu pedido, como se eu quisesse algo proibido.

A atenção continuou voltada para mim e para o meu pedido (uma inocente lata de cerveja sem álcool) até o momento em que fui para a varanda do bar e sentei na única cadeira que ainda estava desocupada. Sem coragem de olhar para os lados – pois estava me sentindo como alguém que possui uma terrível anomalia – ainda pude ouvir um dos comentários: “que graça pode ter nessa porra, se o bom da cerveja é o álcool?”.

Daí minha vontade de voltar no tempo, ou então, ter lido sobre o assunto antes. Eu diria àqueles seres que são iguais a todos os outros: “escutem aqui meus nobres beberrões, por que vocês acham que todo mundo tem que agir da mesma forma que vocês? Vocês não sabem que o grande barato é não ser igual? É não fazer igual? É viajar com muita lucidez”. E, para finalizar com uma atitude (que eu consideraria “Cool” ao extremo) voltaria ao balcão e pediria em voz alta: “moço, por favor: mais uma cerveja sem álcool e dois torresmos sem gordura.”

sexta-feira, 30 de novembro de 2007


O conto
(por Elano Ribeiro)

Se escrevo
Me escrevo
Me reescrevendo
Dentro de um conto
Que eu espero que
Alguém um dia conte
Como um conto contado
Mesmo que seja
No papel amassado
Como os amores mal terminados
Que insistem em ficar
Dentro dos corações
Daqueles que não têm
A coragem para de lá
Expulsa-los

E sendo eu um conto
Posso viver na fantasia
Ou na realidade
Se fantasia for
Serei minha alegria
Se realidade for
Serei minha dor
Se os dois eu for
Aí serei um conto completo
Um conto de amor
Com começo meio fim
Assim como são os amores

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Os meus livros de cabeceira
(por Elano Ribeiro)
“Os meus livros de cabeceira”. Gosto dessa expressão. Ela denota uma importância ainda maior aos exemplares postos ali, na mesinha ao lado da cama. Dá-se a impressão de que, além de divertir e informar, eles servem como uma espécie de luminária para as noites de insônia, ou então, como psicólogos, sempre em silêncio, esperando pelas confissões de seus leitores. Muitos nunca serão lidos, ficando apenas como peças de decoração empoeiradas. Como um amigo meu, que tem diversos exemplares em cima de uma mesa ao lado da cama, numa espécie de cabeceira improvisada, todos à espera que algum par de mãos caridosas venha folhear suas folhas já amareladas pelo tempo.

Eu tenho uma lista de livros que poderiam ocupar tranquilamente o posto de “meus livros de cabeceira”, como, por exemplo, “O ipê amarelo” – não me recordo o autor, mas foi um dos melhores presentes que meu pai me deu. Outro exemplar seria “Feliz ano velho”, do escritor Marcelo Rubens Paiva. O maravilhoso romance desse grande escritor serviu para firmar minha paixão pela literatura.

Curiosamente, eu não tenho nenhum desses dois livros. O primeiro se perdeu ao longo do tempo, infelizmente. O segundo, era um volume emprestado de uma biblioteca municipal. Confesso que fiquei com uma vontade danada de não devolver “Feliz ano velho”, mas isso seria uma injustiça com outros leitores que ficariam sem conhecer essa grande obra literária.

Não ter esses dois livros, que foram tão importantes na minha vida, não faz diferença alguma pra minha mesinha de cabeceira. Afinal, eu também não possuo uma mesa na cabeceira da minha cama. Esse objeto de decoração está presente no meu dia-a-dia, apenas de forma imaginária. E, nesse objeto imaginado, estão amontoados algumas dezenas de livros – todos eles lidos. Depois do final da minha adolescência na companhia do livro de Marcelo Rubens Paiva, vieram outros tantos companheiros que estiveram ao meu lado nos momentos de solidão, alegria e reflexão. Desde o instigante “Morangos mofados” de Caio Fernando Abreu; algumas passagens rápidas pelo universo de Jorge Amado, em especial “Capitães de areia”; o sempre atual e realista “Não verás país nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão; alguns passeios pelas emocionantes e divertidas crônicas de Rubem Alves; até me deparar com os sempre perfeitos textos de Martha Medeiros.

Recentemente, os livros da escritora gaúcha Martha Medeiros, ocupavam o topo da minha imaginária mesa de cabeceira. Até que eu descobri “O filho eterno” do catarinense Cristovão Tezza. O romance baseado em acontecimentos autobiográficos me emocionou desde o momento em que li sua crítica, escrita por André Nigri, na revista Bravo! E, querem saber mais? Ao ler a “orelha” do livro de Cristovão Tezza, eu chorei sentado no banco de uma rodoviária. Por tudo isso, e muito mais, “O filho eterno” está lá, sempre ao meu lado, como um soberano na minha imaginária mesa de cabeceira.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Duas Vidas
(por Andrea Rodrigues Duarte - Dea. Para conhecer outros trabalhos dessa escritora acesse o link do blog Palavra Dita que se encontra nesse blog)

A garota.
Assustada, acuada e muitas
vezes calada.
Guarda
Uma mulher.
Ardente, contente e muitas vezes
inconseqüente.
A garota.
Perdida, sozinha,
conseqüentemente
desiludida.
Cultiva
Uma mulher.
Sonhadora, criativa e por
vezes assanhada.
A garota.
Insegura, chateada e cheia de medo.
Revela
Uma mulher.
Determinada, ousada e cheia de vida.
Quando a mulher se encontra se descobre.
Inesperadamente se depara com o
destino que a venda os olhos.
E a leva para outro lugar.
Então assistimos angustiados novamente
ao drama da tal garota perdida em si
mesma.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma terrível solidão
(artigo de Elano Ribeiro, publicado no jornal "O Jornal de Goiás")

“...De repente, não mais que de repente/Fez-se de triste o que se fez amante/E de sozinho o que se fez contente/Fez-se do amigo próximo o distante/Fez-se da vida uma aventura errante/De repente, não mais que de repente.” (Vinicius de Morais)
Provavelmente, a pior solidão é aquela que se sente estando junto de alguém. Dividi-se o mesmo teto, a mesma cama, mas os interesses já não são os mesmos, as conversas amenas e cúmplices há muito abriram espaço ao silêncio ou ao barulho da Tv que o afasta. A “solidão a dois” nem de longe sinaliza que vai abrindo marcas profundas em quem a vivencia. É um monstro invisível que mina o amor sem fazer alarde. Atua discretamente, ganhando terreno enquanto deixa seus rastros manifestos pela sensação de desamor, complexos de inferioridade, insegurança, vazio e ausência de algo que não se pode definir. Também lentamente surge a angústia que brota da percepção de que mesmo usufruindo um relacionamento, não foi possível afastar a solidão. Instala-se na vida, de um ou de ambos, uma terrível ansiedade e total desconforto ao estar com o outro, que ocupa um espaço sem se fazer presente.De acordo com a terapeuta de casais Margareth Labat, relacionamentos que agonizam com o problema da solidão a dois são extremamente comuns, e nascem debaixo dos olhos vendados do casal. Ela afirma que quem decide encarar o problema, termina sempre por reconhecer que já havia algo errado na relação, cujos sinais foram calados ou desprezados. É justamente o acumulo de feridas, rancores e mágoas, que mina a cumplicidade e o afeto.Também o psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo, afirma que a solidão a dois pode ser vista como resultado de uma espécie de teste sobre o que mais sentimos ao lado de alguém: ansiedade, desejo de fuga, desprezo ou rejeição. A armadilha não é a exposição constante perante tais sentimentos negativos, e sim a incessante negação dos mesmos. Todo casal deve estar ciente de que uma relação será uma eterna dualidade ou um conflito de opostos, nunca um prazer linear. A busca histórica da beleza se encaixa neste contexto, pois tem a função de entorpecer a própria pessoa, transformando-a num objeto, desviando da introspecção diária sobre as dificuldades lidar com nossos sentimentos. Uma atitude amorosa implica em pensarmos sobre o que devemos doar ao outro; sobre suas necessidades perante seu histórico de vida, seus desejos acumulados e frustrações.Impossível será estabelecer uma relação de troca quando não se considera a necessidade do outro.
PORQUE SURGE A SOLIDÃO A DOIS?

Na maioria dos casos ela surge da ausência da busca pelo diálogo entre o casal, pela incompreensão de que o relacionamento não é um jogo de interesses, que não implica em dominação e conseqüente servidão, mas exige absoluta igualdade, seja de comportamento, seja de sentimentos, entre os parceiros. Haverá também momentos de discordância, em que umas das partes terá que ceder e lembrar-se que o casamento ou qualquer relação em que se divide diariamente o mesmo ambiente, pressupõe abertura para concessões bilaterais. Se nas divergências apenas um cede à vontade do outro, a relação começa a assumir formas de opressão.Aquele que pensa e age de forma egoísta, considerando-se o centro do universo ou detentor da vontade mais sábia, apresenta um modelo tipicamente narcisista e transforma a relação num ato doentio e asfixiante.É natural que alguém se decida a viver egoisticamente. Anti-natural é que alguém se proponha a submeter-se. Viver junto, ao lado, não significa viver uma só vida.Somente o prazer de compartilhar momentos agradáveis é capaz de manter voluntariamente uma união quando a paixão se arrefece, o que é inevitável.A psicóloga Lúcia Seabra define bem este momento: “É o problema do fim da paixão. No começo de um relacionamento, quando o casal está motivado pela paixão, não existe tédio. Todas as estórias são inéditas, e o processo de descoberta e conhecimento do outro torna o diálogo envolvente, gerando uma aproximação natural e não planejada. Mas as pessoas se transformam com o passar dos anos. Se um não acompanhar o desenvolvimento do outro, pode passar a não mais compreendê-lo, e a corda começa a ser puxada para lados opostos. O desequilíbrio dessas tensões normalmente determina o fim do relacionamento. Descobre-se muito tarde estar vivendo ao lado de uma pessoa completamente diferente de si mesmo, levando-os a se tornarem duas ilhas emersas sobre a solidão. O desafio seria tentar redescobrir a pessoa que está do outro lado da cama ou da mesa. Mas essa redescoberta tem que ser bilateral – não se pode haver um sacrifício desmedido apenas de uma das partes.”
POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Um casal que se propõe a conversar sobre os problemas que surgem na relação, sem o receio de expor ao parceiro ou parceira suas angustias, dúvidas, expectativas e questionamentos, reúne mais possibilidades de obter sucesso na reversão do distanciamento. No entanto, quando a disposição parte de um único lado, a tendência é aumentar ainda mais a distância, já que o outro tomará a tentativa de diálogo como uma repetição de queixas inúteis. Nem todos os problemas e insatisfações podem ser atribuídos ou resolvidos pela via do casal.Não raro, o silêncio surge da ausência de vida de uma das partes que permite transformar-se na sombra do outro, vivendo das sobras de uma história que não lhe pertence. O que haverá para compartilhar numa pessoa que transforma seus dias numa sucessão de situações tediosas? O que de novo haverá para apresentar ao outro? Dificilmente se encontra quem esteja disposto a receber metade da carga de desânimo e infelicidade de alguém, incessantemente. Pessoas interessantes são aquelas que realizam atividades interessantes. Quando se permite que o tédio invada a vida de um dos membros do casal, fatalmente ele contaminará a ambos, além da relação. Viva para que possa compartilhar vida.Experimente atividades prazerosas para compartilhar o prazer. Construa interesses alheios à relação para enriquecer com eles o cotidiano da vida em comum. Experimente comparar o tempo de permanência dos presentes nos velórios e nas festas de casamento. No primeiro caso, uma passadinha rápida parece suficiente. Já nas festas agradáveis, mal se nota o passar do tempo. Quem é você?Um velório ou uma festa? Provavelmente nenhum dos dois. Provavelmente você se situa nos dois lados com alguma freqüência e variação de intensidade, e isto o torna uma pessoa saudável e normal. Mas se você é “velório” com muita constância, não se admire se todas as suas relações se deteriorarem. Antes mesmo de você.Também a solidão é natural da vida, pode ser usufruída com prazer ou dor. A idéia, tão valorizada e difundida pelo amor romântico, de que devemos buscar um parceiro que nos complete, apenas contribui para que não enxerguemos o óbvio: a solidão é uma das nossas características existenciais. Aceitar isso talvez seja o primeiro passo para relacionamentos amorosos mais ricos e criativos, longe da expectativa de que o outro nos livre da condição de seres solitários. Os maiores prazeres encontram-se nas atividades mais inocentes. Exercite-os. Assim você irá inserir novos elementos no cotidiano seu e do casal.
DEPOIMENTOS

“Sempre tive muito medo da solidão. Esse pavor de chegar à velhice sozinho me acompanha desde os tempos de adolescente. O resultado foi uma catástrofe na minha vida e na vida de quem eu escolhi para viver comigo e que, diariamente, eu dizia amar. Me casei muito cedo, com apenas vinte e três anos de idade. No começo achei que tinha feito a opção certa. Estava ao lado de uma mulher bonita, inteligente e que me dava muito amor. Erroneamente enxergava nela a solução para todos os meus problemas. Com o passar do tempo, comecei a perceber que eu não era realmente uma pessoa feliz. Passei a me sentir só, mesmo tendo uma companhia dentro de casa. As nossas diferenças vieram à tona. Eu não conseguia mais conversar com ela, não conseguia entender seus questionamentos e não tinha paciência para ouvir suas queixas em relação ao nosso casamento. Quem tomou a decisão da separação foi ela. No começo eu não queria e cheguei a sugerir várias vezes que nós tentássemos alguma coisa para manter a relação. Mas, felizmente, ela manteve sua decisão. Hoje vejo que foi a atitude mais sensata, nós dois fomos beneficiados com a separação. Continuo tento medo da solidão, mas aprendi que o simples fato de ter alguém ao meu lado não é garantia para uma vida feliz . Procuro, ao contrário, alguém para compartilhar minhas alegrias, e não para me concedê-las.” (A. 28 anos).

quarta-feira, 7 de novembro de 2007


Gente com medo de gente
(por Elano Ribeiro)

Aqueles que me dão o prazer de suas leituras a cada quinze dias, aqui no Crônicas Cariocas, já sabem que eu moro numa pequena cidade do interior do Rio de Janeiro, pois já revelei isso nesse democrático espaço, pelo menos umas duas vezes. Pequena mesmo. Talvez, todos os bairros do município do Rio de Janeiro tenham mais moradores que em Mendes, meu “esconderijo” desde sempre.

Mas, dias atrás, devido a um desagradável compromisso de trabalho, tive que ir à capital da cidade maravilhosa, que continua e sempre será linda. Andando lá pelas bandas do Centro, próximo à Candelária, senti que precisava de uma informação para conseguir chegar ao local onde eu tinha hora marcada. A quem perguntar? Ao jovem que vinha de encontro a mim, é lógico. Sujeito boa pinta, terno e gravata, passos firmes e olhar sempre adiante. Tive a certeza: “esse é o cara que vai me ajudar”. Estiquei a mão em sua direção, como querendo dizer: “hei, você pode me dar um minuto de sua atenção, é que preciso de uma informação...” Mas, apenas tive tempo de dizer: “por favor, você....” O jovem rapaz nem nos meus olhos olhou. Ele simplesmente me ignorou. Era como se eu não existisse. E, lá se foi ele com seus passos certeiros. Provavelmente, ele pensou: “o que esse cara de camisa de malha, calça jeans e tênis All Star pode estar querendo falar comigo? Só pode ser merda. Ele vai me assaltar ou pedir dinheiro”.

Eu fiquei parado, com “cara de tacho”, meio que sem saber o que fazer com tal reação. Sinceramente, não esperava uma atitude daquelas. Será que isso é comum nas grandes cidades? Não. Não a nada de comum. O que existe hoje em dia é o medo. Gente com medo de gente. E, posso apostar que isso não é “privilégio” dos moradores das metrópoles urbanas. Até mesmo no interior, as pessoas andam amedrontadas. E o que causa mais medo nas pessoas, são as outras pessoas.

Já vai longe o tempo em que, aqui mesmo na minha pequena cidade, atendíamos com paciência e atenção a todos que batiam em nossa porta, solicitando qualquer tipo de ajuda. Hoje olhamos, primeiramente, com muito cuidado através da porta entreaberta. Analisamos a pessoa que está lá fora, para só então decidirmos se vamos atendê-la ou não.

Sinal dos tempos modernos. Não confiamos (ou não podemos confiar) em mais ninguém. Temos medo de quase tudo que se move a nossa volta. Vivemos em total estado de alerta, esperando sempre pelo pior. Quase nunca passa pelas nossas cabeças que uma pessoa que lhe estende a mão pode estar mesmo precisando de ajuda. Como eu, naquele dia lá no Centro do Rio. Mão estendida ao vento, e a triste constatação de que a maioria das pessoas só se sente segura dentro de seu próprio mundo (apartamentos, casas, grupo de amigos...). Fora deles todos são suspeitos, até que se prove o contrário.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Rio da VIDA
(por Andrea Rodrigues Duarte - Dea)

Como é interessante o rumo tomado por nossas vidas.
Passamos por momentos, ou melhor, períodos em que somos apenas um pequeno rio com todas as suas restrições e limitações.
Os dias se passam e com ele nos levam toda nossa força e esperança por dias melhores.

Porém, quando menos se espera aquele pequeno rio parado por todas as forças da natureza se encontra com uma imensa onda de renovação. O que nos leva para novos rumos e novas paisagens.

O tempo teima em passar de forma lenta, tornando toda aquela euforia novamente em calmaria.
Aquele pequeno rio nunca antes navegado, agora é palco de grandes tormentas e intensas tempestades.

Após tamanha introspecção da se inicio ao período mais esperado de toda temporada. Inúmeros barcos vindos das mais diversas partes do mundo se acomodam, se preparando para a grande hora.

Em frações de segundos o rio, agora mar, se encontra coberto por imensas redes vindas de todas as direções.
Após uma intensa luta entre gigantes todos se afastam.

O dia torna-se noite, a calmaria e o silêncio se apoderam do solitário mar. Os dias passam, semanas, meses, anos.
O mar agora sem forças acaba por se entregar ao oceano.
Em uma verdadeira comunhão renascem novamente com toda força.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Papai Noel existe
(por Elano Ribeiro)
“Nossa, como o tempo passou depressa.” Fiz essa afirmação ontem, ao folhear uma revista, e nela encontrar uma propaganda de um shopping anunciando a abertura oficial do Natal, com seu símbolo-mor: Papai Noel. Nada de Jesus Cristo, mensagens de paz e amor, esperança... O que vale para o comércio é o saco cheio de presentes do bom velhinho.
Sempre gostei das festas de fim de ano. Descobri aos doze (“tardiamente”, dirão os “adultos” precoces de hoje) que Papai Noel era mamãe e papai. Ambos de carne e osso. Mas foi uma descoberta sem traumas, muito tranqüila. Tive a felicidade de sempre ganhar bons presentes, mesmo quando não era exatamente aqueles que eu havia pedido. Meus pais me davam alguma explicação – que eu não me lembro qual era – pela substituição dos presentes que eu havia pedido, e ficava tudo certo.
Porém, durante um bom período da minha vida, eu vivia dizendo que quando tivesse um filho, não deixaria que ele acreditasse na existência daquele bom velhinho que não se esquece de ninguém. Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem? Não, pros pobres ele nem sempre aparece. Ele pode surgir com uma bola de plástico, com uma imitação distante da Barbie ou com aqueles joguinhos eletrônicos, tamanho miniatura, que a criança enjoa em dois tempos. Mas, Playstation, bicicleta de 21 marchas com aro de alumínio ou as Barbies de verdade, esses, são presentes pra poucos.
Essa ilusão, de que o Papai Noel trará aquele tão sonhado presente, é que sempre me pareceu injusta. Não acho que um vídeo game de última geração possa fazer uma criança mais feliz do que um pião de madeira. Mas, com certeza, pra qualquer criança, o sonho do presente perfeito não está no pião. “Porque Papai Noel lembrou do meu amigo e esqueceu de mim?”. Essa é a pergunta que muitas crianças fazem no dia de Natal.
Mas, como as nossas idéias mudam quando nos tornamos pais... Sempre me disseram isso, e é a mais pura verdade. Depois de muito pensar a respeito, vou deixar, sim, que meu filho acredite na doce ilusão do Papai Noel. A criança precisa conhecer a sua realidade, mas também precisa dos sonhos – mesmo que às vezes eles sejam impossíveis de serem realizados – e da magia. Não acho que eu tenha o direito de tirar de João Pedro a maravilhosa ilusão da chegada do bom velhinho. A carta com os pedidos, o sapatinho posto na janela, a expectativa pela hora de abrir os presentes, o sorriso sincero estampado no rosto.
Ele, João Pedro, que decida quando tiver os seus filhos, o que fazer com a figura do Papai Noel. Eu já me decidi: ele existe. E, chega pilotando seu trenó puxado por um monte de renas aladas. Ah, e quando possível, entra pela chaminé.

domingo, 14 de outubro de 2007

Que saudades do Balão Mágico
por Elano Ribeiro-texto publicado na revista "Cronicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com
Quando você se torna pai, passa a ser comum receber convites para ir a festas de crianças. Acabo de chegar de uma que me trouxe uma nostalgia danada dos tempos da “Turma do Balão Mágico” (super fantástico amigo/que bom estar contigo no nosso balão...). As crianças que estavam nessa festa – mesmo as com mais de dez anos – com certeza nunca ouviram falar nesse tal balão. Que pena! Elas estavam ouvindo algo que eu, particularmente e, felizmente, não conseguia compreender totalmente, mas dizia alguma coisa perto de “os prostitutos... rebolando até o chão... empina a bundinha”. Pra se der uma idéia da coisa, assim que cheguei ao local, o aniversariante – que estava comemorando seu terceiro ano de vida – levantava sua camisa acima do peito e, com a outra mão no joelho, rebolava quase até o chão. Para minha felicidade, meu filho de apenas quatro meses ainda não consegue enxergar a menor graça em nada disso – ao contrário da maioria dos adultos que estavam no local, se divertindo por verem seus filhos, mesmo que ingenuamente, requebrando os quadris obscenamente, ao som de uma música (?) de muito mau gosto – e dormiu logo em seguida.

Dia desses, enquanto eu procurava num site de cifras para violão, músicas infantis – aquelas feitas para crianças mesmo – encontrei um comentário de um dos colaboradores do site, com relação a um hit do “Trem da Alegria” – trem do quê? perguntarão os nascidos após a década de oitenta. Ele dizia: “Essa letra é do tempo em que se fazia música para crianças”. E é verdade meu amigo saudosista, como era bom e gostoso ouvir Juninho Bill e seus amigos cantando letras inocentes. Inocência que fazia um sucesso incrível nas festas de aniversário, inclusive. Até nas matinês carnavalescas era possível encontrar versões das músicas desses grupos, e de tantos outros artistas que conseguiam, sem a necessidade de letras apelativas, fazer a alegria das crianças, e também dos adultos. Mas saiba meu amigo desconhecido, que ainda tem gente fazendo música exclusiva para crianças. O problema é que as rádios não tocam. Eu sempre cito como exemplo, a cantora e contadora de histórias Bia Bedram. Que trabalho bacana essa moça faz. No entanto, muitos pais jamais ouviram falar dela. E seus filhos, muito menos.

Alguns pais devem se perguntar: “como não deixar que meu filho se contagie por essa mania, quase nacional, de dançar e cantar músicas(?) que não fazem sentido algum?” Infelizmente, eu também não sei a resposta. Talvez, umas das alternativas, fosse procurar na TV programas infantis – eles existem, podem acreditar. E, já que é pra sentir saudades, eu tenho mais uma: Daniel Azulay e a Turma do Lambe-Lambe, com seus personagens e desenhos. Como era divertido sentar de frente pra TV, com cartolina e lápis de cor em punho, arriscar a copiar os desenhos que ele ensinava a fazer, e depois ganhar os elogios de minha mãe em relação à “obra de arte” do filho. Outra sugestão senhores pais: procurem ouvir músicas de qualidade, pois, certamente, já será um grande incentivo para que seus filhos comecem a observar que existem sons melhores do que esses que eles andam ouvindo, desde tão cedo.

domingo, 30 de setembro de 2007

A confissão
(por Elano Ribeiro)

Era meio dia em ponto quando eu entrei no cinema lá do centro da cidade, aquele com a frente pintada de verde, o único que restou, porque os outros o senhor sabe né? Viraram supermercados ou igrejas. Eu precisava de um lugar onde eu pudesse ficar sozinho, onde não houvesse a mínima chance de me encontrar com qualquer pessoa conhecida. Eu tinha que botar a cabeça em ordem, decidir o que fazer depois daquela noite de discussão e lágrimas. A sala estava vazia e o filme eu nem sei dizer pro senhor qual era. Durante todo o tempo que fiquei lá dentro, estive de olhos fechados, encolhido na cadeira como uma criança que acabou de fazer alguma coisa muito errada. E o pior doutor é que eu vinha fazendo mesmo né? Mas eu juro pro senhor que eu lutei com todas as minhas forças pra me livrar da tentação, até promessa eu fiz doutor. Mas doutor, o senhor sabe como é né? A carne é fraca, e aquela vadia sabia me provocar direitinho. Aposto com o senhor que ela deve ter feito algum trabalho. Desculpa, eu sei que o senhor não vai apostar nada né? O fato doutor, é que eu há muito tempo vinha com vontade de juntar minhas coisas e ir embora, só não fiz isso por causa das crianças. O senhor tem filhos doutor? Ah, dois meninos? Então o senhor sabe que não dá pra deixar os filhos assim de uma hora pra outra né? Eu também já havia pensado em contar toda a verdade pra Clarice, mas nunca tive coragem. Tinha medo que ela me deixasse e levasse as crianças com ela. Ela não merecia ter esse fim, a pobrezinha. Eu é que sou o canalha da história e, no entanto, estou aqui, e ela, a doce Clarice, não mais. Sabe doutor, Clarice era um exemplo de mulher, de mãe, de dona de casa. Mulher prendada, dessas que a gente não vê mais hoje em dia. Clarice fazia questão de acordar antes de mim e preparar meu café da manhã. Fazia ovos mexidos como ninguém. Botava as crianças pra escola e só saía de casa sozinha pra ir à feira. Quando eu chegava em casa à noite, depois do trabalho, lá estava ela com uma bacia de água quente, e humildemente, como se eu fosse o seu senhor, lavava e massageava meus pés. Desculpe-me pelas lágrimas doutor, mas o senhor entende né? Sabe doutor, eu acho que se fosse com outra vagabunda qualquer, Clarice até me perdoaria, mas com a Ritinha, nossa afilhada, foi muita humilhação pra ela doutor. Quando nós batizamos a Ritinha, ela só tinha dois anos de idade, era uma criança inocente, bem diferente dessa vadia de hoje, que destruiu minha vida e me tirou Clarice pra todo o sempre. Nessa época do batizado, Clarice e eu estávamos casados há pouco tempo, éramos jovens bonitos e apaixonados. Mas o tempo passou doutor, nossa pele já não tinha o mesmo brilho, o corpo de Clarice já não era aquela formosura toda de outros tempos. Mas eu ainda amava a minha Clarice. Ah doutor, e como eu amava aquela mulher. O senhor acredita que eu a amava né? Só que aquela criança inocente que um dia nós batizamos, cresceu e se tornou uma perdição de tão bonita, pele rosada e lisinha, cochas grossas, seios pontudos. Ah, meu Deus, porque me deixou cair nas artimanhas do maligno. Aquela sem vergonha começou a freqüentar nossa casa, e não sei por que diabos ela foi se aproximar justo de mim, um homem casado, padrinho dela, e ainda por cima vinte anos mais velho. Ritinha me provocava, aparecia sempre com umas blusinhas que deixavam o umbigo de fora e com saias muito acima dos joelhos. Eu resisti por muito tempo doutor, mas teve um dia que eu não agüentei. E foi nesse maldito dia que minha vida começou a acabar. Durante três anos eu traí Clarice com aquela vadia. Perdão doutor, estou xingando muito né? Vou tentar me controlar. Eu imaginava que ninguém soubesse dos nossos encontros furtivos, mas ontem, antes de eu chegar do trabalho, alguma desalmada colocou uma carta anônima por debaixo da porta. Digo desalmada, porque isso só pode ser coisa de mulher né? Ah doutor, nossa noite foi um inferno. Clarice me chamava dos piores nomes, e a única coisa que eu podia fazer era pedir perdão. Eu jurei pra ela que nunca mais iria olhar pra cara da Ritinha. Mas já era tarde demais pra consertar as coisas doutor, Clarice estava se sentindo a última das mulheres. As crianças não paravam de chorar, por isso eu achei melhor passar a noite fora. Quando eu saí do cinema hoje à tarde, pensei que as coisas lá em casa já pudessem estar um pouco mais calmas. Mas que nada doutor, pra Clarice, o que eu fiz não tinha perdão, não tinha mais volta. Eu a encontrei sozinha em casa, sentada na beirada da cama. Ela já tinha tudo planejado doutor, tanto que ligou pra irmã e pediu que ela fosse lá em casa buscar as crianças. Clarice estava com a mesma roupa da noite anterior, e pelo vermelho dos seus olhos, havia chorado convulsivamente. Antes que eu dissesse qualquer coisa, Clarice foi até a gaveta da cozinha, pegou a maior faca que tinha lá e partiu na minha direção. Eu fiquei parado doutor, esperando e torcendo pra que ela me apunhalasse o peito, pra que ela rasgasse minha carne de pecador, de traidor. Mas quando Clarice se jogou em cima de mim, ela já havia virado a lâmina da faca para si. Meu corpo serviu de parede para que todo aquele aço entrasse no corpo da minha mulher. Clarice deu um último suspiro, e com olhos arregalados de tanto pavor, tombou sua cabeça sobre meus braços. Que coisa mais triste doutor delegado. Né?

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Devaneio primaveril
(por Elano Ribeiro)

Na noite passada aconteceu uma grande festa no meu jardim imaginário. Os organizadores estavam com os nervos à flor da pele, preocupados em averiguar cada detalhe, desejando que aquela noite fosse inesquecível. Vindas de diversas regiões, as Orquídeas, anfitriãs da festa desse ano, usavam vestidos das mais variadas cores e estilos, e aguardavam, ansiosamente, a chegada da convidada mais ilustre. Ao notarem a aproximação de uma carruagem dourada, puxada por cavalos alados, todos brancos como algodão, os Cactos, responsáveis pelos fogos de artifício, coloriram o céu que já estava pintado de estrelas. Enfim, chegava a Primavera, despejando lá do alto, milhares de pétalas de Rosas brancas, amarelas, vermelhas... Trazia consigo um valioso presente, uma chuva suave, da mais pura e cristalina água. Margaridas, Ipês, Trevos e todos os demais convidados reverenciavam a rainha que desembarcava de forma grandiosa, porém humilde, saudando a todos com aceno e olhar maternal. Copos de leite, responsáveis pela escolta da rainha, a acompanharam até o centro do jardim, acomodando-a numa confortável almofada feita de Painas. Formigas, devidamente trajadas, serviam água da chuva em taças de cristal. Todos ergueram um brinde em homenagem a mais uma festa da Primavera. Num enorme palco formado por Cogumelos gigantes, uma orquestra de Morangos silvestres, regida por um impecável Jasmim, tocava orgulhosa a Nona Sinfonia de Bethovem. O baile adentrou a madrugada, com os pares apaixonados dançando sem parar, sendo observados carinhosamente pela grande rainha Primavera. Num canto mais isolado da festa, quatro jovens Lírios do campo, todos de terno e gravata, usando enormes franjas no cabelo, tocavam Sergeant Pepper's Lonely Heart's Club Band, levando algumas Hortênsias e Violetas adolescentes à loucura. Fui acordado de meu devaneio primaveril, pelo forte estrondo de um trovão. Custei pra perceber que havia sido “expulso” daquela festa magnífica. Levantei-me, fui até a janela do quarto e fiquei alguns minutos observando a chuva que caía, sentindo uma enorme paz interior. Não resisti e fui ao encontro dela. Antes, porém, peguei uma taça que não era de cristal, e debaixo da chuva, deixei que ela se enchesse daquela água, que também não era tão pura e cristalina. Fiz um brinde à rainha Primavera, pedindo que seu reinado seja de muita paz, amor, flores e poesia.

sábado, 15 de setembro de 2007

Recebi um e-mail com esse texto que está abaixo. Não sei se é mesmo de autoria do Herbet Viana, mas de qualquer maneira, seja ele, ou não, o autor, o texto é bem interessante

Vaidade
(Herbert Viana)

Cirurgia de lipoaspiração? Pelo amor de Deus, eu não quero usar nada nem ninguém, nem falar do que não sei, nem procurar culpados, nem acusar ou apontar pessoas, mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos lipo-as e muito mais piração? Uma coisa é saúde outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu.Hoje, Deus é a auto imagem. Religião, é dieta. Fé, só na estética. Ritual é malhação. Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo, sentimento é bobagem.Gordura é pecado mortal.Ruga é contravenção.Roubar pode, envelhecer, não.Estria é caso de polícia. Celulite é falta de educação.Filho da puta bem sucedido é exemplo de sucesso.A máxima moderna é uma só: pagando bem, que mal tem?A sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não Pensa em mais nada além da imagem, imagem, imagem. Imagem, estética, medidas, beleza. Nada mais importa.Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, o relacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa. Não importa o outro, o coletivo. Jovens não tem mais fé, nem idealismo, nem posição política.Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada.Ok, eu também quero me sentir bem, quero caber nas roupas, quero ficar legal, quero caminhar correr, viver muito, ter uma aparência legal mas... Uma sociedade de adolescentes anoréxicas e bulímicas, de jovens lipoaspirados, turbinados, aos vinte anos não é natural. Não é, não pode ser.Que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude. Que eu me acalme. Que o amor sobreviva.
"Cuide bem do seu amor, seja ele quem for "
Herbert Vianna

domingo, 9 de setembro de 2007

Número um quatro três
(por Elano Ribeiro)

... deixa de ser machista, Paulo Renato. Não adianta insistir, Maria Rita, isso não é coisa de homem e eu não vou fazer. Pois fique sabendo o senhor, que uma revista super conceituada, que agora eu não me lembro o nome, publicou o resultado de uma pesquisa sobre sexo, e oitenta e cinco por cento dos homens entrevistados disseram já ter feito o nº 143, e a grande maioria gostou muito. Ah, qual é, Maria Rita!? A revista é tão conceituada que você nem se lembra o nome dela. Um pequeno lapso de memória, Paulo Renato, só isso. Tá bom vai, aposto que eles não entrevistaram nem vinte homens sequer. Poxa, Paulo Renato, vamos pelo menos experimentar. Se você não gostar a gente pára. Eu já disse que não, Maria Rita. Isso não é justo. Quando eu te dei de presente o livro “203 maneiras de enlouquecer um homem na cama” você disse que nós iríamos praticar todas as etapas do livro. Acontece, Maria Rita, que nas outras cento e quarenta e duas eu não precisei passar por nenhum constrangimento. Que constrangimento, Paulo Renato? É nossa intimidade, e além do mais ninguém vai ficar sabendo. E como é que eu vou encarar meus amigos lá do futebol depois disso? O que é que seus amigos têm com isso, Paulo Renato? Você não vai contar nada pra eles. É, mas e se algum deles olhar pra mim e desconfiar do que aconteceu? Sei lá, vai que meu jeito de andar fica diferente. Pára de falar besteira homem de Deus. Isso, Maria Rita, Deus, Ele não fez o homem pra esse tipo de coisa. É, seu engraçadinho, e nem as mulheres foram feitas pra isso também, no entanto, vocês homens adoram a idéia. Pimenta nos olhos dos outros é refresco, não é, Paulo Renato? Maria Rita, se coloca na minha posição. Eu já me coloquei meu amor, e é por isso que eu até já providenciei um gel maravilhoso, indicação de uma amiga. Você contou pra sua amiga essa sua idéia maluca, Maria Rita? Não, meu amor, eu disse que quem vai usar o creme sou eu. Ah, menos mal. Além do mais, quando a gente chegar ao nº 149 eu é que vou precisar desse cremezinho, não é mesmo, Paulo Renato? Hummm, o nº 149 vai ser um espetáculo, Maria Rita. É, vai ser um espetáculo se você antes fizer o nº 143, porque se a gente pular esse, meu amor, pode esquecer as outras tantas maneiras que vão restar pra gente fechar esse “best seller” do sexo. Vai fazer chantagem agora, mulher? No amor vale tudo meu bem. Tá bom, Maria Rita, nós vamos fazer o nº 143, mas oh, é só porque eu não quero ficar sem o nº 149, só por isso hein! Paulo Renato, meu amor, eu sabia que você não iria me decepcionar. Vou lá buscar o tal creme... Maria Rita, faz esse negócio bem devagar hein! Pode deixar, meu amor, relaxa e aproveita, ou melhor, goza, como costuma dizer nossa ministra... Ai, Maria Rita. Ai, Maria Rita. Ui, Maria Rita. Tá ruim, meu amor? Pra dizer a verdade, até que tá gostoso. Tá vendo, Paulo Renato, eu não falei que ia ser bom, meu amor. Nossa, Maria Rita, isso é bom demais, parece que eu vou decolar. Paulo Renato... Não pára, Maria Rita. Paulo Renato... Mais rápido, Maria Rita. Paulo Renato... Eu não tô me agüentando, Maria Rita. Pedro Renato, já chega, assim já é demais. Maria Rita, pode me dizer por que você foi parar justo na hora “h”? Porque eu tô achando que você tá gostando demais, Paulo Renato. Enlouqueceu, Maria Rita? Você queria porque queria fazer esse negócio, agora que eu topei e tava gostando você quer parar mulher. O problema, Paulo Renato, é que você não tá só gostando, você tá delirando de prazer, tá adorando. Não é mesmo, Paulo Renato? Ah, Maria Rita, o que é que você quer dizer com isso mulher? Olha aí, olha aí a tua voz? Que tem minha voz? Você tá afinando a voz, homem de Deus. O que? Paulo Renato, Paulo Renato, sua família não merece esse desgosto.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Um pouco mais de tempo, elas merecem e eles agradecem
(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista Cronicas Cariocas - www.cronicascariocas.com)
Está previsto para ainda este ano a votação no Congresso do Projeto de Lei da Senadora Patrícia Saboya, que amplia o tempo da licença-maternidade, que hoje é de quatro meses, para seis meses. Parabéns à Senadora pela iniciativa, e parabéns também a algumas empresas do setor privado e a alguns estados e municípios que se anteciparam ao Projeto de Lei e já estenderam o prazo da licença-maternidade. O assunto é de extrema importância, principalmente para as mulheres que amamentam os filhos exclusivamente com o leite materno. Tomara que a votação ocorra o quanto antes, e o projeto seja aprovado.

Vivemos num mundo cada vez mais competitivo, com os ponteiros do relógio parecendo andar mais depressa, e os pais, na sua grande maioria, têm que deixar seus filhos em creches, escolas ou com babás durante todo o dia para poderem trabalhar e garantir o sustento da família. Muito justo então, que pelo menos nos primeiros meses de vida, mães e filhos possam ficar juntos em tempo integral por um período mais prolongado.

A expectativa do retorno ao trabalho antes dos seis meses de vida do bebê – tempo mínimo recomendado pelos pediatras para o aleitamento materno – é angustiante para a mãe. Posso afirmar isso porque nesse exato momento vivencio essa situação. Minha esposa Laura, que está amamentando nosso filho João Pedro unicamente com o seu leite, preocupa-se diariamente com o seu retorno ao trabalho. A inquietação dela se dá pelo fato de não querer interromper a amamentação ou ter de acrescentar outros alimentos a dieta do nosso filho antes do tempo ideal. Fato que se torna impossível se não houver um aumento no tempo da licença-maternidade.

No que diz respeito a esse direito das mamães, as brasileiras – mesmo com o período atual, que é de 120 dias – são privilegiadas em relação às mulheres de outros países, tanto da América do Sul, quanto da Europa. Na Colômbia e na Argentina o período da licença é de noventa dias e na Alemanha é de 98 dias. Já não podemos dizer o mesmo quando a comparação é feita com as mamães australianas: lá a licença-maternidade é de 365 dias.

Bem, está nas mãos das autoridades desse país decidir o tempo que as mamães devem ficar em casa por ocasião do nascimento de seus filhos. Mas há uma coisa importantíssima que nós pais temos a obrigação de fazer, e somente nós podemos fazer: precisamos dedicar aos filhos todo o nosso tempo disponível, por menor que ele seja e por mais cansados que estejamos depois de um dia inteiro de trabalho. Eles, os filhos, necessitam do nosso abraço, do nosso apoio e até mesmo de nossas broncas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O corredor suicida
(por Elano Ribeiro)


O velório e o enterro transcorreram de forma serena, apesar da perplexidade e incompreensão por parte dos familiares e amigos com relação ao ocorrido. O defunto em questão era o Coronel da Reserva, senhor Alcides Coimbra. O sobrenome do Coronel era sinônimo de respeito dentro do exército, afinal, desde seu bisavô, que a família mantém a tradição de ter sempre um membro no quadro de oficiais do exército brasileiro, servindo à pátria de maneira honrosa. Alcides também era reverenciado na caserna por ser um exímio atleta, fato que lhe rendeu um codinome: “O corredor”. Assim como seus antepassados que usaram fardas, ele sempre foi um homem de “mãos pesadas” com seus subordinados. O nome do Coronel também era associado a outras “façanhas” não tão nobres dentro dos quartéis do Rio de Janeiro. Comenta-se, que “O corredor” era temido por todos os presos políticos na época da ditadura. Pobre daquele que caísse nos porões escuros e sujos dos quartéis cariocas. Mas, tudo isso nunca foi provado, ficou só no campo da especulação.

Alcides nasceu e morou sempre no mesmo endereço, um casarão no bairro da Urca. Imóvel pomposo adquirido por seu bisavô. Na frente existia um belo jardim com as mais variadas qualidades de plantas, rosas e flores. Duas palmeiras imperiais marcavam o início da escadaria que levava à imensa varanda. Outra especulação, essa dos vizinhos mais próximos, era de que nos fundos do quintal, contrastando com a beleza do jardim, havia um tronco onde muitos negros sentiram a fúria do bisavô do Coronel Alcides. Foi nesse mesmo casarão, que ultimamente já apresentava alguns sinais de deterioração e o jardim já não era tão belo, que “O corredor” viu seus dois filhos crescerem. Um seria o orgulho do Coronel, o outro, o mais jovem, seria considerado a desonra da família, não tendo sido expulso de casa por causa da intervenção de sua mãe. Tudo isso porque, enquanto o filho mais velho seguiu as tradições militares dos Coimbra, já sendo um Primeiro Tenente de futuro promissor no nosso exército, o rapaz mais jovem seguiu o mundo das artes, tornou-se artista plástico, e dos bons. Mas o velho Coronel nunca conseguiu ver qualidade nenhuma em qualquer artista que fosse. Por diversas vezes excomungou o filho mais jovem dizendo que ele era desse jeito porque a esposa tinha ficado grávida sem querer. Dizia ainda: “O Brasil não necessita de artistas que só sabem segurar pincéis e espátulas, e, sim, de homens fortes e determinados que segurem nossos fuzis e baionetas e estejam sempre prontos para defender nosso solo sagrado”. Pra piorar as coisas, o Coronel via seu filho mais velho poucas vezes durante o ano. É que o rapaz sempre optou por servir ao exército em lugares muito distantes do Rio, aparecendo por aqui apenas no Natal, no dia das mães ou dos pais e, numa outra data qualquer, que, ultimamente, vinha sendo no mês de julho. Quando questionado pelo pai sobre o porquê de servir sempre tão distante do Rio e Janeiro, o filho mais velho respondia: “Pai, eu preciso estar lá pros lados da Amazônia, nossa fronteira é enorme e ainda existem muitas terras a serem desbravadas pelo exercito. Além disso, os recrutas de lá são rebeldes, não estão acostumados com um comando sério, eles precisam das mãos fortes e pesadas dos Coimbra”. Pronto, estava o pai ainda mais orgulhoso de seu filho Tenente e satisfeitíssimo com a resposta.

E foi exatamente num desses dias de julho, mais precisamente num domingo, que se deu a tragédia. Diariamente, o Coronel Alcides saía pra correr. Sempre fez questão de manter a forma física e a saúde em dia, mesmo depois de ter saído da caserna. Normalmente, ia de carro até Copacabana e fazia seu “cooper” lá no calçadão, mas naquele domingo resolveu ficar aqui mesmo na Urca. Havia lido no jornal do dia anterior, que Copacabana seria tomada por uma multidão de gays, lésbicas e simpatizantes, para mais uma edição da Parada Gay. Esbravejou e praguejou, junto ao filho mais velho: “Meu filho, essas aberrações mereciam os porões do exército. A cidade, o país e o mundo estão infestados desses seres repugnantes. E o pior, tem gente que acha tudo normal”. O filho Tenente pigarreou e disse num tom não muito convincente: “Concordo papai”. Lá ia o Coronel, em sua corrida cadenciada, corpo esguio e olhar sempre adiante, quando algo lhe chamou a atenção enquanto passava em frente a um pequeno bar do outro lado da calçada. Um grupo de jovens, desses a quem ele queria apresentar os temidos porões, fazia uma espécie de concentração para a parada que marca o Dia do Orgulho Gay. “O Corredor” ficou revoltado: “Porque os bastardos não estão lá em Copacabana?” Pra piorar, ele não escapou dos fius fius de alguns dos alegres jovens, todos vestindo trajes muito chamativos e coloridos, com plumas e outros adereços mais. De súbito, do meio daqueles intrépidos GLSs, partiu um olhar que encontrou em cheio o olhar do Coronel, que incrédulo deu um grito que ecoou por boa parte da Urca, um grito de raiva, de fúria. E como se estivesse num campo de batalha, atravessou a rua inesperadamente, parecendo avançar sobre as frentes inimigas. Foi jogado ao alto por um fusca que passava e não teve tempo de parar, aquele corpo alto e forte caiu sobre o asfalto. Em meio à multidão de curiosos que o cercava, “O Corredor” ainda teve tempo de encarar o filho Tenente – graciosamente travestido de Drag Queen – e, mesmo sem forças pra dizer mais uma palavra que fosse, deixou claro, através de sua expressão de dor, que amaldiçoava o filho para todo o sempre.

Nunca ninguém soube da verdade. O filho mais velho tratou de sair rapidamente do local onde o pai falecera, deixando no rosto da vítima um brilho de purpurina, devido a um último afago. Durante o sepultamento, enquanto o corpo do Coronel Alcides era devidamente baixado à sepultura da família, os filhos – que se mantiveram afastados durante todo o velório, e assim continuavam – tinham comportamentos bem diferentes. O mais velho chorava e a todo instante balbuciava que havia perdido sua referência de vida. O mais novo continuava em silêncio, e se olhássemos bem para ele, era possível perceber uma covinha na lateral dos lábios, indício de um discreto sorriso.

Naquela mesma manhã do sepultamento, um jornal popular e sensacionalista aqui do Rio de Janeiro noticiou em uma de suas páginas, com uma pequena nota: “O exercito brasileiro chora a morte de um de seus mais ilustres representantes, o Coronel Alcides Coímbra, também conhecido pelos colegas de farda como “O Corredor”. Ao que tudo indica, o Coronel cometeu suicídio, atirando-se na frente de um fusca que passava em alta velocidade. Nos quartéis cariocas, os recrutas já tratam o falecido pela alcunha de “O Corredor Suicida”.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O amor na sua forma poética e cotidiana
(texto de Elano Ribeiro, publicado na revista "Cronicas Cariocas")

Como em toda história de amor, um dia eles se conheceram. A convivência diária os aproximou. Os dois se apaixonaram. Os dois deixaram de lado as diferenças de suas crenças. Os dois foram viver na mesma casa, e levaram consigo uma bagagem com muitos sonhos. Os dois sonhavam e se amavam. Os dois se fizeram três. Os dois dançavam na sala logo após o café da manhã ao som de Miles Davis, se abraçavam e se emocionavam. Os dois brincavam como se crianças fossem. Os dois dividiram tantos problemas que já não sabiam dizer quais foram os mais difíceis de superar. Os dois também já tiveram e têm suas muitas alegrias. Os dois têm dívidas, mas também têm a música que ele toca com seu violão. Os dois são tão cúmplices que isso fica claro até para um estranho. Os dois querem uma vida melhor, com direito a prazeres que vão além do sexo. Os dois ainda têm o sexo, mas até ele já ficou restrito a poucos sons e limitado a certos horários. Os dois ainda sonham muitos sonhos, mas já não compartilham dos mesmos sonhos.

Ele passou esses longos anos de união deixando claro para a esposa que a ama acima de qualquer suspeita, porém sente desejos por outras mulheres. Ela parecia aceitar tudo numa boa, afinal tem a cabeça aberta, é bonita e segura de si. Ele nunca a traiu, a não ser por uns papos na internet, mas isso ainda não ficou claro para ele se é traição ou não. Ela é mais velha, tem os pés no chão, mas não quer dizer que não seja uma sonhadora. Ele tem alma de adolescente, apesar de não ser, e é um sonhador nato. Ela é avessa ao mundo virtual, ou pelo menos passa essa impressão. Ele tem um perfil maneiro no Orkut e seu quadro de amigos virtuais é composto, em sua maioria, por lindas mulheres. Ela começa a rever seus conceitos de mulher liberal. Ele precisa mais do que nunca que a mulher reveja esses conceitos e se torne ainda mais liberal, mas pelo andar da carruagem isso é um tanto difícil. Ela começou a achar que ele está perdendo o interesse por ela, no seu rosto já há as marcas do tempo. Ele nunca disse não para uma noite de sexo com ela, mas não sei se o corpo que ele vislumbra é sempre o dela. Ela o enxerga como um super-homem. Ele tem certeza que é um super-homem. Ela parece viver presa no seu pequeno mundo de dona de casa. Ele viaja com facilidade através de sua poesia. Ela quer ser apenas a mulher de seu marido fiel. Ele quer andar sem destino com a mochila nas costas. Ela acha que a separação pode ser a melhor saída para se evitar mais sofrimentos. Ele quer continuar casado. Ela chora. Ele chora. Os dois se amam.

O texto poderia ser uma ficção, mas é realidade de um casamento. E quantos outros casais não vivem a mesma realidade? Eu participo desse teatro da vida real, compartilhando com ele suas dores, dúvidas e angústias. Mas também vislumbro suas esperanças, mesmo que ele não fale delas, ou talvez, nem mesmo saiba que elas ainda vivem em seu coração de poeta.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Suplica
(por Magaly Grespan)

Vida, pele e ossos
Amanheço no estreito-pouco
A fome

Morre lenta em meu corpo.
Deglute-me em agonia
Terra e água
Passeias preparando a cada noite
A tua rudeza
E meu corpo a teu lado
Te amando
Suplicante te lamenta
Assim de frente
Uma petúnia, um jasmim.
Por veemência
Só existo a tua boca
Louvo-te em tua placidez
Solenemente plantamos o dia
Terra que não é só minha
Meu nome
A mais remota possibilidade
De voltar a ser
Guarda-me em tua geometria sempre, sempre
O passo ao baço
Vez em quando, me acalma???

domingo, 5 de agosto de 2007


...e Deus chegará no Second Life
(
crônica de Elano Ribeiro Baptista)

De acordo com as escrituras sagradas, Deus descansou no sétimo dia, após árduo trabalho na criação desse universo e de tudo o que existe nele, inclusive nós, pobres mortais que sucumbimos ao pecado da carne e provamos da irresistível maçã. Mas, levando-se em conta as notícias que foram publicadas na internet nessa semana, os momentos de paz e tranqüilidade de Deus podem estar chegando ao fim. Isso porque, um sacerdote jesuíta italiano propôs que a igreja católica utilize missionários virtuais para evangelizar no “second life”. A proposta já vem sendo analisada pelo Vaticano.

Àqueles que ainda não sabem do que se trata, o “second life” é um sofisticado programa de computador que reproduz a vida real. Você faz o danwload, se cadastra e começa a fazer parte de uma espécie de “universo paralelo”. Lá você escolhe se quer ser branco ou preto, homem ou mulher, bom ou mal, artista ou homem de negócios. Pode até se apaixonar. Se a proposta da evangelização for adiante, Deus terá que se dividir e administrar os dois universos – o que Ele criou à sua maneira, e ainda assim anda cheio de problemas, e esse outro, que já está pronto e é caracterizado por ilusões e mentiras.

Brincadeiras à parte, e antes que alguém diga que eu estou blasfemando, acho preocupante e estranha a idéia de que, uma organização tão conservadora quanto a igreja católica, com milhares de seguidores pelo mundo, aceite e afirme a idéia da existência de um “universo paralelo”, a ponto de usá-lo como meio de evangelização. Será que no final do ano os habitantes do “second life” irão colocar luzes na frente de suas casas e comemorar o nascimento de Jesus? Pode ser que sim, afinal existem pessoas de todas as idades que estão passando dias inteiros na frente do computador “cuidando” do seu “outro eu” enquanto esquecem de viver suas realidades. Na verdade, em muitos casos, essas pessoas parecem esquecer que têm uma vida real para administrar.

A igreja católica precisa mesmo correr contra o tempo e começar logo a evangelização virtual, afinal, lá na “segunda vida” já existe uma das situações que a milenar instituição mais condena: o casamento homosexual, com direito a cerimonial, padrinhos, festas e tudo mais. Ta aí, isso eu gostei. Pelo menos lá não há barreiras para o amor.

Do jeito que a coisa vai indo lá pelas bandas do “second life”, não demora muito para que comecem a surgir organizações que usam siglas para serem reconhecidas – por aqui chamadas de partidos políticos – ou então, o surgimento de um avatar que tem a solução para as classes mais necessitadas, anunciando a distribuição de uma ajuda de custo – por aqui mais conhecido como bolsa-família. Depois disso, tudo virá naturalmente com o passar do tempo: Mensalão, CPIs, Apagão Aéreo, Pizza.... É, acho bom os evangelizadores entrarem logo em ação, se não Deus terá tanto trabalho lá, quanto já tem por aqui.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Treze anos
(Escrito para minha filha Bianca)

Trazia consigo bolas de gude
Dentro da mochila pendurada nas costas
Eras ainda uma menina frágil, inocente
Com rosto e cabelos angelicais
Convidava-me para jogar aquelas bolinhas
No terreno irregular da casa de sua avó.
Eu, claro, não desperdiçava a chance
De estar mais próximo de você
De me colocar à sua altura
De brincar nos seus sonhos de criança
De sorrir do seu sorriso adorável
De encher meu coração com toda a paz que você nos presenteava.
O tempo, essa cruel arma que está
Sempre apontada na direção de nossas cabeças
Fez de você uma moça ainda mais linda
E fez de mim um atento observador
De seus passos agora adolescentes
Em busca de caminhos que nortearão a sua vida.
Caminhos, Bianca, que nem sempre serão bonitos e retos
Mas, como todo pai (quanta alegria eu sinto por me chamares de pai)
Torço para que aqueles que escolher seguir
Sejam de paz, serenidade e AMOR (Amor, o maior de todos os Deuses)
E que tenha sempre a certeza de que você possui toda luz
Para iluminar seus caminhos, pois você é a própria luz.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Amor, nossa máquina do tempo
(crônica de Elano Ribeiro Baptista, publicada na revista "cronicas cariocas" - www.cronicascariocas.com.br)

A viagem no tempo deve ser mesmo o maior dos nossos sonhos, ela está presente na literatura, no cinema, na televisão. Talvez um sonho mais cobiçado do que qualquer conquista espacial, afinal, lá em cima, muito provavelmente, só encontraremos poeira e hipóteses. Muito provavelmente também nunca iremos criar aquela máquina dos filmes de ficção científica que, de uma hora pra outra, nos transporta através do tempo e do espaço. Mas, temos ao nosso alcance algo tão fantástico e menos utópico do que essas máquinas para nos levar nessa viagem. O AMOR. O mais nobre dos sentimentos propicia essa volta ao passado, para isso, basta ter amado algum dia e guardado dentro de si somente coisas boas de todos os amores vividos. Pra que guardar o que foi ruim?

Ela me contou que o seu celular tocou numa tarde dessas, num dia que tinha tudo pra ser igual aos outros. Trinnnnnn: “estarei no Rio de Janeiro amanhã, me encontre às 12 h, vou ficar esperando”. Se ela foi? É claro que foi. E sem que ela ainda soubesse estava acionando a sua maquina do tempo. Eles se reencontraram depois de vinte e cinco anos, tinham tido um namoro rápido no último período da faculdade. Mas quem foi que disse que o amor precisa de muito tempo pra ser vivido intensamente e deixar suas marcas? Ao final de seis meses de namoro eles se despediram e foram viver suas vidas bem distantes um do outro, sem trocar telefones e endereços, como o casal Jesse e Celine do filme “Antes do amanhecer” – olha eu falando outra vez desse filme – e construíram suas realidades atuais: trabalho, casamento, filhos.

O abraço apertado e demorado na porta do hotel onde ele estava hospedado foi o início do teletransporte para o passado. A viagem no tempo dos dois estava só começando. Caminharam de mãos dadas pelo calçadão, tomaram água de coco, deram risadas ao se lembrarem de histórias daquela época distante – distante só no tempo, pois na cabeça deles estava tudo mais atual do que nunca –, falaram sobre o rumo que a vida de cada um tomou... Talvez estivessem revivendo os sonhos e planos não realizados, mesmo sabendo que continuariam sem realizá-los, afinal, o portal de retorno ao presente não demoraria a se fechar, por isso, tudo precisava ser intenso: os sorrisos, os abraços, os beijos, os diálogos. Nenhum dos dois tinha a pretensão de mudar o passado, só queriam revivê-lo, e assim fizeram.

Os dias atuais dela, esses sim foram alterados, quem sabe até o futuro. Sua auto-estima, que andava meio por baixo, estava revitalizada, se percebeu ainda capaz de conquistar alguém, havia e há um novo brilho nos seus olhos. Mas, não pensem que a viagem de volta ao presente, é tão rápida quanto a de ida para o passado, isso porque, quando se retorna, trazemos aberto um baú – como ela mesmo disse. Baú que pode ser imaginário ou real. Nele existem fotos, cartas, recordações e questionamentos de todos os tipos. “Porque fizemos isso ao invés daquilo? Porque não foi tudo diferente? Porque não ficamos juntos?”. Leva certo tempo para aceitarmos o retorno à nossa vida de hoje, é como se acabássemos de acordar de um sonho bom, onde não cabiam tristezas e frustrações. Ela retomou aos poucos o seu cotidiano, esperando um novo telefonema, um trinnnnnn que possa novamente acionar a sua máquina do tempo.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Te escrever
(por Elano Ribeiro Baptista)

Quero te escrever
Mas não sei se devo
Nem sei se posso
Quero te sonhar
Mas tenho medo
E se o sonho acabar?
Quero te olhar
Como há muito não faço
Mas e se seus olhos brilharem?
Será um convite?
Ou um flash disparado por suas lembranças?

Quero te escrever
E vou te escrever
Tenho caneta, tenho papel
Tenho o amor
Tenho o toque de seu dedo no meu braço
Que não me pareceu por acaso.

Por isso vou escrever
Vou escrever você
Te escrever.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Revista Língua Portuguesa
Entrevista com o escritor Ariano Suassuna


segunda-feira, 16 de julho de 2007

A magia dos sonhos
(conto infantil de Elano Ribeiro Baptista, publicado na revista 'cronicas cariocas" - www.cronicascariocas.com.br)

Um belo dia, João Pedro acordou assustado, olhou em volta e percebeu que tudo estava diferente. “Onde está o meu quarto, as paredes do meu quarto, meus carrinhos, meus gibis?” Perguntou o garoto, que só agora havia percebido que estava sentado dentro de um imenso pote, repleto de moedas de ouro. Logo se lembrou das histórias que seus pais lhe contavam sobre os tesouros escondidos no fim do arco-íris.

De repente, João Pedro sentiu alguma coisa lhe cutucando, como se fosse a ponta de uma vara. Olhou em volta, mas nada encontrou. Outro cutucão, agora acompanhado de uma pergunta. “Hei garoto, quem é você? O que você ta fazendo dentro do nosso pote?” O menino, olhando pra baixo, esfregou os olhos pra ter certeza de que não estava vendo coisas demais. Em torno do pote havia três duendes. Isso mesmo, duendes pequeninos e de orelhas pontudas. “Meu nome é João Pedro, só que eu não sei como eu vim parar aqui”. Os duendes logo disseram como. “Você veio escorregando pelo arco-íris e caiu aí dentro”. João Pedro disse àqueles pequenos homenzinhos verdes, que sempre pensou que essa história de pote de ouro no fim do arco-íris fosse invenção dos adultos, na escola a professora chamou isso de fábula ou conto de fadas.

Os duendes deram uma sonora gargalhada. “Nós estamos rindo porque os seres humanos acham que não existe nada além do que os olhos deles podem ver. Eles crescem e esquecem de viver seus sonhos e fantasias, preocupam-se somente com a realidade e, com isso, esquecem que um dia foram crianças e brincaram com a gente que vive nesse mundo, que todo adulto diz ser de faz-de-conta”. Ajudaram João Pedro a descer do pote e foram lhe mostrar como é encantador o mundo onde vivem. Um lugar de sonhos, colorido, cheio de vida, onde a natureza se mantém intacta. Contaram que no mundo deles não existe desmatamento, nem desrespeito a qualquer ser vivo, também não há animais em extinção, todos vivem em perfeita harmonia. Mas, o que mais encantou o pequeno garoto foi o gigantesco arco-íris que surgia não se sabe de onde, cheio de cores vibrantes. Mal pode acreditar quando encostou a ponta dos dedos naquelas enormes listras coloridas e sentiu que elas eram macias e felpudas, como se fosse um grande algodão doce, cada cor tinha um gosto e um cheiro diferente.

João Pedro estava adorando aquele lugar, já tinha conhecido outros duendes e começava a aprender novas brincadeiras, cada uma mais divertida que a outra. Ele também ensinou muitas coisas aos seus novos amigos e contou as histórias que lia em seus gibis. Já nem se lembrava mais de que aquele lugar não era sua casa, de que precisava descobrir como havia chegado até ali e como fazer para voltar. No meio de tanta diversão, um duende de longas barbas brancas, chamado mestre Diadorim, que os outros disseram ser um grande professor que vinha passando seus ensinamentos por várias gerações, disse ao menino João Pedro. “Nunca deixe de acreditar nos seus sonhos, mesmo quando você já estiver adulto e todos insistirem em dizer que não existem duendes, nem um pote de ouro no fim do arco-íris”. Depois disso o professor dos duendes entregou ao garoto uma singela flor e se despediu.

João Pedro já se preparava para voltar às brincadeiras quando escutou um barulho que lhe era muito familiar. “trinnnnnnnnnnnnnn”. Em seguida ouviu a voz do senhor Mário, inspetor da escola. “Vamos lá crianças, todos pra dentro da sala de aula. O que houve com você João Pedro que dormiu sentado aí nesse banco durante todo o intervalo?” O garoto ficou triste porque acabava de descobrir que tudo aquilo foi um sonho, que seus novos amigos duendes, o arco-íris de algodão doce, o pote de ouro – nada disso existia de verdade.

No caminho de volta da escola começou a observar como as árvores e os jardins estavam mal tratados, e o ar era carregado, de tanta poluição. Teve certeza de que os duendes saberiam cuidar melhor do nosso mundo do que nós mesmos. Respirou fundo. “Como pode tudo aquilo ter sido somente um sonho? Foi tão real.” Sentou-se na beirada do meio fio e resolveu chupar o último drops que tinha no bolso, pra sua surpresa, além da bala, havia algo a mais lá dentro. Os olhos do menino brilharam ao ver uma pequena flor de alecrim dourado, igualzinha a que o mestre Diadorim lhe presenteara. “Mas então não foi só um sonho.” Disse João Pedro, assustado e feliz, sem entender muito bem tudo o que estava acontecendo.

sábado, 14 de julho de 2007

Noturna
(por Magaly Grespan)


Devagar a tinta pinta a primeira letra

Devagar, antes que eu me esqueça

E de mendigo respingue em teu corpo

Antes que meu corpo, sonolento e tonto

Caia sobre a folha branca

Indizível olhar de piedade

A olhar-me na forma que desdita

Busco abrigo, um pensamento, um grito

Na tinta que hesita

Desejos e tremores de amores já sem vida

Eis a noite esposo que me fita

Imensa extensão, escrevo o meu eu

Antes que o tempo se transforme

E da noite a amanhecência o dia tome.



para conhecer outros textos da poetisa Magaly Grespan acesse o site da revista "cronicas cariocas" - www.cronicascariocas.com.br

terça-feira, 10 de julho de 2007

Mais cabeça e coração, menos quadril
(crônica de Elano Ribeiro Baptista, publicado na revista "cronicas cariocas" - www.cronicascariocas.com.br)

“O caminho para a transformação da educação no Brasil não passa por leis e sistemas; passa pela cabeça e pelo coração dos professores”. Essa frase afirmação é do Rubem Alves e faz parte de uma entrevista que ele deu pra Revista da Língua Portuguesa – excelente revista, quem ainda não conhece e possa se interessar pela publicação, aí vai o site: http://www.revistalingua.uol.com.br/ – na sua edição de nº 20. Concordo com Rubem Alves, de quem, aliás, gosto muito e tive a felicidade de poder assistir a algumas de suas palestras.

Trabalho numa escola pública e há muito que vivencio a necessidade dessa transformação no comportamento de alguns educadores. É claro que existem profissionais irrepreensíveis, que conseguem fazer com que uma turma de alunos cheios de limitações consiga evoluir de alguma forma. Há, ainda, aqueles professores que lecionam em instituições que não oferecem os mínimos recursos para a realização de um trabalho digno e, no entanto, superam as dificuldades com muita imaginação, talento e amor à profissão que escolheram, operando verdadeiros milagres em prol da educação de crianças extremamente carentes. Não, pensando melhor, não há milagre algum, eles simplesmente trabalham com a cabeça e, principalmente, com o coração. Mas, também existem os casos de professores desmotivados, que entram na sala de aula pensando apenas em “empurrar as horas”, sem se importar se seus alunos assimilaram nem que seja uma pequena parte do conteúdo aplicado, isso, quando algum conteúdo é aplicado.

São várias as justificativas para a falta de motivação, em minha opinião, nenhuma que justifique o desinteresse na realização de um trabalho satisfatório, principalmente porque, em alguns casos, trata-se de professores extremamente capazes e competentes, que estão deixando de transmitir aos seus alunos um vasto conhecimento adquirido ao longo de anos de regência e, com isso, acabam se auto-desvalorizando como profissionais. Não faz muito tempo, acompanhei os alunos da escola onde trabalho, juntamente com seus professores, a uma apresentação da cantora Bia Bedran. O espaço estava repleto de crianças de outras escolas, públicas e privadas. Me chamou muito a atenção o fato de alguns professores, em especial os das escolas particulares, estarem participando e também incentivando as crianças a participarem ativamente da apresentação, interagindo diretamente com a cantora. Outros, no entanto, simplesmente cruzaram os braços e ficaram lá, mais uma vez, “empurrando as horas” torcendo para que o evento acabasse o mais rápido possível, perdendo dessa forma, uma oportunidade rara de apresentar aos seus alunos, na maioria carentes e cheios de deficiências, entre elas as afetivas, uma música de qualidade, feita exclusivamente pra elas, crianças, além de serem essas mesmas músicas, um jogo lúdico, uma aula fora dos padrões habituais.


Esses professores, que se “neutralizaram” durante a apresentação da Bia Bedran, não agiram com a cabeça e coração, deixando de mostrar aos seus alunos que existem sons bem melhores do que os funks, cheios de letras maliciosas e de apologia às drogas, a prostituição, ao crime organizado, etc., que invadiram as escolas, não só as públicas, como as particulares também – já presenciei alunos da Classe de Alfabetização de uma escola particular tradicional, administrada por freiras, parodiando um funk, com direito a mãozinha no joelho, bem no dia da comemoração pelo final do ano letivo, tendo na platéia pais aparentemente orgulhosos por aquela exibição. Dia desses passei e parei em frente ao portão de uma pequena escola pública, no pátio havia uma turma se divertindo. Meia dúzia de gatos pingados jogava futebol, a grande maioria, porém, dançava animadamente ao som de uma música – música? – que diz: “hoje é festa lá no meu apê... vai rolar bunda lê lê / hoje é festa lá no meu apê, tem birita até o amanhecer”. Não me admirei ao ver que a regente daquela coreografia “nervosa”, cheia de rebolados e malícia, que as crianças, de no máximo sete anos faziam, era a própria professora, que remexia os quadris e aplaudia seus “pupilos” que, de forma mais ousada, requebravam até o chão, como se aqueles movimentos erotizados fossem o auge do aprendizado.

Não sou nenhum doutor em educação, o que escrevo aqui é baseado no meu dia-a-dia dentro de uma escola pública. E o que, constantemente eu observo, é que falta mesmo uma transformação na cabeça e no coração de alguns educadores (não só professores, mas todo aquele que exerce alguma atividade dentro de uma instituição de ensino), quantas vezes nos omitimos e deixamos de ensinar ao aluno o que é respeito, educação, higiene... Quantas vezes deixamos de ensinar o que é “ouvir”, porque sempre achamos que eles nunca têm nada de importante para nos dizer e, com isso, nunca os escutamos. Quantas vezes deixamos de demonstrar, na prática, algum gesto de afeto, carinho, amor..., não só pelo aluno, mas também pelo nosso colega de trabalho. Enquanto não acontecer essa mudança, de nada adiantarão reuniões pedagógicas – cheias de teoria onde tudo parece belo – e os maçantes conselhos de classe – que só servem para rotular o aluno de “bom” ou “ruim”.

Uma professora amiga minha disse o seguinte: “Saúde e educação são profissões de extrema responsabilidade, um médico quando erra prejudica uma pessoa, um professor quando erra prejudica dezenas de pessoas de uma só vez”.