sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Um pouco mais de tempo, elas merecem e eles agradecem
(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista Cronicas Cariocas - www.cronicascariocas.com)
Está previsto para ainda este ano a votação no Congresso do Projeto de Lei da Senadora Patrícia Saboya, que amplia o tempo da licença-maternidade, que hoje é de quatro meses, para seis meses. Parabéns à Senadora pela iniciativa, e parabéns também a algumas empresas do setor privado e a alguns estados e municípios que se anteciparam ao Projeto de Lei e já estenderam o prazo da licença-maternidade. O assunto é de extrema importância, principalmente para as mulheres que amamentam os filhos exclusivamente com o leite materno. Tomara que a votação ocorra o quanto antes, e o projeto seja aprovado.

Vivemos num mundo cada vez mais competitivo, com os ponteiros do relógio parecendo andar mais depressa, e os pais, na sua grande maioria, têm que deixar seus filhos em creches, escolas ou com babás durante todo o dia para poderem trabalhar e garantir o sustento da família. Muito justo então, que pelo menos nos primeiros meses de vida, mães e filhos possam ficar juntos em tempo integral por um período mais prolongado.

A expectativa do retorno ao trabalho antes dos seis meses de vida do bebê – tempo mínimo recomendado pelos pediatras para o aleitamento materno – é angustiante para a mãe. Posso afirmar isso porque nesse exato momento vivencio essa situação. Minha esposa Laura, que está amamentando nosso filho João Pedro unicamente com o seu leite, preocupa-se diariamente com o seu retorno ao trabalho. A inquietação dela se dá pelo fato de não querer interromper a amamentação ou ter de acrescentar outros alimentos a dieta do nosso filho antes do tempo ideal. Fato que se torna impossível se não houver um aumento no tempo da licença-maternidade.

No que diz respeito a esse direito das mamães, as brasileiras – mesmo com o período atual, que é de 120 dias – são privilegiadas em relação às mulheres de outros países, tanto da América do Sul, quanto da Europa. Na Colômbia e na Argentina o período da licença é de noventa dias e na Alemanha é de 98 dias. Já não podemos dizer o mesmo quando a comparação é feita com as mamães australianas: lá a licença-maternidade é de 365 dias.

Bem, está nas mãos das autoridades desse país decidir o tempo que as mamães devem ficar em casa por ocasião do nascimento de seus filhos. Mas há uma coisa importantíssima que nós pais temos a obrigação de fazer, e somente nós podemos fazer: precisamos dedicar aos filhos todo o nosso tempo disponível, por menor que ele seja e por mais cansados que estejamos depois de um dia inteiro de trabalho. Eles, os filhos, necessitam do nosso abraço, do nosso apoio e até mesmo de nossas broncas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O corredor suicida
(por Elano Ribeiro)


O velório e o enterro transcorreram de forma serena, apesar da perplexidade e incompreensão por parte dos familiares e amigos com relação ao ocorrido. O defunto em questão era o Coronel da Reserva, senhor Alcides Coimbra. O sobrenome do Coronel era sinônimo de respeito dentro do exército, afinal, desde seu bisavô, que a família mantém a tradição de ter sempre um membro no quadro de oficiais do exército brasileiro, servindo à pátria de maneira honrosa. Alcides também era reverenciado na caserna por ser um exímio atleta, fato que lhe rendeu um codinome: “O corredor”. Assim como seus antepassados que usaram fardas, ele sempre foi um homem de “mãos pesadas” com seus subordinados. O nome do Coronel também era associado a outras “façanhas” não tão nobres dentro dos quartéis do Rio de Janeiro. Comenta-se, que “O corredor” era temido por todos os presos políticos na época da ditadura. Pobre daquele que caísse nos porões escuros e sujos dos quartéis cariocas. Mas, tudo isso nunca foi provado, ficou só no campo da especulação.

Alcides nasceu e morou sempre no mesmo endereço, um casarão no bairro da Urca. Imóvel pomposo adquirido por seu bisavô. Na frente existia um belo jardim com as mais variadas qualidades de plantas, rosas e flores. Duas palmeiras imperiais marcavam o início da escadaria que levava à imensa varanda. Outra especulação, essa dos vizinhos mais próximos, era de que nos fundos do quintal, contrastando com a beleza do jardim, havia um tronco onde muitos negros sentiram a fúria do bisavô do Coronel Alcides. Foi nesse mesmo casarão, que ultimamente já apresentava alguns sinais de deterioração e o jardim já não era tão belo, que “O corredor” viu seus dois filhos crescerem. Um seria o orgulho do Coronel, o outro, o mais jovem, seria considerado a desonra da família, não tendo sido expulso de casa por causa da intervenção de sua mãe. Tudo isso porque, enquanto o filho mais velho seguiu as tradições militares dos Coimbra, já sendo um Primeiro Tenente de futuro promissor no nosso exército, o rapaz mais jovem seguiu o mundo das artes, tornou-se artista plástico, e dos bons. Mas o velho Coronel nunca conseguiu ver qualidade nenhuma em qualquer artista que fosse. Por diversas vezes excomungou o filho mais jovem dizendo que ele era desse jeito porque a esposa tinha ficado grávida sem querer. Dizia ainda: “O Brasil não necessita de artistas que só sabem segurar pincéis e espátulas, e, sim, de homens fortes e determinados que segurem nossos fuzis e baionetas e estejam sempre prontos para defender nosso solo sagrado”. Pra piorar as coisas, o Coronel via seu filho mais velho poucas vezes durante o ano. É que o rapaz sempre optou por servir ao exército em lugares muito distantes do Rio, aparecendo por aqui apenas no Natal, no dia das mães ou dos pais e, numa outra data qualquer, que, ultimamente, vinha sendo no mês de julho. Quando questionado pelo pai sobre o porquê de servir sempre tão distante do Rio e Janeiro, o filho mais velho respondia: “Pai, eu preciso estar lá pros lados da Amazônia, nossa fronteira é enorme e ainda existem muitas terras a serem desbravadas pelo exercito. Além disso, os recrutas de lá são rebeldes, não estão acostumados com um comando sério, eles precisam das mãos fortes e pesadas dos Coimbra”. Pronto, estava o pai ainda mais orgulhoso de seu filho Tenente e satisfeitíssimo com a resposta.

E foi exatamente num desses dias de julho, mais precisamente num domingo, que se deu a tragédia. Diariamente, o Coronel Alcides saía pra correr. Sempre fez questão de manter a forma física e a saúde em dia, mesmo depois de ter saído da caserna. Normalmente, ia de carro até Copacabana e fazia seu “cooper” lá no calçadão, mas naquele domingo resolveu ficar aqui mesmo na Urca. Havia lido no jornal do dia anterior, que Copacabana seria tomada por uma multidão de gays, lésbicas e simpatizantes, para mais uma edição da Parada Gay. Esbravejou e praguejou, junto ao filho mais velho: “Meu filho, essas aberrações mereciam os porões do exército. A cidade, o país e o mundo estão infestados desses seres repugnantes. E o pior, tem gente que acha tudo normal”. O filho Tenente pigarreou e disse num tom não muito convincente: “Concordo papai”. Lá ia o Coronel, em sua corrida cadenciada, corpo esguio e olhar sempre adiante, quando algo lhe chamou a atenção enquanto passava em frente a um pequeno bar do outro lado da calçada. Um grupo de jovens, desses a quem ele queria apresentar os temidos porões, fazia uma espécie de concentração para a parada que marca o Dia do Orgulho Gay. “O Corredor” ficou revoltado: “Porque os bastardos não estão lá em Copacabana?” Pra piorar, ele não escapou dos fius fius de alguns dos alegres jovens, todos vestindo trajes muito chamativos e coloridos, com plumas e outros adereços mais. De súbito, do meio daqueles intrépidos GLSs, partiu um olhar que encontrou em cheio o olhar do Coronel, que incrédulo deu um grito que ecoou por boa parte da Urca, um grito de raiva, de fúria. E como se estivesse num campo de batalha, atravessou a rua inesperadamente, parecendo avançar sobre as frentes inimigas. Foi jogado ao alto por um fusca que passava e não teve tempo de parar, aquele corpo alto e forte caiu sobre o asfalto. Em meio à multidão de curiosos que o cercava, “O Corredor” ainda teve tempo de encarar o filho Tenente – graciosamente travestido de Drag Queen – e, mesmo sem forças pra dizer mais uma palavra que fosse, deixou claro, através de sua expressão de dor, que amaldiçoava o filho para todo o sempre.

Nunca ninguém soube da verdade. O filho mais velho tratou de sair rapidamente do local onde o pai falecera, deixando no rosto da vítima um brilho de purpurina, devido a um último afago. Durante o sepultamento, enquanto o corpo do Coronel Alcides era devidamente baixado à sepultura da família, os filhos – que se mantiveram afastados durante todo o velório, e assim continuavam – tinham comportamentos bem diferentes. O mais velho chorava e a todo instante balbuciava que havia perdido sua referência de vida. O mais novo continuava em silêncio, e se olhássemos bem para ele, era possível perceber uma covinha na lateral dos lábios, indício de um discreto sorriso.

Naquela mesma manhã do sepultamento, um jornal popular e sensacionalista aqui do Rio de Janeiro noticiou em uma de suas páginas, com uma pequena nota: “O exercito brasileiro chora a morte de um de seus mais ilustres representantes, o Coronel Alcides Coímbra, também conhecido pelos colegas de farda como “O Corredor”. Ao que tudo indica, o Coronel cometeu suicídio, atirando-se na frente de um fusca que passava em alta velocidade. Nos quartéis cariocas, os recrutas já tratam o falecido pela alcunha de “O Corredor Suicida”.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O amor na sua forma poética e cotidiana
(texto de Elano Ribeiro, publicado na revista "Cronicas Cariocas")

Como em toda história de amor, um dia eles se conheceram. A convivência diária os aproximou. Os dois se apaixonaram. Os dois deixaram de lado as diferenças de suas crenças. Os dois foram viver na mesma casa, e levaram consigo uma bagagem com muitos sonhos. Os dois sonhavam e se amavam. Os dois se fizeram três. Os dois dançavam na sala logo após o café da manhã ao som de Miles Davis, se abraçavam e se emocionavam. Os dois brincavam como se crianças fossem. Os dois dividiram tantos problemas que já não sabiam dizer quais foram os mais difíceis de superar. Os dois também já tiveram e têm suas muitas alegrias. Os dois têm dívidas, mas também têm a música que ele toca com seu violão. Os dois são tão cúmplices que isso fica claro até para um estranho. Os dois querem uma vida melhor, com direito a prazeres que vão além do sexo. Os dois ainda têm o sexo, mas até ele já ficou restrito a poucos sons e limitado a certos horários. Os dois ainda sonham muitos sonhos, mas já não compartilham dos mesmos sonhos.

Ele passou esses longos anos de união deixando claro para a esposa que a ama acima de qualquer suspeita, porém sente desejos por outras mulheres. Ela parecia aceitar tudo numa boa, afinal tem a cabeça aberta, é bonita e segura de si. Ele nunca a traiu, a não ser por uns papos na internet, mas isso ainda não ficou claro para ele se é traição ou não. Ela é mais velha, tem os pés no chão, mas não quer dizer que não seja uma sonhadora. Ele tem alma de adolescente, apesar de não ser, e é um sonhador nato. Ela é avessa ao mundo virtual, ou pelo menos passa essa impressão. Ele tem um perfil maneiro no Orkut e seu quadro de amigos virtuais é composto, em sua maioria, por lindas mulheres. Ela começa a rever seus conceitos de mulher liberal. Ele precisa mais do que nunca que a mulher reveja esses conceitos e se torne ainda mais liberal, mas pelo andar da carruagem isso é um tanto difícil. Ela começou a achar que ele está perdendo o interesse por ela, no seu rosto já há as marcas do tempo. Ele nunca disse não para uma noite de sexo com ela, mas não sei se o corpo que ele vislumbra é sempre o dela. Ela o enxerga como um super-homem. Ele tem certeza que é um super-homem. Ela parece viver presa no seu pequeno mundo de dona de casa. Ele viaja com facilidade através de sua poesia. Ela quer ser apenas a mulher de seu marido fiel. Ele quer andar sem destino com a mochila nas costas. Ela acha que a separação pode ser a melhor saída para se evitar mais sofrimentos. Ele quer continuar casado. Ela chora. Ele chora. Os dois se amam.

O texto poderia ser uma ficção, mas é realidade de um casamento. E quantos outros casais não vivem a mesma realidade? Eu participo desse teatro da vida real, compartilhando com ele suas dores, dúvidas e angústias. Mas também vislumbro suas esperanças, mesmo que ele não fale delas, ou talvez, nem mesmo saiba que elas ainda vivem em seu coração de poeta.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Suplica
(por Magaly Grespan)

Vida, pele e ossos
Amanheço no estreito-pouco
A fome

Morre lenta em meu corpo.
Deglute-me em agonia
Terra e água
Passeias preparando a cada noite
A tua rudeza
E meu corpo a teu lado
Te amando
Suplicante te lamenta
Assim de frente
Uma petúnia, um jasmim.
Por veemência
Só existo a tua boca
Louvo-te em tua placidez
Solenemente plantamos o dia
Terra que não é só minha
Meu nome
A mais remota possibilidade
De voltar a ser
Guarda-me em tua geometria sempre, sempre
O passo ao baço
Vez em quando, me acalma???

domingo, 5 de agosto de 2007


...e Deus chegará no Second Life
(
crônica de Elano Ribeiro Baptista)

De acordo com as escrituras sagradas, Deus descansou no sétimo dia, após árduo trabalho na criação desse universo e de tudo o que existe nele, inclusive nós, pobres mortais que sucumbimos ao pecado da carne e provamos da irresistível maçã. Mas, levando-se em conta as notícias que foram publicadas na internet nessa semana, os momentos de paz e tranqüilidade de Deus podem estar chegando ao fim. Isso porque, um sacerdote jesuíta italiano propôs que a igreja católica utilize missionários virtuais para evangelizar no “second life”. A proposta já vem sendo analisada pelo Vaticano.

Àqueles que ainda não sabem do que se trata, o “second life” é um sofisticado programa de computador que reproduz a vida real. Você faz o danwload, se cadastra e começa a fazer parte de uma espécie de “universo paralelo”. Lá você escolhe se quer ser branco ou preto, homem ou mulher, bom ou mal, artista ou homem de negócios. Pode até se apaixonar. Se a proposta da evangelização for adiante, Deus terá que se dividir e administrar os dois universos – o que Ele criou à sua maneira, e ainda assim anda cheio de problemas, e esse outro, que já está pronto e é caracterizado por ilusões e mentiras.

Brincadeiras à parte, e antes que alguém diga que eu estou blasfemando, acho preocupante e estranha a idéia de que, uma organização tão conservadora quanto a igreja católica, com milhares de seguidores pelo mundo, aceite e afirme a idéia da existência de um “universo paralelo”, a ponto de usá-lo como meio de evangelização. Será que no final do ano os habitantes do “second life” irão colocar luzes na frente de suas casas e comemorar o nascimento de Jesus? Pode ser que sim, afinal existem pessoas de todas as idades que estão passando dias inteiros na frente do computador “cuidando” do seu “outro eu” enquanto esquecem de viver suas realidades. Na verdade, em muitos casos, essas pessoas parecem esquecer que têm uma vida real para administrar.

A igreja católica precisa mesmo correr contra o tempo e começar logo a evangelização virtual, afinal, lá na “segunda vida” já existe uma das situações que a milenar instituição mais condena: o casamento homosexual, com direito a cerimonial, padrinhos, festas e tudo mais. Ta aí, isso eu gostei. Pelo menos lá não há barreiras para o amor.

Do jeito que a coisa vai indo lá pelas bandas do “second life”, não demora muito para que comecem a surgir organizações que usam siglas para serem reconhecidas – por aqui chamadas de partidos políticos – ou então, o surgimento de um avatar que tem a solução para as classes mais necessitadas, anunciando a distribuição de uma ajuda de custo – por aqui mais conhecido como bolsa-família. Depois disso, tudo virá naturalmente com o passar do tempo: Mensalão, CPIs, Apagão Aéreo, Pizza.... É, acho bom os evangelizadores entrarem logo em ação, se não Deus terá tanto trabalho lá, quanto já tem por aqui.