terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Esse foi um grande ano
(publicado na revista Crônicas Cariocas)

No final do ano passado, meu amigo Luciano Fortunato me presenteou com o CD “Vagabundo”, uma parceria do Ney Matogrosso com Pedro Luiz e a Parede. Junto ao encarte do CD, tinha um bilhete escrito à mão por Luciano, que dizia, entre outras coisas, “que 2007 tinha sido foda.”


Meu amigo poeta estava se referindo a diversos acontecimentos que nos cercaram naquele ano, como por exemplo, o nascimento do meu filho João Pedro e a publicação constante de alguns dos nossos textos tanto na internet como também em “meios mais tradicionais de leitura”, ou seja, jornais e revistas impressas. Enfim, foram 365 dias bem interessantes.

Mas aí, como não poderia deixar de ser, 2007 se foi, deixando a expectativa de que 2008 poderia ser ainda melhor. E foi mesmo. Esse ano, que está chegando ao fim, também foi foda. Ou punk ou chique ou simplesmente, um grande ano.

Recebi vários presentes da vida em 2008, e em todos eles encontrei as mesmas (e ao mesmo tempo diferentes e infinitas) possibilidades, que iam se multiplicando e se encaixando, como num quebra cabeças de vidrais coloridos.

Essas possibilidades chegaram todas em forma de pessoas, de novos amigos, que trouxeram consigo uma espécie de energia pronta para ser espalhada e compartilhada.
Amigos que a vida nos traz, que atravessam nossos caminhos, semeiam algo de bom, e nos afirmam através de atitudes que nossas possibilidades (sonhos) podem se tornar realizações. E, normalmente, a gente só vai compreender a importância do encontro com essas pessoas quando começarmos a colher os frutos, que são resultados das sementes plantadas por elas, lá atrás.

Amigos: uns vem e vão. Partem depois de deixar suas sementes devidamente plantadas. Partem, não por que querem, mas sim por que precisam. E partindo, nos deixam uma sensação de vazio. Cria-se um hiato habitado pela angustia da incerteza de um novo encontro. Mas navegar é preciso. E semear outros terrenos (vidas) com a semente das possibilidades, também.
Enfim, esse ano de 2008, que está prestes a acabar, foi e ainda está sendo para mim um momento de ruptura, de mudanças e até mesmo de renascimento. Tudo isso provocado pelas pessoas que, felizmente, eu encontrei no meu caminho.

Feliz Natal e um ano de 2009 cheio de possibilidades e realizações.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Carbamazepina
(por Elano Ribeiro. Texto publicado na revista Crônicas Cariocas)

Há mais ou menos nove anos, numa tarde de janeiro, senti uma forte pontada na cabeça, como se um objeto pontiagudo estivesse penetrando meu crânio. Fiquei tonto. Muito tonto. Concluí que alguma coisa não estava normal dentro da minha cabeça – já nem um pouco normal – e que, portanto, deveria procurar um médico imediatamente.

E foi o que eu fiz, naquele mesmo dia. Potencializei meu pessimismo e procurei um neurologista, já querendo perguntar a ele quanto tempo eu ainda tinha de vida. Sério, não é exagero. Fui para o consultório com a quase certeza de ter um tumor no cérebro.

Felizmente, após algumas perguntas e respostas, e posteriormente, um EEG – sigla de “Eletro Encefalograma Digital” –, ficou diagnosticado que eu tinha apenas uma “Disritmia”. Algo comum, bem corriqueiro, que quase todo mundo tem nos dias de hoje – palavras do neurocirurgião que me atendeu – e que seria meu parceiro de consultas médicas bimestrais ao longo de muitos anos pela frente.

Ele (o médico) era um sujeito bem mais alto do que eu, gordo, cabelos grisalhos estilo “garotos de Liverpool”, flamenguista que adorava falar do Vasco da Gama, dono de um currículo invejável, colecionador de carros modernos e velhos, e um grande bebedor de cerveja – segundo ele mesmo me disse uma vez, durante uma de nossas conversas-consultas bimestrais.

Ah, a cerveja! Como eu gostava de sentir o gosto dessa bebida maravilhosa. Quanto mais amarga, melhor! E logo no nosso primeiro encontro, o neurocirurgião fã dos Beatles, foi logo me avisando que eu não poderia mais tomar café, Coca-Cola e cerveja, enquanto estivesse fazendo uso dos medicamentos por ele prescritos.

E como eu nunca fui de contrariar ordens médicas, segui a risca as recomendações do doutor Liverpool. Por quase nove anos, ingeri uma dose diária de Carbamazepina – era esse o nome do remédio que eu utilizava –, feliz por nunca mais ter sentido aquela tal pontada na cabeça.
O tempo foi passando e eu ia me sentindo cada vez melhor, mesmo ouvindo a sentença médica de que eu ainda tinha “um pontinho de disritmia”. Então, aos poucos, fui me achando no direito de voltar a consumir um pouco de cafeína, e num ato de rebeldia, não demorou muito para que eu me rendesse aos prazeres do “capitalismo engarrafado” – aqui se lê Coca-Cola.

Porém, eu nunca mais havia colocado uma gota de álcool na boca. Minhas “estripulias-falso-etílicas” eram regadas à cerveja sem álcool. Motivo de chacota entre os amigos apreciadores do gosto divino da cerveja.

Até que, semanas atrás, resolvi por fim a minha abstinência etílica. Tudo por conta de uma cerveja preta. Olhei para a prateleira do mercado e lá estava ela, me observando, me conquistando com seu jeito envolvente e sensual, disfarçado nas suas formas arredondadas. Tenho certeza que meus olhos brilharam, e ela, falando bem baixinho, quase que sussurrando aos meus ouvidos, me disse coisas que eu nem pude acreditar. Enfim, fiquei com água na boca, cheio de sede e vontade de sentir e sorver novamente o seu precioso líquido. Ela me fez perder a cabeça, e num ato condenado por alguns, porém aplaudido de pé por muitos outros (quem serão os loucos da história?), ao chegar em casa, tomei uma decisão: peguei todas as cartelas da minha ex- amiga Carbamazepina e guardei-as bem lá no fundo da gaveta. Desde então, nunca mais voltei a vê-las. E, se interessa a alguém, estou me sentindo muito bem.

Quanto a minha conquistadora lá das prateleiras do supermercado, a mesma que me devolveu ao “mundo dos nem sempre sóbrios”, levei-a para casa, conversei com ela por uns dois dias, sempre que abria a porta da geladeira, e no fim de uma tarde quente de domingo, cheio de cuidados e carinhos, coloquei-a sobre a mesa, segurei seu corpo frio, rígido e molhado, tirei seu lacre, ouvi aquele delicioso barulhinho de prazer emanar de sua “boca”, observei extasiado seu líquido derramar para dentro do meu copo, e tomado por um prazer descomunal, provei do seu sabor em um só gole.

Como dizem aqueles ilusionistas às suas platéias, sempre que vão fazer algum número muito perigoso, eu também vos digo: não façam como eu. Antes de deixar de tomar seus medicamentos, procure seu médico. Mas caso ele não o libere, vá a um mercado qualquer, olhe para a prateleira certa, deixe-se conquistar por uma nova (ou antiga) paixão e guarde sua cartela de remédios bem lá no fundo da última gaveta do armário. Às vezes, uma pequena dose de rebeldia desce bem.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008


Os sonhos de dezembro

(por Elano Ribeiro)


Talvez o mês de dezembro seja o mais propício aos sonhos. Refiro-me ao sonhar acordado, de olhos abertos, completamente consciente dos devaneios que revelam nossos anseios, sejam eles pessoais ou profissionais, públicos ou secretos.

Sonha-se: com novos amores – ou com a volta dos antigos –; com mais qualidade de vida; com viagens; com (mais) dinheiro na conta; com a cura de enfermidades (físicas e/ou psicológicas). Promete-se: viver de forma mais intensa, sem se importar com o que os outros irão dizer; não levar a vida tão a sério; ler mais; ouvir mais músicas; ser mais feliz, custe o que custar; iniciar os inúmeros projetos que estão guardados “dentro das gavetas”; perder a hora pelo menos uma vez por semana...

Sonhar em dezembro é diferente. Mesmo que os sonhos sejam os mesmos do ano inteiro. Quase que voltamos a ser como as crianças, que esperam pelo Papai Noel. Digo quase, porque, como “crianças crescidas” que nos tornamos, perdemos a ingenuidade e, infelizmente, já não temos mais tempo para algumas fantasias e magias.

Mas, mesmo tendo a certeza de que Papai Noel não virá nos trazer de bandeja tudo o que almejamos, conseguimos idealizar nossos sonhos através da esperança em dias melhores. E ela, a “esperança”, aflora de maneira mais intensa nos seres humanos, em dezembro.

Curiosamente, dezembro marca o fim e o começo. Ou melhor: o recomeço. O mês do Papai Noel, o último do nosso calendário, representa muito mais um início do que o mês de janeiro, onde realmente inicia-se o novo ano.

Então, que venha dezembro, com as suas portas e janelas abertas para o mundo dos sonhos. Ele chega na próxima semana, e apesar de trazer consigo os últimos dias de primavera, para a maioria de nós, ele vem carregado com a claridade do verão.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

ECT
(publicado também na revista Cronicas Cariocas)
Chegou aos meus ouvidos, a notícia de que a agência dos Correios da minha cidade, a única que possuímos, irá fechar. Já tem até data marcada. Seus funcionários, segundo dizem, irão ser todos transferidos para o município vizinho. Ainda não sei até que ponto essas informações são verídicas. Mas, de qualquer maneira, toda essa história e – por enquanto – boataria, me fez lembrar do filme “Narradores de Javé”, dirigido por Eliane Caffé.

No filme, o personagem Antônio Biá é um ex-funcionário dos Correios, que foi expulso da cidade após fazer futricas e caluniar moradores em cartas enviadas a conhecidos, para salvar seu emprego, uma vez que a agência de Javé iria ser fechada por “falta de movimento”.

A saída encontrada por Antônio Biá, certamente não seria a melhor solução para impedir o fechamento da “nossa” agência. Se bem que, vez ou outra, cartas maldosas e ofensivas, dirigindo-se à políticos da situação e também da oposição, circulam pelas ruas de Mendes. Estas porém, não necessitam dos Correios, pois são postas por “baixo das portas” do comércio local, na calada da madrugada, enquanto todos os cidadãos dormem o sono dos justos (!?).

Tudo bem que estejamos em plena era digital, com quase todo mundo se comunicando pela internet, e que, por conta disso, a correspondência tradicional tenha se tornado algo pouco utilizado. Mas privar os cidadãos do convívio quase que saudosista dos nossos bons e bravos carteiros, que por décadas embalaram os sonhos de homens e mulheres enamorados, que sentiam um verdadeiro frio na barriga ao avistar aqueles funcionários do governo com suas bolsas a tiracolo, repletas de cartas apaixonadas, escritas em papel perfumado, já é um pouco demais. Principalmente para as pessoas que ainda não se acostumaram com toda a tecnologia – e sua conseqüente falta de romantismo – existente nos dias atuais.

Terei eu de me preparar para responder com um nó na garganta, provocado pelas lembranças “das épocas postais”, quando meu filho, que só tem um ano e meio de vida, e talvez não conheça pessoalmente a figura de um carteiro, me perguntar: “Pai, o que foi que existiu naquele prédio velho e abandonado”? Saberei eu lhe dizer que em tempos não tão distantes, era daquele lugar que partiam os nossos sonhos e realidades, alegrias e tristezas, esperanças e angústias, em forma de letras escritas em papel, “escondidas” dentro de um envelope carimbado e selado?

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Almas, canetas e grafites
(por elano ribeiro)

Escrevi, certa vez, que os livros têm alma. Uma ou muitas, isso vai depender do número de “donos” que eles tiveram, por quantas prateleiras passaram e de tudo que “presenciaram”, do tipo de tratamento que receberam etc. Acredito que essas almas também deveriam ser intocáveis, invioláveis.
Acontece, que eu tenho a mesma mania de uma infinidade de outros leitores pelo mundo afora, a de manchar com tinta de caneta ou com grafite as almas dos livros, grifando frases e palavras, que por algum motivo eu desejo não esquecer mais. Como se o fato delas estarem sublinhadas seja garantia de que eu vá me lembrar de tudo o que li.
Muito provavelmente, o grande e real sentido de ferirmos as almas dos livros com nossas canetas e lápis, seja o de deixarmos pistas sobre a forma como pensamos a vida e que tipo de pessoas nós somos, para os que, algum dia, venham a ler um determinado exemplar que já passou por nossas mãos.
Foi com esse pensamento que resolvi pegar alguns livros meus, de forma aleatória, e verificar que textos e palavras eu havia destacado. Será que se eu estivesse lendo-os atualmente faria as mesmas “observações”? – perguntei-me antes de iniciar as leituras. E ao final, concluí que sim, que ainda penso como antes – pelo menos até agora. Vamos a alguns deles:
“... Só sei que de lábio em lábio fui aprendendo que o amor não merece um beijo que não seja, no mínimo, indecente...” (Divã – Martha Medeiros).
“... Depois de tanto tempo vivendo com uma pessoa, a gente não é mais tão único como supõe, o ser humano é solvente: se mistura com a vida dos outros e depois só com mágica é possível separas as partes...” (Divã – Martha Medeiros).
“... Aqui sentada, abandonada, contemplo o mundo imundo, o tudo e o nada, assim perdida, alucinada...” (Onde andará Dulce Veiga? – Caio Fernando Abreu).
“... Esse é o destino dos ninhos, de todos os ninhos: o abandono” (Um mundo num grão de areia – Rubem Alves).
“... Escrevo sem poder escrever e: por isso escrevo. De resto, não saberia o que fazer com este corpo que, desde sua chegada ao mundo, não consegue sair do lugar...” (A chave de casa – Tatiana Salen Levy).
“... As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam...” (Os dragões não conhecem o paraíso – Caio Fernando Abreu).
Sempre faço um grande esforço para não manchar as almas dos livros que me são emprestados. Confesso que já precisei recorrer a um bom lápis-borracha, numa tentativa desesperada de cicatrizar a alma de um livro alheio. Felizmente, o ferimento não teve conseqüências mais sérias, tendo o exemplar saído de minha prateleira de livros praticamente como chegou: com uma alma ainda leve, sem o “peso” das tintas e dos grafites, sem os rabiscos. Porém, também saiu de minhas mãos sem a possibilidade de revelar ao seu dono algo que, secretamente, eu havia confidenciado através das folhas quase intactas daquele livro.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Um exercício de observação
(a loira narcisista, a morena com pinta de modelo e a adolescente gordinha)

Nunca fui um bom observador. Demoro para captar as coisas que estão acontecendo ao meu redor. Porém, de uns tempos para cá, tenho tentado ser “menos desligado”, até porque, um cronista que se preze e que gosta de escrever sobre o ser humano e suas atitudes, tem que estar atento aos detalhes do cotidiano.

Então, ontem (domingo, 12/10), tratei de realizar um exercício de observação. O lugar escolhido não poderia ser melhor: uma loja de calçados femininos. Entrei no recinto acompanhando minha esposa, Laura, e fui logo de me sentando num dos bancos do lugar. Escolhi um bem no cantinho, onde eu pudesse ter uma visão privilegiada de todos (ou todas) que ali se encontravam. Pronto, o local perfeito para “ficar de olho nas mulheres alheias”

Duas situações logo me chamaram a atenção. Vamos a elas:

Situação nº 1 - Uma loira, com seus vinte e poucos anos, bonita, grávida de cinco ou seis meses, trajando um vestido de estampas floridas, bolsa grande a tiracolo e uma sandália rasteira, entra na loja, examina com cuidado os modelos que se encontram nas prateleiras e pede à vendedora que lhe traga alguns deles, para que ela possa experimentá-los. A prestativa atendente se abaixa e calça os pés da moça com cuidados e carinhos típicos das atenciosas e dedicadas funcionárias desse ramo comercial. A loira segue para frente do enorme espelho. Mas para meu espanto (talvez só meu mesmo, pois acho que ninguém mais estava prestando atenção na moça), em vez de fixar seus olhos em direção aos pés, ela começa a ajeitar os longos cabelos, coloridos artificialmente diga-se de passagem. Mexe daqui, mexe dali, joga-os para a direita e depois para a esquerda, sucessivas vezes. Repete a mesma atitude com os outros pares que experimenta. Por fim, vai embora, sem comprar absolutamente nada, porém extasiada por satisfazer seu espírito narcisista.

Situação nº 2 - Uma esguia moça, com pinta de modelo, que flutua com seu corpo de mais de um metro e oitenta sobre um salto finíssimo, adentra o recinto. Parece não ter mais de vinte e um anos. Vem acompanhada de uma outra moça um pouco mais velha, um pouco mais baixa, um pouco menos bonita. Veste um modelito prata. Uma peça única, curtíssima e não muito larga, deixando boa parte de suas longas pernas a mostra e delineando bem os atributos de seus quadris e adjacências. Logo atrás dela vem uma outra jovem, provavelmente ainda adolescente. Essa é baixa, talvez tenha menos de um metro e sessenta e cinco, gorda, dona de “salientes extremidades” na altura do abdômen. Veste uma calça cinza, dessas que colam no corpo, uma blusa curta e um pouco “folgada” e botas de camurça com canos longos. Enquanto a moça com pinta de modelo experimenta vários modelos de sapatos e sandálias, a mesma é observada atentamente por mim e pela adolescente. Quando a primeira caminha em direção ao caixa para efetuar o pagamento das compras realizadas, a segunda concentra de maneira ainda mais intensa o seu olhar em direção ao corpo “perfeito” da primeira. Fico me perguntando o que a segunda deve estar pensando: “Olha que coisa horrível, toda magra. Sou mais eu”, ou “Que inveja! Como eu queria ser igual a ela”.

Laura, depois de mais de meia hora, finalmente decide o que vai levar para casa. Saímos da loja. Minha esposa pensando se fez a escolha certa ao optar pela compra de uma sapatilha cor de areia, mas que ela me disse que às vezes parece cor-de-rosa. Eu, pensando nas três “personagens” que acabara de observar, e suas respectivas situações. Desço e subo as escadas rolantes do shopping, feliz por ter realizado meu “exercício” de maneira paciente e atenta e sabedor de que já possuía material para escrever mais uma crônica do cotidiano.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A hora que não chegou
(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista Crônicas Cariocas)

Nunca consegui “sair de cima do muro” e formar uma concreta e inabalável opinião quando o assunto em questão é a existência ou não de um ser divino. Já travei longas batalhas comigo mesmo, tentando chegar a uma conclusão, buscando encontrar respostas para os questionamentos que eu me fazia a respeito de Deus. O resultado dessas brigas internas sempre foi a constante e frustrante sensação de derrota, por não conseguir chegar à conclusão alguma.

Por conta disso, de uns tempos pra cá, resolvi não mais procurar por respostas. Decidi permanecer no alto do muro, apenas observando e ouvindo o que os outros têm a dizer sobre o assunto. E, apesar de ouvir certos absurdos, principalmente por parte daqueles que se dizem “crentes”, faço um esforço e mantenho-me calado, evitando as prováveis discussões. Quanto aos ateus, não os critico em hipótese alguma, pois posso compreender perfeitamente o porquê da total descrença.

Porém, tenho sido tendencioso a optar pela crença em algo superior. Afinal, é muito confortante acreditar que a vida não vai terminar “na próxima esquina”, e que, ao darmos o último suspiro, na verdade, estaremos iniciando uma nova jornada ao lado daqueles que amamos e que partiram desse mundo antes de nós. Como disse Ferreira Gullar (acho que foi ele mesmo que disse): “quem acredita em Deus tem metade dos seus problemas resolvidos”. Se um ateu convicto pensa assim, acho que o melhor que eu – um indeciso de carteirinha – tenho a fazer é colocar um pé do lado de lá do muro. Do lado dos que crêem. É claro que faço isso com certas ressalvas.

Entre essas ressalvas, está o fato de creditarem a Deus, o total controle sobre nossas vidas, inclusive o momento exato da nossa morte e, em que condições ela irá ocorrer. Quem nunca ouviu algo parecido com isso: “morreu porque chegou a sua hora”.

Num determinado dia da semana passada, por volta das doze horas, encontrei com uma grande amiga. Conversamos rapidamente. Nos despedimos combinando de continuarmos nosso papo num outro dia, com mais tempo. Fui para um lado, ela para o outro. Às quinze horas desse mesmo dia recebi a notícia de que essa minha amiga havia sido atropelada por um trem e faleceu. O que não faltou foram pessoas dizendo que a hora dela havia chegado. Ainda mais por causa da forma trágica e inusitada que se deu o terrível acontecimento.

Escutei, sem discutir. Mas em silêncio eu dizia para mim mesmo que, o que havia acontecido era exatamente o contrário. A hora dela não havia chegado: a hora dela ser feliz, pois, por mais que tudo esteja bem em nossas vidas, sempre existe uma felicidade a ser alcançada; a hora dela encontrar o verdadeiro amor; a hora dela ver seus sonhos realizados; a hora dela descansar (ela já estava aguardando a tão sonhada aposentadoria) depois de tantos anos de trabalho e dedicação à família.

Enfim, ela partiu – tomara que para um lugar melhor que esse. Mas não consigo acreditar que Deus já tivesse determinado que aquele dia fosse o último da vida de uma pessoa que tinha ainda tanto por fazer e para viver.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Devaneio Primaveril
(por Elano Ribeiro)

Na noite passada aconteceu uma grande festa no meu jardim imaginário. Os organizadores estavam com os nervos à flor da pele, preocupados em averiguar cada detalhe, desejando que aquela noite fosse inesquecível. Vindas de diversas regiões, as Orquídeas, anfitriãs da festa desse ano, usavam vestidos das mais variadas cores e estilos, e aguardavam, ansiosamente, a chegada da convidada mais ilustre. Ao notarem a aproximação de uma carruagem dourada, puxada por cavalos alados, todos brancos como algodão, os Cactos, responsáveis pelos fogos de artifício, coloriram o céu que já estava pintado de estrelas. Enfim, chegava a Primavera, despejando lá do alto, milhares de pétalas de Rosas brancas, amarelas, vermelhas... Trazia consigo um valioso presente, uma chuva suave, da mais pura e cristalina água. Margaridas, Ipês, Trevos e todos os demais convidados reverenciavam a rainha que desembarcava de forma grandiosa, porém humilde, saudando a todos com aceno e olhar maternal. Copos de leite, responsáveis pela escolta da rainha, a acompanharam até o centro do jardim, acomodando-a numa confortável almofada feita de Painas. Formigas, devidamente trajadas, serviam água da chuva em taças de cristal. Todos ergueram um brinde em homenagem a mais uma festa da Primavera. Num enorme palco formado por Cogumelos gigantes, uma orquestra de Morangos silvestres, regida por um impecável Jasmim, tocava orgulhosa a Nona Sinfonia de Bethovem. O baile adentrou a madrugada, com os pares apaixonados dançando sem parar, sendo observados carinhosamente pela grande rainha Primavera. Num canto mais isolado da festa, quatro jovens Lírios do campo, todos de terno e gravata, usando enormes franjas no cabelo, tocavam Sergeant Pepper's Lonely Heart's Club Band, levando algumas Hortênsias e Violetas adolescentes à loucura. Fui acordado de meu devaneio primaveril, pelo forte estrondo de um trovão. Custei pra perceber que havia sido “expulso” daquela festa magnífica. Levantei-me, fui até a janela do quarto e fiquei alguns minutos observando a chuva que caía, sentindo uma enorme paz interior. Não resisti e fui ao encontro dela. Antes, porém, peguei uma taça que não era de cristal, e debaixo da chuva, deixei que ela se enchesse daquela água, que também não era tão pura e cristalina. Fiz um brinde à rainha Primavera, pedindo que seu reinado fosse de muita paz, amor, flores e poesia.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Cena de cinema

(crônica de Elano Ribeiro publicada na revista eletrônica Crônicas Cariocas)



Dias atrás, durante o trabalho, saí da minha sala e fui à copa tomar um café. Lá chegando, observei, sem nada entender a principio, que um grupo de colegas – todas mulheres – estavam em estado de euforia, observando algo que acontecia lá fora. Indaguei o motivo de tal agito, e a resposta veio prontamente: elas observavam uma cena da vida real que poderia bem ser coisa de cinema. A vida imitando a arte. O cenário: uma praça pública, sem muitos figurantes por conta do dia frio e chuvoso. Atores principais: um casal.

Ele havia chegado primeiro, trazendo um buquê de flores vermelhas. Encostou num muro à beira do rio, parecendo não se importar com a neblina, e lá ficou à espera dela (da amada?), que por sua vez, não tardou a chegar. Porém, segundo me disseram os colegas espectadores, ela não chegou com o sorriso típico dos enamorados que se encontram após romperem a barreira da espera e da expectativa pelo momento dos abraços e dos beijos.

A moça recebeu suas rosas e se colocou de pé ao lado do rapaz apaixonado(?). Permaneceu abraçada ao seu buquê, sem demonstrar muito entusiasmo, enquanto que ele soltava palavras que nós nunca saberemos quais foram. Ela parecia apenas emitir sons monossilábicos. E ele, com a paciência que o amor exige, tentou uma maior aproximação, um encontro das suas mãos com as das dela. Tudo em vão, visto que ela parecia irredutível, ou seja, as mãos dela continuaram sendo exclusividade das belas rosas vermelhas, que recebiam a brisa gelada dos últimos dias do outono.

Pode-se dizer que o filme não terminou com um final feliz. Pelo menos para ele, que ficou lá, sozinho, secando as lágrimas que escorriam pela sua face, enquanto via a decidida moça ir embora, levando consigo o belo buquê que havia acabado de receber. Talvez quisesse ela guardar aquelas pétalas vermelhas, mesmo depois de murchas, como lembrança do amor e da paixão que um dia existiu entre ela e o agora solitário rapaz.

Quanto aos espectadores, numa tentativa de “dar uma força” ao solitário rapaz apaixonado, soltaram gritos de “parabéns”, “muito bem”, “não desiste”, “viva o amor”... E mesmo sem entender exatamente o que aconteceu, sem saber se o rapaz era o “mocinho” ou o “vilão” da história, antes que ele se fosse (antes que as luzes se ascendessem, indicando o fim do filme), o público aplaudiu a cena, de pé.
Se a história de amor do casal terá uma continuação e, se terá um final feliz, isso só o futuro irá dizer.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Uma grata surpresa
(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista eletrônica Crônicas Cariocas)

Caros leitores. Após algumas semanas longe das páginas desta revista, cá estou eu novamente. Minha ausência se deu por um motivo nobre: a produção do curta-metragem “Cachorro-Quente Vodu”, baseado no conto homônimo, de minha própria autoria, e que foi selecionado para participar do projeto Revelando os Brasis – Ano III. E o que eu vou escrever aqui, é exatamente sobre um dos momentos dessa experiência. Esse texto é um agradecimento a todos aqueles que junto comigo estão construindo o “Cachorro-Quente Vodu”.
Desde o momento em que comecei a pensar nas gravações do curta, havia algo que muito me preocupava: o número de figurantes que iriam comparecer no local das filmagens, ou seja, num ginásio de futebol de salão. Precisaríamos de um grande número deles para compor a arquibancada e fazerem o papel de torcedores. Começamos a nossa “caça aos figurantes” pelas escolas, convidando alunos e quem mais estivesse interessado em participar. Depois partimos para grupos de teatro, familiares etc. Detalhe importante: todos teriam que ficar à nossa disposição durante um sábado e domingo inteiros, hora empolgados, hora tristes, afinal seriam eles os torcedores de um time que começa o jogo a todo vapor e, depois vai perdendo todo o ímpeto do começo da partida. E teriam de fazer isso sem ganhar um tostão.

E para dar mais crédito a minha preocupação, quando voltávamos nas escolas para recolher as dezenas de fichas que lá havíamos deixado, nas mãos de “empolgados” alunos, quase sempre tínhamos a ingrata surpresa de receber somente meia dúzia delas. O pânico (o meu pânico) ia crescendo e tomando conta de mim, a tal ponto de pela primeira vez na vida perder o sono durante boa parte de uma madrugada dessas.

Com temor ou não, com insônia ou não, o tempo passou (e como passou depressa!), e o dia das gravações chegou. Mesmo tendo em mãos o número pré-estipulado de “Termos de Autorização para Veiculação de Imagem e Voz” (burocracia necessária), havia no ar a possibilidade de contarmos com um número mínimo de figurantes. Passava por nossas cabeças a experiência com os alunos das escolas por nós visitadas: primeiro a nossa empolgação por ver o interesse da “rapaziada” em querer participar; depois a decepção ao constatar que o interesse continuava somente com uns poucos, muito poucos. Havia ainda um outro complicador: o dia amanheceu chuvoso. Sim, o ginásio era coberto. Mas – pensava eu – quem é que vai sair do conforto de seu lar num sábado chuvoso?

Ainda bem que as boas surpresas fazem parte de nossas vidas. Antes mesmo do horário combinado para que as pessoas chegassem ao local das gravações, já havia um amontoado de figurantes na entrada do ginásio. Em pouco tempo já tínhamos uma longa fila formada por crianças, adolescentes, adultos, senhores e senhoras. Meu temor foi se dissipando e dando lugar a uma euforia que se transformava, aos poucos, na certeza de que tudo daria certo. E deu mesmo. As pessoas, todas elas, demonstraram uma grande, uma imensa boa vontade em colaborar. Além disso, era notória a alegria por parte daqueles que ali estavam. Filmamos por dois dias seguidos e ao final ficamos com o prazeroso gostinho de “quero mais”. Todos nós estávamos felizes. Todos, sem exceção.

O curta “Cachorro-Quente Vodu” está gravado. Agora estamos na expectativa para ver o resultado final, a junção das imagens tão belas, coloridas e alegres. Aguardamos a edição na expectativa de termos nas mãos um trabalho áudio-visual de qualidade. Mas independente do “Bom” do “Regular” ou do “Ruim”, acredito que um dos principais objetivos do projeto Revelando os Brasis foi alcançado: o de termos conseguido mobilizar centenas de pessoas dos mais diversos segmentos da nossa comunidade. E isso foi, para todos nós, uma grata surpresa.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Sinopse Sinopse Sinopse

A chave de casa
(Tatiana Salem Levy)


Neta de judeus da Turquia e filha de comunistas do Brasil, a narradora recebe do avô a chave que abriria a porta da casa de Esmirna, para onde os avós fugiram durante a Inquisição.





terça-feira, 29 de julho de 2008

Jesus Cristo a bordo

(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista eletrônica Cronicas Cariocas)



A tarde não era das mais quentes, nem das mais frias. Eu caminhava pela calçada, distraidamente – tenho andado tão distraído, mais do que normalmente sou, e pra piorar, comecei a falar sozinho –, quando um veículo passou ao meu lado. De dentro dele vinha um ruído perturbador. Não era instigante ou provocador. Era mesmo um som perturbador – funk, pancadão ou batidão, como queiram chamar os entendidos desse estilo musical(?) –, no sentido de: causar embaraço ou aborrecimento; causar atordoamento (Minidicionário Aurélio, 4ª edição).

Embaraçado, aborrecido ou atordoado, ficaram eu e mais algumas pessoas que transitavam próximos àquele veículo, que passava lentamente, por vezes parando, devido ao engarrafamento. Decidi que não iria olhar diretamente na direção do carro, para não dar muito crédito ao sujeito que, certamente, procurava chamar a atenção dos pedestres, ou em especial, das pedestres. Mas, estando eu de óculos escuros, espiei de “canto de olho” e observei o jovem que pilotava a sua máquina sonora disfarçada de automóvel. Uma mão no volante, um braço na porta, cabeça erguida e olhar de quem se achava o mais esperto, o melhor e o mais irresistível ser da espécie dos homo sapiens.

Havia, contudo, naquele carro, algo que me chamava mais a atenção do que o desagradável ruído sonoro que dele emanava, e a suposta “onisciência” de seu condutor. Um adesivo enorme, que cobria quase toda a largura do vidro traseiro. Numa letra bem desenhada, estava escrito: “Jesus Cristo a bordo”.

- “Jesus!” – disse eu em voz alta.

Lembrei-me de certa vez, em que ouvi Rubem Alves dizer que achava hilário certos dizeres estampados nos veículos, como por exemplo: “propriedade de Jesus”, “veículo rastreado por Jesus”, “Jesus está no volante”... O que Rubem Alves diria desse “Jesus Cristo a bordo”?

Foi inevitável que eu fizesse uma rápida análise da situação. Pensei em duas hipóteses:

1- Jesus Cristo estaria no banco do carona, com as mãos sobre o jovem motorista, clamando ao Pai Celestial, que colocasse um pouco de bom senso e também bom gosto, na cabeça daquele rapaz. Que o Pai, fizesse-o enxergar que existem por aí, ao alcance de todos, músicas de qualidade. E que, se a intenção dele era atrair os olhares das moças da cidade, ele poderia usar de outros meios, algo que não fosse tão... tão... pertubador. E, principalmente, que não “estampasse” ou exibisse o seu santo nome em vão.

2- Numa cena muito pouco provável, e até mesmo bizarra, Jesus estaria no banco do carona, usando um boné com a aba virada para o lado e uma calça larga, muito abaixo da linha da cintura. Para completar o improvável, estaria Ele se requebrando ao som do “proibidão”, na velocidade que exige um maior movimento e esforço dos músculos glúteos.

Antes que me acusem de heresia, deixo claro que tratei logo de espantar tais pensamentos da minha cabeça. Mas pedi a Jesus Cristo que, se ele realmente estivesse a bordo daquele veículo, que por misericórdia e amor aos ouvidos e olhos alheios, fizesse o favor convencer o jovem rapaz a levar rapidamente para a garagem o seu veículo (ou seria: a sua discoteca dos horrores?).

sexta-feira, 25 de julho de 2008

"Quando um homem morre é como se uma biblioteca inteira se incendiasse"
(antigo provérbio africano)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Pode crê
(por Elano Ribeiro. Crônica publicada na revista eletrônica Crônicas Cariocas)


Texto dedicado aos amigos do projeto Revelando os Brasis

“Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante, de uma estrela que virá numa velocidade estonteante, e pousará no...”. E pousou, em Copacabana, mas precisamente na Avenida Atlântica, quase na esquina com a Santa Clara, exatamente ali, naquele bairro que é, para mim, a maior torre de Babel a céu aberto do Brasil. Democracia de línguas, diversidade de culturas, marginalidade aflorada. Cartão postal da beleza carioca, retratada nas ondas de pedra do seu calçadão. Cartão postal das mazelas cariocas, escondidas atrás dos prédios à beira mar. Enfim, Copacabana continua linda.


E foi nesse universo quase ficcional, como se Copacabana tivesse saído das páginas de Nelson Rodrigues, que um índio e mais trinta e nove indivíduos, entre eles eu, das mais diversas “tribos”, desembarcaram para viverem juntos, praticamente vinte e quatro horas por dia, durante duas semanas, uma espécie de conto-de-fadas-dos-tempos-modernos ou um reality show sem câmeras escondidas. Quarenta pretensos cineastas, ou, simplesmente, amantes das artes, não necessariamente da sétima, deixando se levar pelo vai-e-vem das ondas do mar, e também das ondas cerebrais, ativando os impulsos da imaginação e da criatividade.


Gaúchos, paranaenses, baianos, cearenses, acreanos, mineiros, pernambucanos, quase cariocas..., todos trazendo nas malas um texto de sonhos e perspectivas, e muitas expectativas com relação à volta para casa, já acompanhados de uma câmera na mão e mil idéias incompletas na cabeça. Arrisco-me a dizer, que éramos, e ainda somos, e talvez sejamos por todo o resto de nossas vidas, quarenta aspirantes a Glauber Rocha do século XXI.


No meio dessa tribo de pretensos cineastas brasileiros, havia um jogo de palavras e sotaques de deixar qualquer aficionado pela língua brasileira num verdadeiro êxtase. Até as gírias – confesso que elas nunca me soaram muito bem – pareciam-me envolventes e apaixonantes. Mas entre “bá”, “tri legal”, “daí”, “arretado”, ‘trem bão”, “aí”, “massa”, “só” “meu”... destacava-se a completa amplitude de sentidos do “pode crê”, entoado como uma oração, divulgada, estimulada e “ensinada” por um mineiro “papo-cabeça-raul-seixista” e por um paranaense entendido das idéias socráticas e platônicas.


Muito em breve, toda essa diversidade cultural estará novamente reunida, numa comunhão de gestos, histórias, causos, sabores (salve o mel de Cambará do Sul e o pão de mel de Santa Maria Madalena), palavras, risos, lembranças, certezas, incertezas, companheirismo e filmes. Todos com seus vídeos prontos, filmados em lugares completamente distintos e geograficamente distantes, mas focados num mesmo espírito desbravador.


Caros amigos: em outubro vamos mais uma vez nos encontrar, e decupar um pouco mais os roteiros de nossas próprias vidas. Pode crê!

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Os nós de nós
(por *Rogério Manzolillo)

O tempo curto
E nós,
Sentados na praça
A discutir egoísmo

O tempo curto
E nós,
Ditando individualidades
A agradecer o coletivo interno

O tempo curto
E nós,
Distante, ignorando o medo
A vontade de amar

O tempo curto
E nós,
Sem entender os nós
A transitar pelo silêncio constante
De nossa solidão.

* Rogério Manzolillo, poeta e carioca de Santa Tereza
Contatos através do e-mail: rmanzolillopoesia@hotmail.com

domingo, 22 de junho de 2008

Amigos e leitores: o blog "Diário de Bordo & A Poética Crônica dos Contos" estará de "férias" no período de 24/06 a 05/07. Durante esses dias, estarei participando das Oficinas do projeto "Revelando os Brasis", que teve, entre os 40 textos selecionados, o conto "Cahorro-Quente Vodu", de minha autoria.

O que é o Revelando os Brasis? Revelando os Brasis tem por objetivo promover a inclusão e a formação audiovisuais por meio do estímulo à produção de vídeos digitais. Dirigido a moradores de municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, o projeto contribui para a formação de receptores críticos e para a produção de obras que registrem a memória e a diversidade cultural do País, revelando novos olhares sobre o Brasil.

Como funciona o projeto? A partir de um Concurso de Histórias destinado somente a moradores de municípios com até 20 mil habitantes, os interessados enviam textos contando as histórias (reais ou de ficção) que gostariam de transformar em vídeo. Quarenta histórias são selecionadas, e seus autores participam de oficinas preparatórias de roteiro, direção, produção, fotografia, som, edição etc. Na etapa seguinte, os selecionados colocam em prática o aprendizado recebido, retornando a suas cidades para a realização dos vídeos.

Cachorro-Quente Vodu
(por Elano Ribeiro)

Estou atrás de um dos gols da quadra de futsal. Apenas uma grade e alguns poucos metros me separam da baliza. Posso sentir o cheiro do suor que sai dos poros da pele do goleiro. Quase posso ouvir os batimentos cardíacos do goleiro: acelerados, descompassados, arrítmicos, frenéticos. A rivalidade entre o time da casa e o visitante (dois municípios vizinhos) sempre foi conhecida na região, mas nunca esteve tão acirrada. Os “caras de lá” levaram dois dos melhores jogadores dos “caras de cá” pra essa temporada. Bola no centro, árbitros apostos, jogadores eufóricos, torcida tensa: vai começar o jogo. Vai começar a maior manifestação de amor e ódio do brasileiro (e pela quantidade de mulheres em volta da quadra, das brasileiras também).

Amor: o time vai bem, é líder do campeonato, todos os jogadores são craques (para alguns eles são quase semi-deuses), que normalmente nunca erram (apenas dão azar, às vezes), o treinador é o professor (use ele prancheta ou não, saiba ele falar bem ou não, saiba ele escrever corretamente ou não).

Ódio: o time vai mal, vai ser rebaixado, os jogadores são pernas-de-pau (alguns deles deveriam ir para o inferno), que normalmente nunca acertam um lance sequer (e quando acertam é porque deram sorte), o treinador é um burro e filho de uma mãe que nunca está presente para questionar os diversos “adjetivos” que lhes é atribuída.

Na quadra começa a partida, rola a pelota. O time da casa – considerado inferior depois da perda dos dois atletas para o time adversário – sai na frente: 1 x 0; o time visitante se mostra nervoso: 2 x 0; recuo um pouco da posição em que estava (cotovelos apoiados no muro que circunda a quadra) para dar lugar a uma menininha de seis anos de idade, que a todo momento me faz perguntas: tio, aquele ali de cabelo esquisito é do nosso time?; tio, porque é que tem um moço vestido todo de preto? (tenho vontade de lhe responder que ele está de luto pela própria morte, que irá acontecer caso ele não apite corretamente); tio, o que acontece se ninguém fizer gol?

A todo o instante a menininha de seis anos de idade sai do lugar que eu lhe cedi, diz que tem muita vontade de fazer xixi. Sempre fico na expectativa de que ela não vá voltar, e dessa forma, eu possa ocupar novamente o lugar que por direito é meu. Mas ela sempre volta. Dessa última vez, ainda voltou com um cachorro-quente nas mãos, praticamente sem molho algum, só mesmo uma salsicha dentro de um pão. Enquanto eu começo a me preocupar se a menininha de seis anos de idade não vai vomitar todo aquele sanduíche nos meus pés, o time da casa faz 3 x 0: delírio total da torcida. Acho que vamos golear. Mas na mesma proporção em que o sanduíche (cachorro-quente ou pão com salsicha, já não sei mais precisar o que é aquilo que a menininha de seis anos de idade come) vai acabando, também vai diminuindo o ímpeto do time da casa.

Começo a suspeitar que o potencial do time dos “caras de cá” têm a ver com aquela mistura de farinha, água, sal, ovos e mais a porra da salsicha (que de sólida, vai aos poucos se transformando numa coisa pastosa, de tanto que a menininha de seis anos de idade a comprime dentro daquele pão “suspeito”). Mais uma mordida: 3 x 1; outra mordida: 3 x 2. Sinto-me responsável, preciso deter a fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes: “por favor, a garotinha poderia terminar de comer seu sanduíche depois que o jogo acabar?”. “Não posso esperar tio, está muito gostoso e eu estou com muita fome”. O time dos “caras de lá” cometem a sexta falta: tiro livre pra gente. Vamos ampliar o placar e sair do sufoco. Não. O jogador (o melhor que temos, o craque, nossa promessa de gols) perde o gol. A bola vai justo na direção do goleiro. Percebi que no momento do chute aquele projeto de sanduíche levara mais uma mordida. Resta-me pedir ajuda aos céus. Deus parece ouvir minhas súplicas: encerra-se o 1º tempo.

Curiosamente, a menininha de seis anos de idade interrompe a sua degustação juntamente com o apito do arbitro, que finalizou a primeira etapa. Ela simplesmente parou de comer o maldito sanduíche-cachorro-quente-pão com-salsicha. Envolveu o que restava daquela massa já disforme num saco plástico. Certo da influência maligna que aquela coisa vem exercendo sobre o time dos “caras de cá”, pergunto aliviado: “ah, então você resolveu acabar de comer essa coisa em casa?” “Não, tio. Estou guardando a outra metade pra quando o jogo começar de novo. Tio, porque que o jogo parou?”. Achei melhor não responder, afinal deve haver algum parente da menininha de seis anos de idade por perto e, certamente, ele ou ela não vai gostar de ouvir minha resposta. Mas, sinceramente, já começo a achar que o jogo nem devia ter começado. Mas começou. E acaba de recomeçar.

Junto do apito estridente do “homem de preto”, ordenando que a bola volte a rolar sobre o piso de cimento, vem o barulho quase que insuportável do plástico se abrindo. De dentro dele, do saco plástico agora todo aberto, vem o cheiro enjoativo da dupla mais suspeita e perigosa da noite: o pão e a salsicha.
No mesmo instante, a fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes volta a abocanhar o que já foi um inocente sanduíche. Numa tentativa de demonstrar que não existe qualquer cumplicidade entre ela e a tal dupla infernal, a menininha de seis anos de idade grita o nome do time da casa, mas as palavras que saem da sua boca vêm acompanhadas de um farelo de cor indescritível, resultado do encontro da farinha, água, sal, ovos e mais a porra da salsicha com a sua saliva. A mal educada grita com a boca cheia, e junto dos farelos que irrompem da sua boca como lavas sendo jorradas de um vulcão no exato instante em que ele entra em erupção, vem mais um gol do time visitante: 3 x 3. “Porra, eles vão virar o jogo se essa criatura, que deveria ser um anjo – mas está longe disso –, não parar de comer essa porra nojenta.” – penso eu em voz quase baixa.

Estou definitivamente certo de que o sanduíche é uma espécie de vodu. A cada mordida que ele leva, os jogadores do time de cá perdem suas forças, e a fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes é a mestra involuntária dessa magia. O jogo prossegue num ritmo alucinante: o time visitante ataca sem parar, enquanto que o time dos “caras de cá” só faz se defender. Sinto que a coisa não vai acabar bem. Estou quase arrancando das mãos da menininha de seis anos de idade o que resta daquela mistura explosiva. Não. Se eu fizer isso vou ser linchado aqui mesmo. Um cara do meu tamanho e da minha idade atacando uma criança indefesa – todos vão achar que eu sou um louco faminto tentando roubar aquele resquício de sanduíche. Resolvo ficar na minha, junto com minhas orações, que hão de ser mais fortes que qualquer magia.

Faltam vinte segundos pra acabar a partida. Do jeito que a coisa vai o empate será um ótimo resultado pra gente. Nas mãos da menininha de seis anos de idade ainda resta uma pequena migalha daquilo que já foi alguma coisa. Ela se prepara pra abocanhar o último pedaço. O time dos “caras de lá” ataca velozmente pela esquerda. A menina abre ainda mais sua boca pra receber o último pedaço. O time dos “caras de lá” tem direito a um lateral, bem próximo do gol do time dos “caras de cá”. Faltam quinze segundos. O lateral é cobrado. Treze segundos. O último pedaço começa a adentrar na boca da fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes. Um jogador do time dos “caras de lá” passa pelo goleiro do time dos “caras de cá” e lhe dá uma cuspidela na cara. Dez segundos. O goleiro sai do gol com a bola em jogo pra reclamar com a arbitragem da agressão sofrida. Cinco segundos. A menininha de seis anos de idade aplica o golpe mortal naquilo que já foi alguma coisa. Ela morde. A bola é cruzada na área. O goleiro não está lá. A bola bate na perna do pivô do time dos “caras de cá” e entra lentamente pro fundo das redes: 4 x 3. O jogo acaba. O sanduíche acaba. Fomos derrotados. A menininha de seis anos de idade embola o saco plástico que revestia o sanduíche (ou aquilo que já foi alguma coisa) e joga pro alto. A embalagem plástica cai igual a um pára-quedas sobre minha cabeça. A fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes some em meio à multidão que, desolada e frustrada, retorna aos seus lares (alguns não menos frustrantes e desoladores). O que eles e mais os jogadores do time dos “caras de cá” (que agora estão todos reunidos sentados no centro da quadra tomando um esporro do treinador) não sabem, mas eu tenho certeza, é que o jogo foi perdido por causa da dupla mais suspeita e infernal da noite: um pão e uma salsicha. Ambos “comandados” (ou seriam, treinados?) por uma menininha de seis anos de idade.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Espelho, espelho meu
(por Elano Ribeiro. Crônica publicada na revista eletrônica Crônicas Cariocas)

Em entrevista à revista Bravo!, do mês de maio desse ano, o cantor Ney Matogrosso diz que, num determinado dia, no início da turnê de seu mais novo show – Inclassificáveis –, sentira muitas dores musculares, provocadas pelos esforços que a apresentação da noite anterior lhe demandara. Por conta disso, ponderou: “é, não vai rolar... Não dou mais conta”. Foi aí que ele resolveu consultar o psicólogo que o orienta há séculos: o espelho.

Na mesma revista, numa suposta carta à Woody Allen, Domingos de Oliveira escreveu: “...O tempo passa como um rato na sala. Se tirarmos todos os espelhos da casa, passaremos melhor o dia...”

Espelhos: psicólogos para alguns, carrascos para outros. Testemunhas oculares da influência que o tempo exerce nas nossas vidas (leia-se aqui, nossa pele, esse revestimento perecível), de momentos íntimos – êxtase ou frustração–, de encontros e desencontros, das mensagens de amor escritas em seu “corpo” com batom vermelho, de sorrisos e lágrimas, de dores e curas, de nascimentos e mortes, de começos e fins.

Espelhos quebrados nos garantem sete anos de azar, dizem os supersticiosos. Por outro lado, refletem a nossa imagem partida, como se, de repente, nos transformássemos em dois. Duas fatias do mesmo ser. Um único cérebro que poderá, enfim, agir emocionalmente e racionalmente ao mesmo tempo. Um mesmo coração que terá, assim, permissão para amar duas pessoas simultaneamente. Um mesmo corpo que poderá, finalmente, se auto-observar em tempo integral – isso, se os dois lados do mesmo corpo caminharem de mãos dadas –, e contrariando as leis impostas pela física, ocuparão dois lugares ao mesmo tempo.

Espelhos, alguns muito grandes, colocados nos camarins dos artistas. Uns presenciarão o calor dos fãs, afoitos por um contato mais íntimo com o ídolo, desnudo das maquiagens, roupas e facetas que o personagem exigia. Outros, farão companhia aos solitários, quase anônimos, artistas circenses, que aos poucos vão retirando de seus rostos o brilho das tintas e purpurinas já desbotadas pelas lágrimas que lhes escorrem por conta dos aplausos negados pelo escasso público, e pela certeza de uma vida longe dos holofotes da fama e dos palcos de muita luz.

Na minha pequena casa existe um único espelho. Também não é grande. Minha esposa reclama: “não consigo me ver por inteira”. Eu, particularmente, acho que ele está de bom tamanho. E, a exemplo de Ney Matogrosso, o considero meu psicólogo pessoal. Perdi a conta de quantas vezes me coloquei na sua frente e lhe aluguei com meus problemas e dilemas. Suas sessões têm um preço bem acessível: vez ou outra um reparo na sua moldura, ou um pano úmido para lhe tirar as manchas de pasta de dente e dos desenhos feitos com as pontas dos dedos.

De frente para o meu psicólogo de parede, compartilhando do seu silêncio quase transparente, tento – muitas vezes em vão – não enxergar a imagem que ele reflete. Não que ela me cause aflições, pelo contrário, gosto dela, como uma espécie de Narciso dos tempos modernos. Sinto-me em paz e feliz com cada contorno que a pele da minha face adquiriu ao longo dos anos e, normalmente, deparo-me com um sorriso refletido. No entanto, esforço-me para buscar a imagem que existe dentro da imagem, e a outra dentro daquela, e mais a outra por detrás da outra e da outra..., até que eu consiga chegar no garoto de muitos anos atrás, cheio de sonhos joviais, que não tinha a menor noção do significado prático da palavra “problema”, e que via o espelho apenas como um objeto decorativo.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

“AMIZADE”
(por *Fátima Rodrigues Marinho)

A amizade é algo indescritível. É saber querer bem e também sentir-se querido.


Quanta alegria nos dá o encontro com os amigos. Um simples “bate-papo”, um abraço, um olhar, um sorriso.

Amigos verdadeiros, mesmo, existem poucos. Talvez não tenhamos nem a quantidade dos dedos das mãos, mas no caso Amizade, não importa a quantidade e sim, e principalmente, a qualidade.

Ter poucos amigos, porém sinceros, companheiros, presentes em todas as horas, prontos para ajudar sempre que necessário, para vibrar com nossas conquistas como se deles fossem, para chorar conosco na hora da nossa dor, isso não tem preço É de um valor inestimável.

Esses que estão presentes em todos os momentos é que são amigos verdadeiros. E, graças a Deus, eu tenho esses amigos. E como os amo! Como são importantes para mim! Quanta saudade me dão se fico algum tempo sem vê-los ou levo alguns dias sem com um deles conversar.

Quando viajo, como me lembro deles! Que vontade que me dá de tê-los junto comigo, compartilhando daqueles momentos tão animados, tão divertidos. Cada lugar novo que conheço, eles sempre me vêm à mente! E começo a pensar: “Nossa! Como iriam gostar daqui! Quantas brincadeiras poderíamos fazer! Tudo aqui seria bem mais bonito e melhor, se eles aqui estivessem!”

Sei que com eles isso também acontece, pois aqueles que costumam viajar, sempre me enviam um cartão postal do lugar em que se encontram e repleto de palavras de carinho. Prova de que também estou no pensamento deles. Que mesmo distante deles, estou sendo lembrada. Como isso é gostoso! Nos dá uma sensação agradável. Nos enche de prazer e nos emociona.

Amigos desse tipo, que largam tudo, tudo mesmo, para nos dar o apoio, o amparo, para nos prestigiar também nos momentos festivos, eu tenho SEIS. Já provaram isso inúmeras vezes. São FANTÁSTICOS! Isso enche o meu coração de uma felicidade imensa e parece que ele aumenta, bate mais forte e fica cheinho de amor.

No entanto, Amizade é algo mais amplo, não se prende somente a pessoas que se vêem, que se conhecem pessoalmente. Amizade é muito mais que isso. Quantos amigos temos que nem sequer sabemos como é sua voz, seu rosto, seu sorriso. Mas estes também existem e não são menos importantes. Estes são os chamados amigos virtuais. Desse tipo tenho menos, somente QUATRO, mas os estimo da mesma maneira. São tão importantes e queridos como os reais.

E por que da importância destes? Porque eles também fazem parte da nossa vida, da nossa história, estão sempre presentes no nosso pensamento e no nosso coração. Eles nos conhecem (interiormente), sabem como somos, sabem do que gostamos. E com isso estão sempre em contato conosco. Já nos fazem falta também. Ficar algum tempo sem um e-mail desses amigos já nos faz pensar: “O que estará havendo? Estará doente? Com algum problema? Terá o computador enguiçado? Ou quem sabe, melhor ainda, estará viajando, passeando, aproveitando a vida?” Um desses amigos viaja muito; mas sempre avisa quando vai viajar e entra em contato assim que retorna, contando da viagem e das maravilhas que viu. Dos outros três só um que sumiu uma vez. Fiquei bem preocupada, pois tirando os e-mails, não temos outro meio de comunicação. Mas, graças a Deus, não foi nada demais, o computador dele havia “pifado”. Que alívio!

Portanto, tanto REAIS como VIRTUAIS o que vale é o elo que nos une, que nos liga; às vezes ficamos um pouco tristes, astral meio baixo (comigo isso é meio difícil, pois sou de temperamento alegre), mas em algumas ocasiões acontece. Afinal, faz parte do ser humano. Ninguém, por mais que queira, pode ficar triste ou alegre a vida inteira. Há sempre um momento que uma saudade, uma tristeza bate em nós e aí vem aquele amigo real, nos estende a mão, nos oferece o ombro, nos abraça, nos reconforta. Ou então o amigo virtual, que através do seu e-mail, mesmo sem saber, nos envia uma mensagem com palavras positivas, ou um clipe musical espetacular, ou uma piada bastante engraçada, enfim... Faz com que o alto astral retorne, a alegria volte, o sorriso torne a aparecer.

Pronto! É como se uma fadinha surgisse e que com o seu condão mágico dissipasse aquela nuvem e trouxesse de volta a luz, o sol, o brilho no olhar.

Amizade é isso. É fazer o amigo feliz. É se preocupar com os problemas dele e tentar ajudar a encontrar a solução. É aplaudi-lo entusiasticamente nos momentos de sucesso. É estar pronto para ouvi-lo sempre que ele precisar. É incentivá-lo sempre e jamais permitir que desista. É encorajá-lo para que alcance suas metas. É estar presente num momento de fracasso ou desilusão. É fazer uma crítica, às vezes de forma dura, mas sabendo que é para o seu bem. É jamais mentir, mesmo sabendo que a verdade possa doer. É, embora reconhecendo seus defeitos, gostar dele assim mesmo. É não ter hora para telefonemas nem para recebê-lo em casa. É enfim, ter porta e coração abertos as vinte e quatro horas do dia para ele.

Ah! Que coisa mais linda é a Amizade! É uma grande riqueza! Quem tem amigos, mesmo poucos, é riquíssimo, pois a verdadeira Amizade é uma bênção de Deus.

Gostaria muito de um dia poder reunir todos os meus amigos: REAIS e VIRTUAIS e dar uma grande festa e agradecer a cada um pela jóia rara e valiosa que são.

Uma festa onde viveríamos o grande momento de poder saborear, todos juntos, o que há de mais belo na vida: O VALOR DA AMIZADE!!!


* Fátima Rodrigues Marinho é professora de Língua Portuguesa/Literatura

domingo, 8 de junho de 2008

Pulsar
(texto de Andreá Rodrigues Duarte, Dea, publicado originalmente no blog Palavra Dita)

Mesmo não sabendo onde estava indo
Tudo lhe parecia conhecido
De encontro com o desconhecido
Se sente acolhido.
A principio nem ao menos
Sabe o que estais fazendo.
Mas não se permite questionar.
Mas apenas prosseguir,
Se aventurar
E dessa forma improvisar.
Viver sem nada a temer
Não há o que perder.
Quando não se tem nada
Apenas um solitário
e pulsante coração

Que não desiste de procurar,
E dessa forma se encontrar
E apenas por alguns momentos se alegrar.

Porém sente que existe algo a mais a conquistar
E essa está ao alcance de suas mãos.
Não deixará escapar,
Mesmo que tenha que se machucar,
Tamanha esperança
E forte brilho em seu olhar

quarta-feira, 4 de junho de 2008

ESSA TAL FELICIDADE
(por Elano Ribeiro. Crônica publicada na revista eletrônica Crônicas Cariocas)

Para Miguel Barroso e Fátima Rodrigues. Duas amizades conquistadas recentemente. Duas pessoas que me trazem felicidade.

Aqui do meu cantinho, onde digito meus textos, ouço o som que vem lá da sala, saído do aparelho de TV, com a voz inconfundível do Toquinho. Ele canta “Só tenho tempo pra ser feliz”. Nesse mesmo instante, versos de outra canção brasileira me vêm à cabeça: “... ao encontrar você eu conheci / o que é felicidade meu amor”

Começo, então, a pensar na idéia de felicidade. E me dou conta de que existe um leque de motivos para que eu faça um brinde a tão desejado, e às vezes tão distante, sentimento. Distante para os que dizem: “não é fácil ser feliz”. Sempre presente àqueles que não buscam uma felicidade cem por cento, ou seja, em todos os pontos e momentos da vida – até porque, ela muito provavelmente não existe.

Dizem que Ela está nos pequenos detalhes. Talvez venha daí a dificuldade que alguns tenham de entendê-la e de senti-la. Espera-se demais da vida para poder dizer: “eu sou feliz”. Para muitos, só existe felicidade se houver por detrás dela, um carro – de preferência zero quilômetro –, uma polpuda conta corrente, viagens nos finais de semana, um trabalho que não seja cansativo, monótono, chato ou desgastante.

Antes que alguns comecem a me criticar, vou logo avisando que não vejo nada de errado em se querer passear – eu mesmo, se pudesse, viajaria com intensa freqüência –, e se tiver um bom carro e dinheiro sobrando para se gastar sem precisar se preocupar com o dia de amanhã, melhor ainda, pois certamente o passeio se tornará mais prazeroso. Bom mesmo será, se você for um dos felizardos que trabalha com o que gosta, com o que sempre sonhou. Aí, nem a certeza de que existem as segundas-feiras irá lhe abalar ou tirar o seu ânimo.

O problema, é que a maioria de nós depende dos ônibus e trens lotados, o orçamento estoura antes do fim do mês, passeia-se somente uma vez ou outra, e o emprego – quando se tem – está longe de ser o desejado. Isso não quer dizer que não possamos ser felizes. A felicidade existe, ela só está presente em outros pontos. Experimente buscá-la no sorriso de seus filhos; num domingo ocioso ao lado da família; no prazer de assistir a um filme, embolado debaixo das cobertas, com alguém que você ama; no encontro com os amigos; na alegria por reencontrar um colega de infância.

Se a felicidade não se faz cem por cento presente, da forma como você um dia idealizou, tente, então, não projetá-la ainda mais. Em vez disso, viva intensamente os cinqüenta, sessenta, sessenta e cinco por cento que você possui. Conselho dado por um amigo: “viva um dia de cada vez”. Minha opinião: “busque aumentar o seu porcentual de felicidade, vivendo as alegrias diárias que lhe cercam, mesmo que elas pareçam simples demais”.

domingo, 1 de junho de 2008

BIBLIOTHÈQUE EN FEU
(por Miguel Barroso)

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
em prateleiras de mel que escorrem para quem amamos
e de dentro das sedas que lambem os livros respiras tu
em eternos sopros de dádiva e saber
em cascos húmidos de humanidade

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
com livros livres de lombadas e paginação
perto das memórias intemporais do amor
em que se cedem cópulas alquímicas e misteriosas

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
em que se a cuidas, casa-alma,
dita-la para mime o graal surge, em forma de beijoi
mponente, cristalino, honesto e unicelular

(são as salivas dos livros que não li e me mostrasos desejos de sorver o palato da tua biblioteca)

e sem falar mais de livros,

falemos de amor…

aquele tabu em que se diz nada se poder definir

pois eu defino o que sinto na saliva das palavras - simbiose comunicacional
- que o amor sou eu
em forma de nós
como um copo de mar sem peixe
como um copo de mar com peixe
como mares sem ou com copos

porque o graal eu descobri
é seda preta e distinta, no recolher sóbrio dos teus medos
na conversão una das tuas expectativas e desejos

ensejo então fundir
abraçar a morte física como gás que respiras

porque posso

porque sim

porque quero

- lembra-te que sou alquimista –

e da distância faço a cama de lavado
e dos ossos obtenho abraços
e de todas as bibliotecas de todas as existências em todos os mundos
manda o amor
e o amor sou eu

e eu apanho a natureza no coração com uma rede indestrutível
e sôfrego toco-te um dedo
o dedo sensível com que intuis as coisas do mundo de todos os mundos

e se há mundos que desconheces, eu - alquimista-bibliotecário -
dilacero o peito

rasgo-me ao meio

sou um corpo-casa da alma-biblioteca

lê o que quiseres

tirem-te o pão,
tirem-te membros,
tirem-te alegria,
tirem-te o que amas, tirem-te a luz
e a esperança, tirem-te o riso e aquilo a que chamas de vida,
tirem-te. a ti.

façam o que fizerem, tirem-te o que te tirarem,
nada disso conta
pois vens a meu peito aberto e lês o que quiseres

…e se nada nessas palavras te afagam
encosta o teu rosto ao sangue quente do meu peito
e segredar-te-ei que te amo

que tu és tu

e que és quem amo

livro de mim

livro de ti

livres em nós,
no amor universal

quarta-feira, 28 de maio de 2008

"Quando ele acordou, o dinossauro ainda estava lá."
(Augusto Monterroso, escritor guatemalteco)

terça-feira, 20 de maio de 2008

Uma rosa para os AMIGOS virtuais
(crônica de elano ribeiro, publicada na revista eletrônica "Crônicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com)

Ilustração de Francci Lunguinho (blog Zumbido Literário)

Gosto de ler Rubem Alves. E depois de vê-lo e ouvi-lo pessoalmente, passei a gostar também da pessoa Rubem Alves. Pena que meu contato com o criador tenha sido infinitamente menor do que é com a sua criação, ou seja, com os seus textos e livros. Quem nunca leu esse – em minha opinião – sensacional escritor, deve fazê-lo rapidamente, pois certamente, ao final da leitura, ficará com a sensação de “quero mais”. Seus escritos simples, diretos e cheios de poesia, são “saborosos” e facilmente digeridos.

Dentre tantos textos do Rubem Alves, há um que, sempre que eu converso na Internet com algum AMIGO virtual, me vem à cabeça. Não estou me referindo àquelas pessoas que a gente adiciona aos montes na nossa lista de “amigos” do Orkut, passa uma pequena mensagem uma vez por ano na data do aniversário do indivíduo e nunca mais volta a saber dele ou dela. Mas sim, aos AMIGOS de verdade, amizade no sentido próprio e mais amplo possível da palavra.

E podem acreditar: grandes amizades nascem na Internet. Às vezes, elas florescem através de uma simples troca de e-mail, e aos poucos vão se consolidando. Afinidades vêm à tona, e com o passar do tempo se ganha mais confiança e tem-se a necessidade de estar o mais próximo possível do AMIGO. Mesmo que essa proximidade se traduza tão somente em longas conversas através do MSN. Uma câmera pode ajudar na sensação de que o outro está logo ali, quase ao alcance das mãos. Essas amizades sinceras, conquistadas através da NET, podem ser poucas, mas isto não é diferente no mundo real.

O texto do Rubem Alves, em questão, chama-se “Uma árvore para Ladon Sheats”, e está presente no livro de crônicas “Um mundo num grão de areia”. Nele, o escritor conta que possui um jardim encantado, onde planta árvores para os amigos que morrem, e ao saber da doença incurável do amigo Ladon, ele lhe escreve uma carta perguntando-o se concorda que um pinheiro canadense, recém plantado, receba o seu nome. “Assim, quando alguém me perguntar pelas razões daquele nome, eu contarei a sua estória...” – diz Rubem Alves, na carta enviada ao amigo longínquo.

O Norte Americano Ladon Sheats e Rubem Alves tornaram-se grandes amigos, porém nunca se encontraram pessoalmente. Correspondiam-se através de cartas, tendo, no máximo, conversado uma única vez, por telefone.

Daí eu associar a crônica aos meus AMIGOS virtuais, ou vice-versa. Felizmente, todos eles estão gozando de plena saúde. Mas me angustia a idéia de talvez, a exemplo de Rubem Alves, nunca ter a chance de conhecer pessoalmente todas, ou algumas dessas pessoas que eu aprendi a chamar de AMIGO, e que de certa maneira se fazem tão próximas, mas geograficamente estão tão distantes.

Não possuo espaço na minha pequena casa para ter um jardim encantado, onde eu possa plantar árvores, mas começo a pensar na possibilidade de cultivar rosas, e cada broto surgido será batizado com o nome de um AMIGO virtual.

domingo, 18 de maio de 2008

A morte veste fantasias
(por elano ribeiro)

Eis que chega a morte
Fantasiada de desculpas
- Foi um tiro
- Mas poderia ter sido uma faca
- Ou então uma corda
- Uma overdose de remédios, um lago, uma linha de trem.

Talvez uma fantasia
Mais poética
- Morreu de amor
- Apaixonado
- Triste, pelo amor não correspondido.

Ou ainda, quem sabe,
Uma fantasia heróica
- Morreu lutando
- Defendendo seus ideais
- Um bravo, não se calou perante a morte.

Mas, seja qual for a desculpa
- A dos bravos guerreiros
- A dos poetas apaixonados e sonhadores
- Ou, a dos desesperados, que buscam no suicídio um pouco de paz e descanso,
Ela, morte, nunca terá uma bela fantasia.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O site Crônicas Cariocas e o Centro de Cultura da Universidade Castelo Branco promovem o "1° Concurso de Crônica Cariocas". As inscrições irão até o dia 02 de junho. Cada participante poderá concorrer com cinco crônicas. Para saber mais sobre o concurso e o regulamento é só acessar o link, enviar um e-mail para concurso.cronicascariocas@gmail.com ou entrar em contato pelo telefone (21) 7849-5585.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

"Passear pela vida é não estarmos quietos no passeio a vê-la passar"
(Miguel Barroso, poeta)

domingo, 11 de maio de 2008

Sinopse Sinopse Sinopse Sinopse
Aos meus amigos
(livro de Maria Adelaide Amaral - Editora Globo, 336 pág.)

'Aos meus amigos' tem como tema central um dos principais da literatura de todos os tempos - a amizade. A amizade, porém, se aqui rima com 'fraternidade e solidariedade', não rima necessariamente com felicidade. A história do romance, baseada em fatos reais da vida da autora, se articula em torno de um leito de morte. Na verdade, de um leito de suicídio, o do escritor e publicitário Leo (inspirado em Décio Bar, amigo da escritora, a quem o romance é dedicado). É o seu suicídio que, no agitado ano de 1989, mobilizará a retomada da 'velha turma', que vivera intensamente os ideais da esquerda nos anos da ditadura militar brasileira (1964-1985). Um reencontro feito também de desencontros, inclusive políticos. Após o suicídio de Leo, seus amigos reúnem-se para velar o corpo e tentar manter viva sua memória, enquanto procuram os originais de um livro que teria deixado. Romance ágil, grandemente baseado em diálogos, mais do que em descrições, os fatos e personagens são, então, construídos e reconstruídos por referências e reminiscências, como nas conversas reais. É a palavra falada, enfim, que reina no romance, assim como na vida.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Mães com M maiúsculo
(Por Elano Ribeiro. Crônica publicada na revista eletrônica "Crônicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com)

Ilustração de Francci Lunguinho (blog Zumbido Literário)

Dizem por aí, que mãe é tudo igual, só muda o endereço. Discordo disso. Acho que cada uma tem a sua particularidade, o seu “que” a mais ou a menos, são todas ímpares. São como o nosso DNA – cada mãe é única.

No entanto, quando se trata do tão falado amor incondicional, quase todas elas são, realmente, muito iguais. Digo quase todas, porque existem mães que não nasceram para serem mães. Algumas até insistem, mas não tem jeito, não é delas. E ser mãe com M maiúsculo não é uma opção, é algo que a mulher traz consigo desde o seu nascimento. Não estou simplesmente falando sobre o fato de serem elas, as principais responsáveis pela perpetuação de nossa espécie. Isso seria um ato extremamente machista – além do que, não podemos nos esquecer, em hipótese alguma, das mães adotivas, que adotam os filhos, mas não o amor que sentem por eles. Esse amor está nelas, sempre esteve. As crianças apenas farão com que esse nobre sentimento comece a fluir em grandes e infinitas proporções. Falo sobre o ato inato da entrega, do se dar o tempo todo. Essa doação do amor incondicional é que, infelizmente, não está presente em algumas mães.

Mas estas, ao que parece, felizmente, não são maioria. A maior parte de “nossas” mães, são as tais com M maiúsculo. São capazes de trabalhar fora o dia todo e, ao chegarem em casa, ainda se jogarem no chão – sem o menor sinal de cansaço – para brincar com suas crianças durante um bom tempo. O sorriso, o abraço e todos os carinhos possíveis e imagináveis que entregam aos filhos são impressionantemente sinceros e espontâneos.

Dificuldade no dever de casa? Chamemos a mãe. Sente dores, está triste, precisa conversar? Mãe. Mãe, presente o tempo todo em nossas vidas. Se para os pais, os filhos sempre serão “as nossas crianças”, para as mães, os filhos sempre serão “os meus bebês”. Ao menor sinal de perigo elas correm e oferecem seus colos. Mesmo que, muitas vezes, nós filhos, não consigamos entender e respeitar tamanho cuidado e preocupação constante, isso para elas não importa. Negue seu colo uma vez, e elas lhe oferecerão outras tantas vezes quanto acharem necessário – ou seja, todos os dias.

Elas, as com M, nunca se afastam, nunca se ausentam, nunca fecham totalmente os olhos, nunca renegam, nunca desencanam de suas preocupações com os filhos. Acho mesmo que elas nem dormem. Muito provavelmente, seja por isso que, na tão comum frase “filho feio não tem pai” não haja espaço para elas. Para as mães os filhos sempre serão lindos. São bandidos: “são lindos, são meus”; são problemáticos: “são lindos, são meus”; são frequentemente tachados e marcados (os homossexuais, os viciados, as prostitutas, os tatuados, os cabeludos, os de “vida alternativa”...) por parte da nossa sociedade: “são lindos, são meus”. Elas nunca desamparam. Felizes aqueles que têm mães com M maiúsculo.

terça-feira, 6 de maio de 2008

"A coisa mais importante a ser ensinada para as crianças é que o Sol não se levanta ou cai. É a Terra que gira ao redor do Sol. Depois, ensinar-lhes os conceitos de norte, sul, leste e oeste, e que elas se relacionam com o lugar onde estão no planeta. O resto é consequência."
(Richard Buckminster - 1895/1983)

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Mantra
(poesia de *Miguel Barroso)

Extâse não é sentir-te
Extâse é sentir que me sentes
A felicidade flecha-te
rapidamente
de mim para ti
e o extâse passa a ser teu
ocupa-te
ecoa

Os suores param
momentaneamente
os nossos cardíacos
e o extâse sai de nós
fica
nu, o amor

E a lembrança
dos tempos futuros
sorri

* para ler outras poesias de Miguel Barroso, visite o blog A Seiva - www.aseiva.blogspot.com

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Onde andará Bia?
(crônica de elano ribeiro, publicada na revista "Crônicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com)

Arte: Francci Lunguinho (blog Zumbido Literário)

Alguns leitores, ao se depararem com o título dessa crônica, poderão lembrar do romance “Onde Andará Dulce Veiga?” do saudoso Caio Fernando Abreu. Dentre estes “alguns”, provavelmente haverá aqueles que dirão: “O Elano plagiou o título do Caio”. E é verdade mesmo, eu confesso: a idéia surgiu por causa do livro em questão – maravilhoso, por sinal.

“Onde andará Dulce Veiga?” conta a história de um jornalista – personagem sem nome – que passa uma semana inteira numa busca frenética e às vezes obsessiva por uma famosa cantora dos anos cinqüenta, que desapareceu misteriosamente quando estava no auge de sua carreira. Quem gosta de uma boa ficção e ainda não leu esse excelente livro do Caio Fernando Abreu, não deve perder tempo, leia imediatamente.

Mas o que Dulce Veiga tem a ver com Bia? Nada, absolutamente – pelo menos que eu saiba. A Bia dessa crônica é a companheira de Léo, da música “Léo e Bia”, do menestrel Oswaldo Montenegro. Foi assistindo ao DVD “Intimidade”, lançado recentemente, que a minha curiosidade em saber onde andará Bia veio à tona. Até então, eu achava que Léo e Bia eram um casal saído da imaginação do Oswaldo, dois meros personagens fictícios. Mas não, eles são pessoas de carne e osso.

Fui saber disso porque as músicas no DVD “Intimidade” são intercaladas por depoimentos ou comentários do próprio cantor, de músicos que o acompanham nos shows e também por amigos. Eles contam histórias da vida de Oswaldo e de como surgiram determinadas músicas. Entre os amigos, está Léo. Porém, ele sempre aparece sozinho, inclusive durante o making of. Bia, nunca está ao lado dele. Ela simplesmente não aparece em momento algum. Léo, conta que Oswaldo Montenegro fez a música Léo e Bia como presente de casamento pra ele. Portanto, vem daí minha pergunta: onde andará Bia?

Fiquei pensando em tudo o que poderia ter acontecido com a “famosa” companheira de Léo. A julgar pela letra da música, a história de amor entre os dois é linda. Teria um amor que superou até as dificuldades impostas pela geografia (“como se não fosse tão longe, Brasília de Belém do Pará...”) acabado? Pode ser que sim. Mas se foi esse desfecho que teve o casal – que antes mesmo de eu saber que era real já me emocionava toda vez que eu ouvia a música –, prefiro não saber.

Que outros destinos Bia poderá ter tido? Ainda está com Léo, mas por ser muito tímida preferiu não aparecer nas gravações do DVD? No dia do casamento, depois de ouvir o presente que havia ganhado, fez uma rápida análise de seu relacionamento e descobriu que não amava tanto assim, e por isso desistiu de viver ao lado de Léo? Ou será – tomara que não – que Bia já não está mais fisicamente entre nós?

Cheguei a pensar na possibilidade de enviar um e-mail para o “criador” de Léo e Bia, pra que ele, talvez, pudesse saciar minha curiosidade. Mas desisti. Acho melhor ficar na dúvida, pois o que quer que tenha acontecido com Bia, será muito real, muito humano. E pra mim, essa realidade, essa humanidade, não cabe na linda e poética história de amor cantada tão docemente por Oswaldo Montenegro. Quero acreditar que Bia foi fazer uma breve viagem num submarino no lago Paranoá, e daqui a pouco estará de volta, pra continuar vivendo ao lado de seu grande amor.

terça-feira, 22 de abril de 2008

"como são adoráveis as pessoas que a gente não conhece muito bem..." (Millôr)

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Sinopse Sinopse Sinopse Sinopse

Estorvo
(Livro de Chico Buarque - Companhia das Letras, 160 pág.)

A campainha insiste, o olho mágico altera o rosto atrás da porta e o narrador inicia uma trajetória obsessiva, onde se depara com situações e personagens estranhamente familiares.

Narrado em primeira pessoa, Estorvo se mantém constantemente no limite entre o sonho e a vigília, projeções de um desespero subjetivo e crônica do cotidiano. E o olho mágico que filtra o rosto do visitante misterioso talvez seja a melhor matáfora da visão deformada com que o narrador, e o leitor com ele, seguirá sua odisséia.

Boa leitura!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Voodoo child (ou Cachorro quente vodu)
(por elano ribeiro)

Estou atrás de um dos gols da quadra de futsal. Apenas uma grade e alguns poucos metros me separam da baliza. Posso sentir o cheiro do suor que sai dos poros da pele do goleiro. Quase posso ouvir os batimentos cardíacos do goleiro: acelerados, descompassados, arrítmicos, frenéticos. A rivalidade entre o time da casa e o visitante (dois municípios vizinhos) sempre foi conhecida na região, mas nunca esteve tão acirrada. Os “caras de lá” levaram dois dos melhores jogadores dos “caras de cá” pra essa temporada. Bola no centro, árbitros apostos, jogadores eufóricos, torcida tensa: vai começar o jogo. Vai começar a maior manifestação de amor e ódio do brasileiro (e pela quantidade de mulheres em volta da quadra, das brasileiras também).

Amor: o time vai bem, é líder do campeonato, todos os jogadores são craques (para alguns eles são quase semi-deuses), que normalmente nunca erram (apenas dão azar, às vezes), o treinador é o professor (use ele prancheta ou não, saiba ele falar bem ou não, saiba ele escrever corretamente ou não).

Ódio: o time vai mal, vai ser rebaixado, os jogadores são pernas-de-pau (alguns deles deveriam ir para o inferno), que normalmente nunca acertam um lance sequer (e quando acertam é porque deram sorte), o treinador é um burro e filho de uma mãe que nunca está presente para questionar os diversos “adjetivos” que lhes é atribuída.

Na quadra começa a partida, rola a pelota. O time da casa – considerado inferior depois da perda dos dois atletas para o time adversário – sai na frente: 1 x 0; o time visitante se mostra nervoso: 2 x 0; recuo um pouco da posição em que estava (cotovelos apoiados no muro que circunda a quadra) para dar lugar a uma menininha de seis anos de idade, que a todo momento me faz perguntas: tio, aquele ali de cabelo esquisito é do nosso time?; tio, por que é que tem um moço vestido todo de preto? (tenho vontade de lhe responder que ele está de luto pela própria morte, que irá acontecer caso ele não apite corretamente); tio, o que acontece se ninguém fizer gol?

A todo o instante a menininha de seis anos de idade sai do lugar que eu lhe cedi, diz que tem muita vontade de fazer xixi. Sempre fico na expectativa de que ela não vá voltar, e dessa forma, eu possa ocupar novamente o lugar que por direito é meu. Mas ela sempre volta. Dessa última vez, ainda voltou com um cachorro-quente nas mãos, praticamente sem molho algum, só mesmo uma salsicha dentro de um pão. Enquanto eu começo a me preocupar se a menininha de seis anos de idade não vai vomitar todo aquele sanduíche nos meus pés, o time da casa faz 3 x 0: delírio total da torcida. Acho que vamos golear. Mas na mesma proporção em que o sanduíche (cachorro-quente ou pão com salsicha, já não sei mais precisar o que é aquilo que a menininha de seis anos de idade come) vai acabando, também vai diminuindo o ímpeto do time da casa.

Começo a suspeitar que o potencial do time dos “caras de cá” têm a ver com aquela mistura de farinha, água, sal, ovos e mais a porra da salsicha (que de sólida, vai aos poucos se transformando numa coisa pastosa, de tanto que a menininha de seis anos de idade a comprime dentro daquele pão “suspeito”). Mais uma mordida: 3 x 1; outra mordida: 3 x 2. Sinto-me responsável, preciso deter a fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes: “por favor, a garotinha poderia terminar de comer seu sanduíche depois que o jogo acabar?”. “Não posso esperar tio, está muito gostoso e eu estou com muita fome”. O time dos “caras de lá” cometem a sexta falta: tiro livre pra gente. Vamos ampliar o placar e sair do sufoco. Não. O jogador (o melhor que temos, o craque, nossa promessa de gols) perde o gol. A bola vai justo na direção do goleiro. Percebi que no momento do chute aquele projeto de sanduíche levara mais uma mordida. Resta-me pedir ajuda aos céus. Deus parece ouvir minhas súplicas: encerra-se o 1º tempo.

Curiosamente, a menininha de seis anos de idade interrompe a sua degustação juntamente com o apito do arbitro, que finalizou a primeira etapa. Ela simplesmente parou de comer o maldito sanduíche-cachorro-quente-pão com-salsicha. Envolveu o que restava daquela massa já disforme num saco plástico. Certo da influência maligna que aquela coisa vem exercendo sobre o time dos “caras de cá”, pergunto aliviado: “ah, então você resolveu acabar de comer essa coisa em casa?” “Não, tio. Estou guardando a outra metade pra quando o jogo começar de novo. Tio, porque que o jogo parou?”. Achei melhor não responder, afinal deve haver algum parente da menininha de seis anos de idade por perto e, certamente, ele ou ela não vai gostar de ouvir minha resposta. Mas, sinceramente, já começo a achar que o jogo nem devia ter começado. Mas começou. E acaba de recomeçar.

Junto do apito estridente do “homem de preto”, ordenando que a bola volte a rolar sobre o piso de cimento, vem o barulho quase que insuportável do plástico se abrindo. De dentro dele, do saco plástico agora todo aberto, vem o cheiro enjoativo da dupla mais suspeita e perigosa da noite: o pão e a salsicha.
No mesmo instante, a fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes volta a abocanhar o que já foi um inocente sanduíche. Numa tentativa de demonstrar que não existe qualquer cumplicidade entre ela e a tal dupla infernal, a menininha de seis anos de idade grita o nome do time da casa, mas as palavras que saem da sua boca vêm acompanhadas de um farelo de cor indescritível, resultado do encontro da farinha, água, sal, ovos e mais a porra da salsicha com a sua saliva. A mal educada grita com a boca cheia, e junto dos farelos que irrompem da sua boca como lavas sedo jorradas de um vulcão no exato instante em que ele entra em erupção, vem mais um gol do time visitante: 3 x 3. “Porra, eles vão virar o jogo se essa criatura, que deveria ser um anjo – mas está longe disso –, não parar de comer essa porra nojenta.” – penso eu em voz quase baixa.

Estou definitivamente certo de que o sanduíche é uma espécie de vodu. A cada mordida que ele leva, os jogadores do time de cá perdem suas forças, e a fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes é a mestra involuntária dessa magia. O jogo prossegue num ritmo alucinante: o time visitante ataca sem parar, enquanto que o time dos “caras de cá” só faz se defender. Sinto que a coisa não vai acabar bem. Estou quase arrancando das mãos da menininha de seis anos de idade o que resta daquela mistura explosiva. Não. Se eu fizer isso vou ser linchado aqui mesmo. Um cara do meu tamanho e da minha idade atacando uma criança indefesa – todos vão achar que eu sou um louco faminto tentando roubar aquele resquício de sanduíche. Resolvo ficar na minha, junto com minhas orações, que hão de ser mais fortes que qualquer magia.

Faltam vinte segundos pra acabar a partida. Do jeito que a coisa vai o empate será um ótimo resultado pra gente. Nas mãos da menininha de seis anos de idade ainda resta uma pequena migalha daquilo que já foi alguma coisa. Ela se prepara pra abocanhar o último pedaço. O time dos “caras de lá” ataca velozmente pela esquerda. A menina abre ainda mais sua boca pra receber o último pedaço. O time dos “caras de lá” tem direito a um lateral, bem próximo do gol do time dos “caras de cá”. Faltam quinze segundos. O lateral é cobrado. Treze segundos. O último pedaço começa a adentrar na boca da fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes. Um jogador do time dos “caras de lá” passa pelo goleiro do time dos “caras de cá” e lhe dá uma cuspidela na cara. Dez segundos. O goleiro sai do gol com a bola em jogo pra reclamar com a arbitragem da agressão sofrida. Cinco segundos. A menininha de seis anos de idade aplica o golpe mortal naquilo que já foi alguma coisa. Ela morde. A bola é cruzada na área. O goleiro não está lá. A bola bate na perna do pivô do time dos “caras de cá” e entra lentamente pro fundo das redes: 4 x 3. O jogo acaba. O sanduíche acaba. Fomos derrotados. A menininha de seis anos de idade embola o saco plástico que revestia o sanduíche (ou aquilo que já foi alguma coisa) e joga pro alto. A embalagem plástica cai igual a um pára-quedas sobre minha cabeça. A fúria-comilona-devoradora-de-cachorros-quentes some em meio à multidão que, desolada e frustrada, retorna aos seus lares (alguns não menos frustrantes e desoladores). O que eles e mais os jogadores do time dos “caras de cá” (que agora estão todos reunidos sentados no centro da quadra tomando um esporro do treinador) não sabem, mas eu tenho certeza, é que o jogo foi perdido por causa da dupla mais suspeita e infernal da noite: um pão e uma salsicha. Ambos “comandados” (ou seriam, treinados?) por uma menininha de seis anos de idade.