quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

"... já é carnaval"
(por Elano Ribeiro, publicado também na revista eletrônica "Crônicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com - e no jornal "O Jornal de Goiás"- www.ojornaldegoias.com)

Ontem, acordei no meio da madrugada. O relógio, através da monotonia dos seus ponteiros, me informava que eu deveria estar dormindo, afinal ainda eram três horas da madrugada. Mas dormir parecia algo impossível, devido ao calor infernal que fazia. O lençol da cama todo embolado e minha garganta ressecada, tornavam as coisas ainda mais difíceis para o sono. E olha que insônia nunca foi meu forte (ou meu fraco). Fui à cozinha. O contato da água gelada com a garganta ressequida fez com que eu tivesse a sensação de estar engolindo um punhado de areia. De volta ao quarto, resolvi debruçar-me na janela por alguns minutos, na esperança de receber um pouco de vento no rosto. Pobre ilusão a minha: o ar estava completamente parado, fazendo com que as árvores e suas folhagens parecessem esculturas de gesso ou pedra.

Já estava voltando para a cama, decidido a enfrentar o ventilador e sofrer no dia seguinte as conseqüências da alergia que tal aparelho me causa, quando um som, vindo não sei de onde, me chamou atenção. Apurei os ouvidos, que já não andam 100%, e percebi se tratar de um Tamborim e de uma Cuíca. Supus, pelo ritmo lento que os solitários e anônimos percussionistas tocavam os seus instrumentos, se tratar de um lamento. Os pobres homens, provavelmente, estavam chorando as dores de um amor perdido:

“Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala, mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua...”

Eis que, de repente, surge em auxílio aos sussurros agudos do Tamborim e da chorosa Cuíca, um som mais grave, que logo me pareceu ser um grande Surdo de Marcação. As batidas secas, fortes e constantes daquele grande instrumento, pareciam querer dizer aos colegas moribundos: “vamos lá rapaziada! Hoje não há lugar para a tristeza”. Como se encorajados pelo novo companheiro que acabara de chegar, os acordes da dor e da desilusão começaram a dar lugar a uma providencial marcha de esperança:

“Hoje eu não quero sofrer
hoje eu não quero chorar
deixei a tristeza lá fora
mandei a saudade esperar(a a á ár)
hoje eu não quero sofrer
quem quiser,que sofra em meu lugar...”

E, para que realmente o sofrimento não tivesse vez, faltava ainda um elemento essencial: a alegria. Ela chegou através de um sonoro Repique, acompanhado de uma estridente gargalhada, e de um razoável coral de vozes. O repicar frenético, nervoso, quase epilético do pequeno instrumento, fez a tristeza – que até então insistia em não desaparecer por completo do coração daqueles homens (ou seriam mulheres?) – enfiar a sua Viola no saco e procurar outra freguesia, porque ali, a partir daquele instante, iria se formar um bloco carnavalesco disposto a encher a cidade de festa (e obviamente, de alegria):

“Vem jardineira
Vem meu amor
Não fique triste Que este mundo é todo teu
Tu és muito mais bonita Que a camélia que morreu..."

Pronto. Eu, feliz pelo rumo que tomou a história – contada a mim através do som de instrumentos e de algumas vozes distantes – poderia enfim voltar tranquilo para a minha busca ao sono perdido. Porém, antes que eu deixasse a janela – que aquela altura já me parecia uma grande tela de cinema – ainda pude observar uma bela moça (uma Colombina) abraçada a dois rapazes (um Pierrô e um Arlequim) que passavam arrastando suas sandálias e jogando para o alto seus confetes e serpentinas, embalados pelo som que, assim como eu, eles não tinham certeza de onde vinha.

E, o sono veio. E junto dele um sonho: a Colombina, na sua euforia festiva, me lançava um olhar instigante, como se dissesse: “Ei, você. Desce dessa janela e vêm pra cá. Afinal, já é carnaval”.


sábado, 26 de janeiro de 2008


"Aqui é dor, aqui é amor, aqui é amor e
dor:
onde um homem projeta seu perfil e pergunta
atônito:
em que direção se vai?"

(Adélia Prado: O Coração Disparado)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

BBB 8 e Criança Esperança – Como a Globo gera miséria e repassa a conta aos brasileiros
Com a liderança da Rede Globo, não há Criança Esperança que dê jeito.


(artigo escrito por Miriam Moraes, publicado no jornal "O Jornal de Goiás")


“Eu não conheço nenhum outro país do mundo que estimule tanto o sexo pela televisão como aqui.” (José Serra, governador de São Paulo e ex-candidato à Presidência da República)
O brasileiro não tem como saber, mas não há nada de natural no excesso de exploração do conteúdo sexual que ocorre na TV brasileira.O Brasil é visto no exteriorcomo “paraíso sexual”, a gravidez na adolescência atinge números alarmantes, todos os dias nasce um batalhão de crianças que jamais conhecerãoo pai, enquanto a maior potência da comunicação no Brasil investe numa programação que empobrece os brasileiros e aposta no “Criança Esperança” para manter a imagem de empresa com compromisso social.
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São duas horas da tarde e o Vídeo Show apresenta uma discussão sobre a possibilidade de haver distinção entre o sêmen de um peão e o sêmen das diversas categorias masculinas. Logo em seguida, a novela exibida em Vale a Pena Ver de Novo mostra um casal de adolescentes desesperados à procura de um lugar mais reservado para manter relações sexuais. Segundo o garoto, as outras vezes aconteciam no carro ou no mato. Na novela das seis, Florinda, personagem de Grazielli Massafera, conta que sua “caçarola fica fervendo” quando está com o namorado. Na trama das sete, as cenas de sexo são lugar comum. Na novela das 8, que começa às 9, o linguajar chulo, pobremente recheado de intenções medíocres, é intercalado com cenas de sexo implícito. No sábado, Luciano Huck apresenta suas dançarinas despidas em coreografias de gosto e qualidade duvidosas, o que se repete no Domingão do Faustão, aos domingos, dia em que o programa “Fantástico” relata o trabalhoso processo de pintar o corpo nu de uma mulata estonteante ou entrevista garotos que contam quantas pessoas beijou naquela noite, na mesma festa. Pouco depois das 10 horas, o programa Big Brother fecha a noite com uma mulher de costas, quase nua, sendo beijada por um rapaz que lhe apalpa as nádegas sob a micro-saia, e um desfile de mulheres com espuma de barbear sobre os seios deixam os homens da casa embasbacados.Num pobre vilarejo do norte, a menina de 14 anos assiste e tenta desvendar o modo de agir e se comportar dos “modelos humanos” criados pela TV. As mulheres são lindas! Quando saírem dali serão famosas e assediadas, a representação em carne e osso do sucesso. São moças que trocaram o primeiro beijo 24 horas depois de conhecer o rapaz, que revela seu desejo de realizar um “test drive” no paquera, uma expressão que escapa ao entendimento da menina, mas a intenção das palavras, revelada pelo contexto, é claramente captada.A menina se imagina no lugar daquelas mulheres. Os jovens brasileiros sonham com o sucesso e a fama, vêem como se comportam os famosos e mapeiam o comportamento que define a chegada ao pódio.Quando se aproxima de um garoto por quem se interessa, buscará as receitas de sucesso que lhe foram apresentadas. Logo, porém, essa menina descobre que pessoas do mundo real engravidam, que os garotos não querem assumir a responsabilidade da paternidade e que a pobreza dividida com filhos transmuta-se em miséria.Aos 18 anos poderá ter três crianças, cada uma de pai diferente, todos vivendo em condições sub-humanas.Surge, então, o programa “Criança Esperança” que consiste numa campanha realizada anualmente pela Rede Globo. Nos intervalos das programações que banalizam o sexo, atores populares aparecem na tela solicitando contribuições financeiras para remediar a miséria das crianças que nasceram das receitas de comportamento produzidas pela própria Globo. Operam a comunicação como um produto comercial; contabilizam para si os lucros e constroem uma imagem de preocupação com “o social” através das doações financeiras dos brasileiros.O conjunto de valores se materializa na realidade de vida de um povo e a comunicação é um elemento primordial na formação dos valores sociais. No entanto, há uma corrente vigente que rotula de retrógrado e arcaico qualquer pensamentoque se contraponha à idéia de que o ideal para o ser humano seja o conceito de progresso e modernidade associado à liberalidade e permissividade. Diante do preconceito, do receio de ser tomado por um tolo conservador, a maioria se cala e se omite, facilitando a ação dos que apregoam uma sociedade sem limites.

A sensualidade “natural”

O atual governador de São Paulo e ex-candidato a Presidente do Brasil declarouem uma entrevista: “Eu não conheço nenhum outro país do mundo que estimule tanto o sexo pela televisão como aqui.”O Brasileiro, sem a referencia de outros países, acostumou-se ao padrão veiculado e considera normal o volume de conteúdos com conotação sexual exibido na programação televisiva. No entanto, quem tem a oportunidade de viajar para outros países chega a se espantar com a diferença, não apenas da programação como dos costumes e comportamento do povo, especialmente do europeu. Foi de lá que Sílvio Santos importou o formato do Show do Milhão, programa de perguntas e respostas que oferece prêmios aos vencedores. A diferença está no nível das perguntas. Versam sobre história mundial, geografia e informações culturais de alto nível, nada a ver com os questionamentos primários da versão brasileira. Evidentemente, há também programas com o formato BBB e deve haver os de conteúdo menos apropriado, mas é preciso procurá-los para que sejam encontrados, pois não há mulheres nuas ou referências sexuais na programação normal.Um bom exemplo é o depoimento de Cristina Amaro Neves, que deixou o Brasil aos 11 anos, foi criada na Suécia, viajou pelo mundo todo e retornou ao Brasil para uma visita em novembro do ano passado. Agora, aos 29 anos de idade, Cristina se revela surpresa com o comportamentodos brasileiros:“Uma das coisas que mais me chocou no Brasil é a naturalidade com a qual se encara a promiscuidade sexual. Na minha cidade, a gente sai com um homem três meses antes que ele tenha a coragem de te dar um beijo. No Brasil bastam três minutos de conversa. Em todas as grandes cidades do mundo, esse é um comportamento isolado, de alguns grupos que são mal vistos pela grande massa, mas aqui é generalizado, socialmente aceito. Achei deprimente, tive a sensação de entrar numa tribo indígena.”De fato, caminhando pelas ruas de Portugal, Espanha, França e outros países europeus, mesmo no auge do verão onde as temperaturas reproduzem o clima tropical, nota-se uma gigantesca diferença no modo como as pessoas se vestem. Não há o exibicionismo, a exposição do corpo, a barriguinha de fora ou a preocupação acentuada com o vestuário, como acontece no Brasil.Recentemente, o Globo Repórter, da própria Rede Globo, dedicou seu programa a investigar os motivos que levaram o Brasil a ser visto lá fora como “um paraíso sexual”. Entrevistaram diversos turistas e revelaram a predominância de quem vem atraído pela grande liberdade para a prática da pedofilia e de relacionamentos instantâneos entre os adultos hetero ou homossexuais.- “O que mais eu poderia procurar no Brasil? Cultura?” - pergunta ironicamente um turista americano.

O sexo casual na formação do indivíduo

O corpo humano possui a capacidade de responder aos estímulos sexuais desde o nascimento – um conceito difundido por Freud e por pesquisadores contemporâneos em todo o mundo. A sexualidade, por ser latente, pode ser despertada até mesmo através de simples estímulos visuais, sonoros e da imaginação.Há uma confusão pautada na irreflexão e falta de preparo de quem define a linha de programação nas emissoras que banalizam as questões sexuais. Tais pessoas desconhecem que, mesmo que um adolescente, aos 14 anos de idade, saiba como colocar uma camisinha em uma banana, a formação psicológica não se encontra suficientemente amadurecida para estabelecer relações entre ações e conseqüências, implicando na ausência da responsabilidade necessária para a prevenção adequada.O ingresso no exercício da sexualidade envolve questões como auto-respeito, afetividade e auto-estima. Dependendo de como o relacionamento acontece e se desdobra,pode resultar num comportamento promíscuo onde se tenta, a todo custo, reverter a rejeição e inadequação resultantes das primeiras experiências, ou conduzir o adolescente a uma interminável crise de apatia e descrédito que se amplia para todos os setores da vida que deveria estar em construção, cujos valores como aceitação e rejeição, valoração ou descrédito, implicam na condição emocional para se situar e perseguir objetivos e sonhos.Uma ampla análise da influência da Globo sobre o comportamento dos brasileiros foi realizado pela BBC de Londres, através do documentário “Muito além do cidadão Kane”, disponível na Internet. Nele, os repórteres entrevistam moradores de casebres miseráveis onde adultos e crianças evidenciam o fascínio que as novelas, em primeiro lugar, exercem sobre crianças e adultos, na mesma proporção. O BBB foi criado para ser um programa de família, utilizando desenhos animados divertidos que atrai o público infantil. Teoricamente, ali estão reunidas pessoas do povo, é um programa que tem como objetivo a análise comportamental, mas todos os “modelos oferecidos” são basicamente iguais. A dinâmica da tensão criada nas eliminatórias e as intrigas dos bastidores são cuidadosamente planejadas para manter toda a família diante da Tv.A realidade do Brasil é apontada pela educadora Regina de Assis da seguinteforma: “Se você visitar favelas e periferias das cidades, se for para o campo, para a zona rural, poderá não encontrar uma geladeira, uma cama para cada pessoa, um fogão, mas ao entrar nas casas, nos barracos, uma televisão jamais faltará.” Portanto, a televisão é o único meio de comunicação que atinge as massas e é apontado como aquele que conta com maior credibilidade. Graças à força que possui as imagens transmitidas, o expectador não tem como saber o que foi omitido da informação, não consegue capturar racionalmente o efeito que uma trilha sonora agrega ao material. “Dependendo da trilha sonora colocada sobre as imagens de um grupo de jovens embriagados, levando garrafas à boca com movimentos confusos e mulheres sendo apalpadas por mãos diversas, poderíamos receber a cena como um retrato deprimente da degradação humana. Mas quando a Globo escolhe um grande sucesso dos Rolling Stones, uma música envolvente, divertida, cosmopolita, a imagem ganha ares de uma grande diversão de pessoas modernas e antenadas. É esse o tipo de comunicação realizada pela equipe do Big Brother.”No programa, há diversos recursos preparados para se obter determinados efeitos: a piscina, onde os participantes passam a maior parte do dia e são realizadas diversas tomadas, inclusive das festas, obtém uma exposição de mulheres de biquíni e homens com peitorais à mostra, motivo pelo qual a seleção não é aleatória, mas definida pela estética dos candidatos. As mulheres do BBB 8 são naturalmente liberais, em sua grande maioria, já posarampara sessões de fotos em revistas eróticas, propiciando espontaneamente, as cenas desejadas para atrair a audiência.O Brasil sempre foi um país pobre, mas a televisão chegou num momento em que não havia opções de lazer, tornando-se um grande fenômeno de popularidade.A TV Globo definiu sua linha de ação ainda muito cedo. O programa do Chacrinha, que animava as tardes de domingo, trazia mulheres em trajes sumários, algo muito novo para a época, que rebolavam em coreografias ultra sensuais, algo que a maioria da população do interior, norte e nordeste do Brasil, nem suspeitava existir. Para um povo pouco afeito à leitura, as tramas eram um atrativo irresistível, e o padrão do que era bonito e atraente foi acrescentado ao pacote como um brinde especial.A TV produz modelos a todo instante.Na década de 70, o executivo mais bem pago de toda a América Latina era Walter Clark, diretor geral da Rede Globo.O Brasil tem 70% de sua população adulta situada entre os semi-analfabetos ou analfabetos absolutos. Como um pai ou mãe, situados neste limite intelectual, poderia concorrer ideologicamente com um profissional tão bem preparado, com recursos de ponta em defesa de sua tese? Esperar que a opinião dos pais pudesse produzir um efeito maior que todo um contexto propagado por um veículo de massa, é desconsiderar a subjetividade do adolescente, que comprovadamente é mais aberto ao que vem de fora, no período áureo de contestação, do que ao ponto de vista dos pais, que considera ultrapassado.“A TV é a mídia mais superficial de todas. Ela irá mudar quando tivermos um espectador mais crítico e exigente e quando a baixaria deixar de ser tolerada por quem faz TV. O espectador tem um poder ainda não totalmente exercido: o de mudar de canal.” Esta declaração do apresentador Serginho Groisman, contratado da Rede Globo, reproduz o discurso daqueles que pretendem inocentar a emissora. Não é verdade que a TV seja superficial, ao contrário.A utilização de luzes, sons e cores, resulta num efeito que agrega sentido e profundidade a qualquer discurso, penetrando diretamente no inconsciente humano. Atribuir tamanho peso ao ato de desligar o botão da Tv soa, portanto, no mínimo ingênuo. Melhor para a Globo que alguns desliguem o seu aparelho, pois 89% por cento da população destituída de senso crítico aprimorado (de acordo com o Pnad, apenas 11% dos brasileiros possuem a capacidade de compreensão integral de um texto mais elaborado) continua sendo uma excelente audiência. Mesmo que o pai desligue, os filhos religarão a Tv na primeira oportunidade.Numa entrevista, ao ser indagado sobre a interferência do público na qualidade da informação, o diretor de cinema e Tv, Pedro Paulo, usou de uma franqueza jamais vista entre os profissionais do meio: “O público é passivo, ele aceita o que tem na tela. A qualidade da informação depende de quem produz e apresenta os programas e não de quem os assiste. As grandes emissoras, por exemplo, só medem o comportamento do público por meio de pesquisas do IBOPE, que abrange um universo muito pequeno de telespectadores.É por isso que digo que o público não interfere tanto, quem está atrás das câmeras, sim.”Já o produtor e cineasta Barry Levinson é ainda mais enfático: “Não existe hoje nenhuma outra força que influencie tão poderosamente o comportamento quanto a televisão”, deixando clara a inviabilidade de fixar como solução a mera contraposição por parte da família ou escola.Transferir a responsabilidade à população equivale a dizer que o brasileiro consciente teria que mudar um país inteiro, apenas para manter a Globo em sua confortável posição de “intocável”.

Um monstro chamado “Censura”

A palavra Censura soa como peste aos ouvidos brasileiros, não sem razão. Milhares de brasileiros foram torturados e mortos por se rebelarem diante das restrições políticas e ideológicas impostas pelos militares. Por isso, atualmente, qualquer forma de controle da comunicação no Brasil é recebida com dramáticos apelos das emissoras e veículos da imprensa que a qualifica como um sinal de que a liberdade de expressão voltará a ser censurada, acendendo os faróis vermelhos no inconsciente coletivo da população.A questão, porém, gerou um efeito colateral nocivo: ao se colocar na mesma embalagem a censura à liberdade de expressão, às opiniões políticas e ao conteúdo sexual, perde-se a condição de possibilitar um viés pedagógico para a informação, e coloca o país nas mãos dos empresários da comunicação e do poder econômico. É um outro lado da mesma moeda: O governo não pode impedir a veiculação de opiniões políticas ou conteúdo sexual, mas os donos da emissora o fazem sem qualquer constrangimento ou impedimento legal. Um bom exemplo de como a lei fracassa na tentativa de impor limites está na veiculação das vinhetas que exibem a “Globeleza”, símbolo do carnaval da Globo, em todos os horários, quando a lei determina que nenhum conteúdo com apelo erótico pode ser exibido até às 21 horas.Há restrição para a livre escolha em todos os âmbitos, com leis regulamentando o exercício profissional na maioria das atividades: A construção civil tem que contar com um engenheiro responsável; drogarias só funcionam com um farmacêutico credenciado, e o Direito só pode ser exercido por quem comprovou preparo junto à OAB. Seguindo tal lógica e na ausência absoluta do bom senso dos profissionais que definem a programação, cada novela ou programa exibido deveria ter um pedagogo, um sociólogo e um psicólogo que assinaria e se responsabilizaria pelo conteúdo veiculado, reconhecendo a produção como um integrante da formação do pensamento, comportamento e do caráter humano.Existe, sim, censura no Brasil, mas trata-se da censura ao bom senso, ao produto de qualidade, à opinião daqueles que gostariam que os meios de comunicação respeitassem as etapas do desenvolvimento emocional das crianças e jovens, e ao desejo de que os amplos recursos da TV fossem utilizados para desenvolver a cultura e o potencial dos indivíduos. A TV Globo não se constrange em declarar que o subdesenvolvimento do Brasil é resultante da falta de investimentos na educação. Porém, a educação não é o resultado único das escolas ou ambiente acadêmicos; é também uma produção social. O simples hábito de cultivar o pensamento e a reflexão pode ser definitivo na construção da capacidade de atuar sobre o mundo, compreender e transformar a realidade, inclusive capacitando para o exercício profissional, já que nem todas as profissões estão vinculadas a habilidades de nível superior. A TV poderia funcionar como o grande divisor de águas da história do Brasil, caso direcionasse seus melhores profissionais para produzir programas que ampliasse os conhecimentos gerais, políticos, culturais e de formação de valores. No entanto, criar os “Amigos da Escola” que atuam em encontros esporádicos junto às crianças, enquanto promove um bombardeio ininterrupto no sentido contrário, só pode ser conceituado como atitude hipócrita.

A trajetória de sucesso da Rede Globo

A Rede Globo tem hoje 18 mil trabalhadores em seus quadros e é líder de audiência há quase desde sua fundação, em 1965. O marco desta liderança se deu a partir de um acontecimento trágico: a inundação da cidade do Rio de Janeiro, que foi transmitida em tempo real pela emissora.Durante a ditadura, que fechou a TV Excelsior por se contrapor ao Regime Militar, a Globo se aliou aos poderosos do momento e consolidou-se como grande potência, justamente durante os 20 anos de repressão.Sua ligação com os grandes nomes da política nacional é conhecida e há provas e depoimentos de manipulação de informações para privilegiar determinados grupos. Dificilmente a população pode se dar conta de que seu pensamento é conduzido por uma seleção de informações, mas o relato de jornalistas demitidos na última eleição para presidente, onde a emissora se pautou por uma linha de defesa do candidato Geraldo Alckmin, repete o relato de denúncias de manipulação há décadas, que podem ser conhecidas através do documentário da BBC.A Rede Globo não é a única emissora a veicular conteúdos impróprios, indesejáveis ou inadequados, mas sua liderança histórica faz dela a maior responsável, considerando que criou e explorou o estilo copiado por grande parte dos concorrentes.Chico Buarque declarou em entrevista que o poder da Globo é tão grande que o assusta. Então, cabe a ela decidir os propósitos que nortearão o exercício desse poder, e à população compreender a diferença entre a censura política e a função dos meios de comunicação. Se não há permissão para a exibição de um filme pornô às três da tarde, já está configurada a censura, e não deve haver temor em debater seus limites. O Brasil conquistou a tecnologia para se comunicar. Resta, agora, entender a dimensão do que é dito.
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quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Um longo mês de janeiro
(crônica publicada na revista eletrônica "Cronicas Cariocas"- www.cronicascariocas.com)

No último domingo do ano passado, a Revista O Globo (parte integrante do jornal O Globo) trouxe na sua edição de número 178, doze textos escritos por doze autores diferentes. Cada texto representa um dos meses do ano, que na ocasião estava por chegar. Dentre os doze trabalhos, dois se destacam: o dedicado ao mês de fevereiro é o interessante e divertido conto do escritor Antonio Prata. Nele, Antonio narra a história da volta de Jesus à Terra – mas precisamente no Brasil, no Rio de Janeiro – e os perrengues que o Santo Senhor enfrenta no ano de 2008. Só para se ter uma idéia da nova Via Crucis Divina, em determinado momento Jesus é confundido por um trio peruano, como sendo ele um traficante de drogas que vinha fornecendo maconha para a rapaziada na General Osório, e desta forma estaria fazendo concorrência com os três homens que dominavam a venda no local. Resultado: Jesus leva uma surra em plena praça de Ipanema.

No outro texto, não menos interessante, dedicado ao mês em que estamos, Marcelo Rubens Paiva diz que “janeiro é alegre como um comercial de cerveja”. O autor do celebre livro “Feliz ano velho” ainda faz várias outras comparações com o primeiro mês do ano, como por exemplo: “As mulheres parecem sorrir em janeiro”; “Janeiro tem gosto de água-de-coco”. Ou ainda: “janeiro é como uma piscina sem ondas, um livro ainda fechado, um presente ainda embrulhado”.

Marcelo Rubens Paiva acertou em todas as suas comparações. Mas acho que ele poderia ter incluído mais uma: “janeiro parece o início de um romance”. Afinal, é quente e apimentado, fazendo com que cada dia (cada encontro) seja excitante e renovador. Ou seja, janeiro é sinônimo de amor. E, se não bastasse tantos adjetivos, esse ano ele (o mês em questão) ainda terá um reforço extra e todo especial: o carnaval. A festa de Momo começa no dia 1º de fevereiro – eu particularmente, não me recordo de outro ano em que isso tenha ocorrido. Portanto, teremos a nítida sensação de que esse mês será um pouco mais longo. Sentiremos por alguns dias a mais, o doce gosto do mês de janeiro.

Na ficção do escritor Antonio Prata, o fim do mundo estava marcado para a quarta-feira de cinzas desse ano, mas acabou um pouco mais cedo, ainda no carnaval, com Jesus desfilando num bloco e tendo em suas mãos uma lata de Skol. Na vida real, o fim do mundo chegará – para muitos – mesmo na quarta de cinzas. Porém, os anjos do apocalipse virão na forma de nostalgia, de lembranças calorosas e de saudades da sempre presente sensação de ociosidade provocada pelos dias desse janeiro prolongado. Já as trombetas do juízo final soarão na volta da maioria de nós para o trabalho, através do barulho irritante do cartão de ponto e da voz estridente do patrão.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008


"a vida é tão bonita,
basta um beijo
e a delicada engrenagem movimenta-se,
uma necessidade cósmica nos protege."


(Adélia Prado: O pelicano)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O último ônibus
(por Elano Ribeiro)

Já é bem tarde da noite e Nestor caminha em passos largos, quase que correndo, para não perder o horário do último ônibus que sai da rodoviária em direção ao seu bairro, num subúrbio carioca. Tem o olhar fixo para frente na tentativa de encurtar a distância, mas ao mesmo tempo, mantém os ouvidos atentos quanto a possível aproximação de alguém que possa querer lhe assaltar e levar os últimos trocados que tem no bolso junto com seu vale transporte. A não ser por alguns carros que passam em alta velocidade, a rua está praticamente deserta. Nestor pode sentir sua respiração ofegante e o barulho de seus próprios passos. Está exausto depois de mais um dia de intenso e estressante trabalho como ajudante de caminhão, numa transportadora. Senta-se em um dos últimos bancos do ônibus que está quase todo vazio. Sente-se desconfortável, o corpo dói, a garganta está irritada, o banco é duro e forma um ângulo de noventa graus que faz com que a dor do corpo aumente ainda mais. Está completamente suado por causa da caminhada rápida. Sua roupa gruda na própria pele. Nestor não vê a hora de chegar em casa, tomar um bom banho, comer o jantar e ir dormir. O balançar do ônibus faz com que Nestor dê umas rápidas cochiladas durante o trajeto de uma hora, até o ponto final. Levanta-se da poltrona do ônibus com dificuldade, parece estar “emperrado”, seu corpo dói como nunca. Desce os degraus do veículo e por um momento fica parado, olhando aquele lugar onde nasceu, cresceu e que agora mora com sua mulher e os três filhos, um deles nascido há poucos meses. Não chega a ser uma favela plana, mas é um lugar muito pobre. A maioria das casas é de alvenaria, mas quase todas inacabadas, tendo os tijolos à mostra. Nestor cresceu ali, sempre sonhando que um dia levaria os pais para morar num lugar mais decente, numa casa bem grande e bonita. O sonho não se realizou. Nestor, com uma sacudida de cabeça, volta para a realidade e segue para sua pequena casa andando pelas estreitas vielas de terra batida que em dias de chuva ficam quase que intransitáveis. Nestor entra em casa, pensa em dar um beijo na esposa que segura o bebê mais novo no colo, mas logo desiste e resolve apenas fazer um cumprimento formal: _ Boa noite Márcia. A mulher permanece calada, amamentando a criança. Ela apenas aponta para mesa onde se encontra um aviso do corte da energia elétrica se a conta do mês passado não for paga. A partir desse momento tudo que Nestor havia planejado vai por água abaixo. O tão sonhado descanso se transforma numa série de problemas. A mulher começa a chorar perguntando entre soluços: - Como é que vamos fazer para viver sem luz elétrica? Quando poderemos viver longe dessa miséria toda? Você não vai fazer nada para melhorar nossa vida homem de Deus? A criança mais nova também começa a chorar por causa dos trancos que a mãe dá com o corpo enquanto despeja sua raiva, sua frustração e suas queixa em cima do marido. O filho do meio pergunta se não vai mais poder jogar vídeo game – que Nestor ganhou numa rifa, mas disse em casa que foi ele quem comprou - por causa da falta de energia elétrica. A filha, a mais velha dos três irmãos, apenas observa o pai, estático, sem saber o que fazer, mas no fundo, seu olhar também é de cobrança. Dos olhos da menina saem as seguintes perguntas: Porque moramos nessa casa tão pobre? Porque não posso ter as roupas bonitas que aparecem na televisão? Porque o papai Noel nunca dá o que a gente pede? Nestor resolve deixar todos os questionamentos e vai tomar banho. Sai do banheiro direto pra cozinha. A comida já está fria, mas ele não tem forças para ir até o fogão aquecê-la, tão pouco quer correr o risco de pedir esse favor a mulher e ela arrumar mais problemas para sua cabeça cansada. Porém, os problemas já estão lá, todos eles: a despensa vai começando a ficar vazia, é preciso comprar fraudas e leite para o bebê, tem que arranjar cinco reais para que a filha possa ir ao passeio da escola... Por um momento Nestor tem a sensação de que sua cabeça vai estourar. Ele empurra o prato sobre a mesa, praticamente sem mexer na comida. Precisa dormir. Vai pro quarto sem se despedir de ninguém, deita-se no escuro. O corpo está tão dolorido que ele tem dificuldades para pegar no sono apesar de todo cansaço. Sua cabeça confunde-se num turbilhão de pensamentos. Entre eles, uma decisão: - A partir de amanhã farei de tudo para perder o horário do último ônibus de volta para casa.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

2008
(por Elano Ribeiro)

Escrevi dois contos de Natal a pedido do jornal “O Jornal de Goiás”, que foram publicados na ocasião da última festa Natalina. Em um dos contos, a professora de uma comunidade distante e carente, onde a miséria parece que nunca terá fim – um lugar como aqueles que frequentemente aparecem nas reportagens de TVs, jornais, revistas... localizados nas inúmeras regiões pobres de nossa bela Pindorama –, numa tentativa desesperada, apela para algo que ela pensa existir somente no imaginário das crianças, e escreve uma carta para o Papai Noel. O conteúdo da carta era um tanto inusitado: a jovem professora pedia “Educação para as suas crianças”. Ela queria ter todas as condições necessárias para dar uma educação digna às pobres crianças daquele lugar, distante de tudo e esquecido por todos. Segundo a professora do conto, só ganhando um presente assim, tão valioso, é que elas (as crianças) poderiam tentar reverter o quadro social daquela comunidade.

Assim que terminei de escrever o conto, o enviei para uma amiga. Sempre que escrevo algo novo, mostro primeiro para ela, para só depois enviar para a publicação. No dia seguinte recebi a resposta da minha amiga, com seu comentário sobre o texto. Ela aproveitou para me mandar um artigo publicado recentemente no jornal francês Le Fígaro, intitulado “No Natal, crianças do Brasil preferem comida”. O artigo relatava a experiência da chamada Operação Papai Noel, em que os Correios expuseram em suas agências uma parte das dezenas de milhares de cartas enviadas todos os anos por crianças e endereçadas ao "bom velhinho".

Segundo a correspondente do jornal, o projeto desencadeou o entusiasmo da classe média que já se via oferecendo bonecas e automóveis em miniatura às crianças desfavorecidas. Porém, a abertura das cartas revelou uma realidade bem mais triste. A maioria (das crianças) não pede brinquedos ao Papai Noel, mas alimentos. No Estado de Pernambuco, este é o caso de 60% das 11 mil cartas recebidas. As crianças desejam receber bolo, queijo, peru. Geralmente querem apenas uma cesta básica.

Quem já teve a oportunidade de passar pelas estradas de alguns estados do nordeste, sabe que é muito comum ver os moradores (não só crianças) pedindo um pouco de alimento. Eles não pedem dinheiro. O que eles querem é um pouco daquilo que a maioria de nós tem todos os dias: comida.

Portanto, tenham a certeza que muitas dessas cartas que chegam as agências dos correios não foram escritas por crianças, e sim, por adultos famintos. Adultos que só conhecem de nome o “Fome Zero”, o “Bolsa Família” e outros programas assistenciais.

Ao ler a notícia publicada no Le Fígaro, tive vontade de alterar meu conto (mas não o fiz). Afinal, quem vai pedir “educação” de presente, quando não se tem o que comer?

Numa das minhas últimas conversas com colegas de trabalho no ano de 2007, ouvi de uma professora o seguinte comentário: “ainda bem que esse ano tá acabando, pois eu detesto ano ímpar. Ano par trás mais sorte.” Pura superstição. E, creio eu, que superstição seja um “privilégio” daqueles que durante um ano inteiro tenham momentos bons e, também, momentos ruins. Ou como dizem: sorte ou azar. Mas, para pessoas que só conhecem a miséria durante todo o ano – como essas das cartas, que chegam a apelar para um ser que elas sabem só existir no imaginário das crianças – a última coisa que importa são números pares ou ímpares.

Então, que venha 2008. Que esse seja um ano melhor para todos: para os supersticiosos, que de uma forma ou de outra saciam a sua necessidade de se alimentar, e, principalmente, para aqueles que precisam contar com a ajuda de algum Papai Noel de carne e osso para ter um pouco de comida na mesa. Que futuramente, 2008 possa ser lembrado como o ano em que o Brasil começou a se tornar um país mais justo.

Para todos nós, um feliz ano novo.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Para os amigos, leitores e visitantes do "Diário de Bordo & A Poética Crônica dos Contos", uma mensagem de ano novo
O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho.É viver cada momento e construir a felicidade aqui e agora.Claro que a vida prega peças...O bolo não cresce, o pneu fura, chove demais... Mas, pensa só: Tem graça viver sem rir de gargalhar, pelo menos uma vez ao dia?Tem sentido estragar o dia por causa de uma discussão na ida pro trabalho?Eu quero viver bem... e você?2007 foi um ano cheio!!! Foi cheio de coisas boas, mas também de problemas e desilusões.Normal...Às vezes, se espera demais...A grana que não veio, a amiga que decepcionou, o amor que acabou.Normal...2008 não vai ser diferente!!! Muda o século, muda o milênio, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas, e aí? Fazer o quê?Acabar com o seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança? O que eu desejo para todos nós é sabedoria.E que todos nós saibamos transformar tudo em uma boa experiência.O nosso desejo não se realizou?Beleza...Não estava na hora, não deveria ser a melhor coisa para esse momento (me lembro sempre de uma frase que ouvi e adoro): "Cuidado com seus desejos, eles podem se tornar realidade". Chorar de dor, de solidão, de tristeza faz parte do ser humano... Mas, se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam diferentes. Desejo para todo mundo esse olhar especial! 2008 pode ser um ano especial, se nosso olhar for diferente. Pode ser muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro. 2008 pode ser o bicho!!! O máximo, maravilhoso, lindo, especial!Depende de mim... de você.Pode ser... e que seja!!!

FELIZ ANO NOVO!!!