segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Devaneio Primaveril
(por Elano Ribeiro)

Na noite passada aconteceu uma grande festa no meu jardim imaginário. Os organizadores estavam com os nervos à flor da pele, preocupados em averiguar cada detalhe, desejando que aquela noite fosse inesquecível. Vindas de diversas regiões, as Orquídeas, anfitriãs da festa desse ano, usavam vestidos das mais variadas cores e estilos, e aguardavam, ansiosamente, a chegada da convidada mais ilustre. Ao notarem a aproximação de uma carruagem dourada, puxada por cavalos alados, todos brancos como algodão, os Cactos, responsáveis pelos fogos de artifício, coloriram o céu que já estava pintado de estrelas. Enfim, chegava a Primavera, despejando lá do alto, milhares de pétalas de Rosas brancas, amarelas, vermelhas... Trazia consigo um valioso presente, uma chuva suave, da mais pura e cristalina água. Margaridas, Ipês, Trevos e todos os demais convidados reverenciavam a rainha que desembarcava de forma grandiosa, porém humilde, saudando a todos com aceno e olhar maternal. Copos de leite, responsáveis pela escolta da rainha, a acompanharam até o centro do jardim, acomodando-a numa confortável almofada feita de Painas. Formigas, devidamente trajadas, serviam água da chuva em taças de cristal. Todos ergueram um brinde em homenagem a mais uma festa da Primavera. Num enorme palco formado por Cogumelos gigantes, uma orquestra de Morangos silvestres, regida por um impecável Jasmim, tocava orgulhosa a Nona Sinfonia de Bethovem. O baile adentrou a madrugada, com os pares apaixonados dançando sem parar, sendo observados carinhosamente pela grande rainha Primavera. Num canto mais isolado da festa, quatro jovens Lírios do campo, todos de terno e gravata, usando enormes franjas no cabelo, tocavam Sergeant Pepper's Lonely Heart's Club Band, levando algumas Hortênsias e Violetas adolescentes à loucura. Fui acordado de meu devaneio primaveril, pelo forte estrondo de um trovão. Custei pra perceber que havia sido “expulso” daquela festa magnífica. Levantei-me, fui até a janela do quarto e fiquei alguns minutos observando a chuva que caía, sentindo uma enorme paz interior. Não resisti e fui ao encontro dela. Antes, porém, peguei uma taça que não era de cristal, e debaixo da chuva, deixei que ela se enchesse daquela água, que também não era tão pura e cristalina. Fiz um brinde à rainha Primavera, pedindo que seu reinado fosse de muita paz, amor, flores e poesia.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Cena de cinema

(crônica de Elano Ribeiro publicada na revista eletrônica Crônicas Cariocas)



Dias atrás, durante o trabalho, saí da minha sala e fui à copa tomar um café. Lá chegando, observei, sem nada entender a principio, que um grupo de colegas – todas mulheres – estavam em estado de euforia, observando algo que acontecia lá fora. Indaguei o motivo de tal agito, e a resposta veio prontamente: elas observavam uma cena da vida real que poderia bem ser coisa de cinema. A vida imitando a arte. O cenário: uma praça pública, sem muitos figurantes por conta do dia frio e chuvoso. Atores principais: um casal.

Ele havia chegado primeiro, trazendo um buquê de flores vermelhas. Encostou num muro à beira do rio, parecendo não se importar com a neblina, e lá ficou à espera dela (da amada?), que por sua vez, não tardou a chegar. Porém, segundo me disseram os colegas espectadores, ela não chegou com o sorriso típico dos enamorados que se encontram após romperem a barreira da espera e da expectativa pelo momento dos abraços e dos beijos.

A moça recebeu suas rosas e se colocou de pé ao lado do rapaz apaixonado(?). Permaneceu abraçada ao seu buquê, sem demonstrar muito entusiasmo, enquanto que ele soltava palavras que nós nunca saberemos quais foram. Ela parecia apenas emitir sons monossilábicos. E ele, com a paciência que o amor exige, tentou uma maior aproximação, um encontro das suas mãos com as das dela. Tudo em vão, visto que ela parecia irredutível, ou seja, as mãos dela continuaram sendo exclusividade das belas rosas vermelhas, que recebiam a brisa gelada dos últimos dias do outono.

Pode-se dizer que o filme não terminou com um final feliz. Pelo menos para ele, que ficou lá, sozinho, secando as lágrimas que escorriam pela sua face, enquanto via a decidida moça ir embora, levando consigo o belo buquê que havia acabado de receber. Talvez quisesse ela guardar aquelas pétalas vermelhas, mesmo depois de murchas, como lembrança do amor e da paixão que um dia existiu entre ela e o agora solitário rapaz.

Quanto aos espectadores, numa tentativa de “dar uma força” ao solitário rapaz apaixonado, soltaram gritos de “parabéns”, “muito bem”, “não desiste”, “viva o amor”... E mesmo sem entender exatamente o que aconteceu, sem saber se o rapaz era o “mocinho” ou o “vilão” da história, antes que ele se fosse (antes que as luzes se ascendessem, indicando o fim do filme), o público aplaudiu a cena, de pé.
Se a história de amor do casal terá uma continuação e, se terá um final feliz, isso só o futuro irá dizer.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Uma grata surpresa
(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista eletrônica Crônicas Cariocas)

Caros leitores. Após algumas semanas longe das páginas desta revista, cá estou eu novamente. Minha ausência se deu por um motivo nobre: a produção do curta-metragem “Cachorro-Quente Vodu”, baseado no conto homônimo, de minha própria autoria, e que foi selecionado para participar do projeto Revelando os Brasis – Ano III. E o que eu vou escrever aqui, é exatamente sobre um dos momentos dessa experiência. Esse texto é um agradecimento a todos aqueles que junto comigo estão construindo o “Cachorro-Quente Vodu”.
Desde o momento em que comecei a pensar nas gravações do curta, havia algo que muito me preocupava: o número de figurantes que iriam comparecer no local das filmagens, ou seja, num ginásio de futebol de salão. Precisaríamos de um grande número deles para compor a arquibancada e fazerem o papel de torcedores. Começamos a nossa “caça aos figurantes” pelas escolas, convidando alunos e quem mais estivesse interessado em participar. Depois partimos para grupos de teatro, familiares etc. Detalhe importante: todos teriam que ficar à nossa disposição durante um sábado e domingo inteiros, hora empolgados, hora tristes, afinal seriam eles os torcedores de um time que começa o jogo a todo vapor e, depois vai perdendo todo o ímpeto do começo da partida. E teriam de fazer isso sem ganhar um tostão.

E para dar mais crédito a minha preocupação, quando voltávamos nas escolas para recolher as dezenas de fichas que lá havíamos deixado, nas mãos de “empolgados” alunos, quase sempre tínhamos a ingrata surpresa de receber somente meia dúzia delas. O pânico (o meu pânico) ia crescendo e tomando conta de mim, a tal ponto de pela primeira vez na vida perder o sono durante boa parte de uma madrugada dessas.

Com temor ou não, com insônia ou não, o tempo passou (e como passou depressa!), e o dia das gravações chegou. Mesmo tendo em mãos o número pré-estipulado de “Termos de Autorização para Veiculação de Imagem e Voz” (burocracia necessária), havia no ar a possibilidade de contarmos com um número mínimo de figurantes. Passava por nossas cabeças a experiência com os alunos das escolas por nós visitadas: primeiro a nossa empolgação por ver o interesse da “rapaziada” em querer participar; depois a decepção ao constatar que o interesse continuava somente com uns poucos, muito poucos. Havia ainda um outro complicador: o dia amanheceu chuvoso. Sim, o ginásio era coberto. Mas – pensava eu – quem é que vai sair do conforto de seu lar num sábado chuvoso?

Ainda bem que as boas surpresas fazem parte de nossas vidas. Antes mesmo do horário combinado para que as pessoas chegassem ao local das gravações, já havia um amontoado de figurantes na entrada do ginásio. Em pouco tempo já tínhamos uma longa fila formada por crianças, adolescentes, adultos, senhores e senhoras. Meu temor foi se dissipando e dando lugar a uma euforia que se transformava, aos poucos, na certeza de que tudo daria certo. E deu mesmo. As pessoas, todas elas, demonstraram uma grande, uma imensa boa vontade em colaborar. Além disso, era notória a alegria por parte daqueles que ali estavam. Filmamos por dois dias seguidos e ao final ficamos com o prazeroso gostinho de “quero mais”. Todos nós estávamos felizes. Todos, sem exceção.

O curta “Cachorro-Quente Vodu” está gravado. Agora estamos na expectativa para ver o resultado final, a junção das imagens tão belas, coloridas e alegres. Aguardamos a edição na expectativa de termos nas mãos um trabalho áudio-visual de qualidade. Mas independente do “Bom” do “Regular” ou do “Ruim”, acredito que um dos principais objetivos do projeto Revelando os Brasis foi alcançado: o de termos conseguido mobilizar centenas de pessoas dos mais diversos segmentos da nossa comunidade. E isso foi, para todos nós, uma grata surpresa.