terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Esse foi um grande ano
(publicado na revista Crônicas Cariocas)

No final do ano passado, meu amigo Luciano Fortunato me presenteou com o CD “Vagabundo”, uma parceria do Ney Matogrosso com Pedro Luiz e a Parede. Junto ao encarte do CD, tinha um bilhete escrito à mão por Luciano, que dizia, entre outras coisas, “que 2007 tinha sido foda.”


Meu amigo poeta estava se referindo a diversos acontecimentos que nos cercaram naquele ano, como por exemplo, o nascimento do meu filho João Pedro e a publicação constante de alguns dos nossos textos tanto na internet como também em “meios mais tradicionais de leitura”, ou seja, jornais e revistas impressas. Enfim, foram 365 dias bem interessantes.

Mas aí, como não poderia deixar de ser, 2007 se foi, deixando a expectativa de que 2008 poderia ser ainda melhor. E foi mesmo. Esse ano, que está chegando ao fim, também foi foda. Ou punk ou chique ou simplesmente, um grande ano.

Recebi vários presentes da vida em 2008, e em todos eles encontrei as mesmas (e ao mesmo tempo diferentes e infinitas) possibilidades, que iam se multiplicando e se encaixando, como num quebra cabeças de vidrais coloridos.

Essas possibilidades chegaram todas em forma de pessoas, de novos amigos, que trouxeram consigo uma espécie de energia pronta para ser espalhada e compartilhada.
Amigos que a vida nos traz, que atravessam nossos caminhos, semeiam algo de bom, e nos afirmam através de atitudes que nossas possibilidades (sonhos) podem se tornar realizações. E, normalmente, a gente só vai compreender a importância do encontro com essas pessoas quando começarmos a colher os frutos, que são resultados das sementes plantadas por elas, lá atrás.

Amigos: uns vem e vão. Partem depois de deixar suas sementes devidamente plantadas. Partem, não por que querem, mas sim por que precisam. E partindo, nos deixam uma sensação de vazio. Cria-se um hiato habitado pela angustia da incerteza de um novo encontro. Mas navegar é preciso. E semear outros terrenos (vidas) com a semente das possibilidades, também.
Enfim, esse ano de 2008, que está prestes a acabar, foi e ainda está sendo para mim um momento de ruptura, de mudanças e até mesmo de renascimento. Tudo isso provocado pelas pessoas que, felizmente, eu encontrei no meu caminho.

Feliz Natal e um ano de 2009 cheio de possibilidades e realizações.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Carbamazepina
(por Elano Ribeiro. Texto publicado na revista Crônicas Cariocas)

Há mais ou menos nove anos, numa tarde de janeiro, senti uma forte pontada na cabeça, como se um objeto pontiagudo estivesse penetrando meu crânio. Fiquei tonto. Muito tonto. Concluí que alguma coisa não estava normal dentro da minha cabeça – já nem um pouco normal – e que, portanto, deveria procurar um médico imediatamente.

E foi o que eu fiz, naquele mesmo dia. Potencializei meu pessimismo e procurei um neurologista, já querendo perguntar a ele quanto tempo eu ainda tinha de vida. Sério, não é exagero. Fui para o consultório com a quase certeza de ter um tumor no cérebro.

Felizmente, após algumas perguntas e respostas, e posteriormente, um EEG – sigla de “Eletro Encefalograma Digital” –, ficou diagnosticado que eu tinha apenas uma “Disritmia”. Algo comum, bem corriqueiro, que quase todo mundo tem nos dias de hoje – palavras do neurocirurgião que me atendeu – e que seria meu parceiro de consultas médicas bimestrais ao longo de muitos anos pela frente.

Ele (o médico) era um sujeito bem mais alto do que eu, gordo, cabelos grisalhos estilo “garotos de Liverpool”, flamenguista que adorava falar do Vasco da Gama, dono de um currículo invejável, colecionador de carros modernos e velhos, e um grande bebedor de cerveja – segundo ele mesmo me disse uma vez, durante uma de nossas conversas-consultas bimestrais.

Ah, a cerveja! Como eu gostava de sentir o gosto dessa bebida maravilhosa. Quanto mais amarga, melhor! E logo no nosso primeiro encontro, o neurocirurgião fã dos Beatles, foi logo me avisando que eu não poderia mais tomar café, Coca-Cola e cerveja, enquanto estivesse fazendo uso dos medicamentos por ele prescritos.

E como eu nunca fui de contrariar ordens médicas, segui a risca as recomendações do doutor Liverpool. Por quase nove anos, ingeri uma dose diária de Carbamazepina – era esse o nome do remédio que eu utilizava –, feliz por nunca mais ter sentido aquela tal pontada na cabeça.
O tempo foi passando e eu ia me sentindo cada vez melhor, mesmo ouvindo a sentença médica de que eu ainda tinha “um pontinho de disritmia”. Então, aos poucos, fui me achando no direito de voltar a consumir um pouco de cafeína, e num ato de rebeldia, não demorou muito para que eu me rendesse aos prazeres do “capitalismo engarrafado” – aqui se lê Coca-Cola.

Porém, eu nunca mais havia colocado uma gota de álcool na boca. Minhas “estripulias-falso-etílicas” eram regadas à cerveja sem álcool. Motivo de chacota entre os amigos apreciadores do gosto divino da cerveja.

Até que, semanas atrás, resolvi por fim a minha abstinência etílica. Tudo por conta de uma cerveja preta. Olhei para a prateleira do mercado e lá estava ela, me observando, me conquistando com seu jeito envolvente e sensual, disfarçado nas suas formas arredondadas. Tenho certeza que meus olhos brilharam, e ela, falando bem baixinho, quase que sussurrando aos meus ouvidos, me disse coisas que eu nem pude acreditar. Enfim, fiquei com água na boca, cheio de sede e vontade de sentir e sorver novamente o seu precioso líquido. Ela me fez perder a cabeça, e num ato condenado por alguns, porém aplaudido de pé por muitos outros (quem serão os loucos da história?), ao chegar em casa, tomei uma decisão: peguei todas as cartelas da minha ex- amiga Carbamazepina e guardei-as bem lá no fundo da gaveta. Desde então, nunca mais voltei a vê-las. E, se interessa a alguém, estou me sentindo muito bem.

Quanto a minha conquistadora lá das prateleiras do supermercado, a mesma que me devolveu ao “mundo dos nem sempre sóbrios”, levei-a para casa, conversei com ela por uns dois dias, sempre que abria a porta da geladeira, e no fim de uma tarde quente de domingo, cheio de cuidados e carinhos, coloquei-a sobre a mesa, segurei seu corpo frio, rígido e molhado, tirei seu lacre, ouvi aquele delicioso barulhinho de prazer emanar de sua “boca”, observei extasiado seu líquido derramar para dentro do meu copo, e tomado por um prazer descomunal, provei do seu sabor em um só gole.

Como dizem aqueles ilusionistas às suas platéias, sempre que vão fazer algum número muito perigoso, eu também vos digo: não façam como eu. Antes de deixar de tomar seus medicamentos, procure seu médico. Mas caso ele não o libere, vá a um mercado qualquer, olhe para a prateleira certa, deixe-se conquistar por uma nova (ou antiga) paixão e guarde sua cartela de remédios bem lá no fundo da última gaveta do armário. Às vezes, uma pequena dose de rebeldia desce bem.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008


Os sonhos de dezembro

(por Elano Ribeiro)


Talvez o mês de dezembro seja o mais propício aos sonhos. Refiro-me ao sonhar acordado, de olhos abertos, completamente consciente dos devaneios que revelam nossos anseios, sejam eles pessoais ou profissionais, públicos ou secretos.

Sonha-se: com novos amores – ou com a volta dos antigos –; com mais qualidade de vida; com viagens; com (mais) dinheiro na conta; com a cura de enfermidades (físicas e/ou psicológicas). Promete-se: viver de forma mais intensa, sem se importar com o que os outros irão dizer; não levar a vida tão a sério; ler mais; ouvir mais músicas; ser mais feliz, custe o que custar; iniciar os inúmeros projetos que estão guardados “dentro das gavetas”; perder a hora pelo menos uma vez por semana...

Sonhar em dezembro é diferente. Mesmo que os sonhos sejam os mesmos do ano inteiro. Quase que voltamos a ser como as crianças, que esperam pelo Papai Noel. Digo quase, porque, como “crianças crescidas” que nos tornamos, perdemos a ingenuidade e, infelizmente, já não temos mais tempo para algumas fantasias e magias.

Mas, mesmo tendo a certeza de que Papai Noel não virá nos trazer de bandeja tudo o que almejamos, conseguimos idealizar nossos sonhos através da esperança em dias melhores. E ela, a “esperança”, aflora de maneira mais intensa nos seres humanos, em dezembro.

Curiosamente, dezembro marca o fim e o começo. Ou melhor: o recomeço. O mês do Papai Noel, o último do nosso calendário, representa muito mais um início do que o mês de janeiro, onde realmente inicia-se o novo ano.

Então, que venha dezembro, com as suas portas e janelas abertas para o mundo dos sonhos. Ele chega na próxima semana, e apesar de trazer consigo os últimos dias de primavera, para a maioria de nós, ele vem carregado com a claridade do verão.