quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

PAI, ESSE É O MEU NAMORADO
(por elano ribeiro. crônica publicada na revista "Crônicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com)

Eu sempre digo que há uma grande chance de eu ter um infarto agudo do miocárdio ao ver pela primeira vez minha filha dando um beijo na boca de um garoto. Os pais que já presenciaram essa cena (de filme de terror?) poderão, talvez, me dizer o porquê desse meu temor. Pode ser machismo (e deve ser mesmo). Se fosse um filho, homem, eu iria ficar todo orgulhoso (?). Mas no fundo, acho que é pela certeza – a ficha que cai de uma hora para a outra – de que aquela bonequinha, aquela criança que eu sempre imaginei que nunca iria crescer, cresceu e apareceu (linda) – nesse momento acabo de olhar para uma foto da Bianca vestida de coelhinha, com mais ou menos três anos de idade. É, ela cresceu!

Foi no sábado de carnaval. Eu estava sentado na praça com Laura (minha esposa) e João Pedro (nosso filho) – que por sinal curtia com largos sorrisos e diversas batidas de mão no seu pandeiro de plástico, o seu primeiro carnaval – quando Bianca se aproximou de mim. Daí, deu-se mais ou menos o seguinte diálogo:

- Oi, pai!
- Oi, minha filha linda.
- Tá tudo bem?
- Tá sim. E com você?
- Tudo certinho. Nossa, meu irmão tá tão Lindo! Vem João Pedro, no colo da irmã, pra tirar foto.

Eu já havia percebido a presença de mais um casal junto da Bianca. A garota eu conhecia – até onde eu sei, é a melhor amiga da minha filha. O garoto eu não sabia quem era, e a princípio não dei muita importância para a sua presença. Até que Bianca respira fundo, engata uma primeira, e manda, assim, de uma vez só, sem rodeios:

- Pai, esse é o meu namorado.

Imagine, caro leitor, um espaço em branco nessa crônica. Pois foi assim que meus pensamentos ficaram por alguns segundos: em branco. De imediato não consegui olhar para o jovem rapaz. Olhei apenas para Bianca, esperando que ela dissesse: - Brincadeira, pai. Mas ela não disse. E pelo brilho que tinha no olhar, e o sorriso nervoso nos lábios, percebi logo que se tratava mesmo de seu primeiro namorado, aquele que se apresenta para mãe e para o pai, aquele que se leva em casa, e em pouco tempo ele já está deitado no sofá com o controle da TV na mão. Sei que é assim que funciona, pois afinal, eu e vários outros pais já fizemos a mesma coisa.

Trocamos mais alguns carinhos, conversamos e tiramos mais algumas fotos. Dei-lhe alguns conselhos básicos – aqueles que todos os pais dão:

- Se for sair em algum bloco, tome muito cuidado com possíveis confusões que possam acontecer.
- Não aceite nada de estranhos.
- Se precisar de alguma coisa, me ligue ou me procure.

E, principalmente:

- Tenha juízo, muito juízo.

Antes que eles se fossem, apertei firmemente a mão do rapaz (quer dizer, do namorado da minha filha. Preciso me acostumar com a idéia). E lá foram eles, de mãos dadas. Dois belos jovens, cheios de sonhos e de esperanças no futuro.

Como se pode notar, eu não enfartei (se bem, que eu não vi minha filha dando um beijo sequer no garoto). Na verdade, eu me emocionei ao ver Bianca caminhando de mãos dadas com o seu primeiro namorado, pois, de imediato, me lembrei da criança que um dia eu conheci, que encheu minha vida de luz e brilho. Aquele presente de cachinhos loiros que a vida me deu, que me chamava o tempo todo para jogar “bola gude”. Emocionei-me, porque estava tendo a possibilidade de ver minha amada filha dar início a um novo ciclo em sua vida. Ela começou a descobrir o amor, e por conta desse nobre sentimento, irá sorrir, irá chorar, irá descobrir o ciúme (tomara que ela aprenda a lidar com esse veneno o mais depressa possível). Irá descobrir o quanto é bom sentir saudades de quem a gente ama, e que é ainda melhor reencontrar essa pessoa. Vou torcer para que ela compreenda que Vinícius de Moraes acertou em cheio quando escreveu que se o amor não pode ser imortal, posto que é chama, deve ser infinito enquanto durar.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Leitura
(acróstico, por elano ribeiro)

Letras, que juntas formam uma história ou
Estórias, que contadas a uma criança,
Invariavelmente transformam-se em aventuras
Tão mágicas, intensas e inesquecíveis, que
Uma vez vividas, ficarão para sempre
Rondando o imaginário desses jovens,
Alquimistas da literatura, da leitura e das letras

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Quem serão eles?
(por Elano Ribeiro)


Vou começar esse texto com uma afirmação: sou um saudosista. A nostalgia é o meu ópio. E a fotografia é um dos objetos mais usados por mim como forma de “tragar a fumaça da saudade” e fazer grandes viagens. Viagens de volta no tempo, e por que não dizer de volta no espaço, também. Algo em especial tem me atraído nas fotografias: imaginar quem serão e como estarão vivendo aquelas pessoas que eu não conheço, mas que sem querer aparecem ao meu lado nas fotos. Ou então, fazer esse mesmo exercício de criatividade e imaginação com relação a retratos muito antigos, registros feitos muito antes de eu pensar em nascer, seja de familiares ou de completos desconhecidos.

Recentemente escrevi um texto para o jornal Caderno Especial (publicação que circula em algumas cidades do interior do Rio de janeiro) sobre os tempos boêmios de um bairro aqui da minha cidade. O editor do jornal me ligou perguntando se eu não tinha uma foto do lugar para ilustrar a crônica. Recorri então a um grande amigo e pesquisador, Janér Baptista, que, como eu supunha, me enviou no dia seguinte duas belíssimas fotos do referido bairro. Fotos antigas, anteriores até mesmo ao tempo descrito no texto em questão. Pois bem: para o meu deleite, em ambas as fotos (em preto e branco) aparecem pessoas caminhando solitariamente. Fiquei me indagando: quem serão eles (ou elas)? Será que ainda estão vivos? Será que seus netos, ou talvez bisnetos, estudam na escola onde eu trabalho? Questionamentos que provavelmente nunca serão respondidos.

Mas tem uma imagem em especial que anda me fazendo viajar cada vez que eu a vejo: é exatamente a foto que ilustra essa crônica. Ou seja, a capa do CD e do DVD do antológico show do Barão Vermelho, no Rock in Rio de 1985, com Cazuza nos vocais. O “ópio nostálgico” se manifesta ali através daquele casal – sentado de costas para o fotógrafo (profissional ou amador) que brilhantemente eternizou aquele momento – segurando um guarda-chuva naquela tarde de janeiro. Cada vez que olho essa tal fotografia, sinto que a “droga” começa a fazer efeito e eu início as minhas viagens imaginárias:


Viagem nº 1 – O casal desconhecido se casou depois de algum tempo. Na saída do show, ele (Alex) todo eufórico graças a uns enormes copos de cerveja e com a adrenalina ainda lá em cima por conta da noite agitada, pede a mão da moça (Cristina) em casamento. Os anos passam depressa, eles têm um casal de filhos (João Pedro e Lara) que hoje estão prestes a fazer 20 ano, e os dois orgulhosamente mostram aos seus colegas da faculdade, através do CD ou do DVD, a fotografia dos pais, agora famosos, apesar de ainda continuarem anônimos por estarem de costas.

Viagem nº 2 – O Casal briga naquela noite mesmo, e ela (Antônia) rompe o noivado que já durava alguns anos, porém sem a paixão do início. Ele (Francisco) admite ter flertado com a moça hippie (de nome muito estranho) que fumava maconha ao seu lado, pede desculpas a ela (Antônia), mas a moça está irredutível. Hoje, 23 anos depois, ela conta para uma amiga do curso de pintura – pago pelo marido careta que nunca gostou de Rock, muito menos do Barão Vermelho – que aquele casal que aparece na capa do DVD – que fica guardado escondido no armário da cozinha – é ela com seu ex-noivo.

Viagem nº 3 – Após alguns anos morando juntos e estando muito felizes, certo dia ele (Carlão) sai para comprar cigarros logo ali na esquina, e inexplicavelmente nunca mais volta, deixando-a (Carla) sozinha e com um filho pequeno (Carlinhos) para criar. Hoje, passados quinze anos de seu sumiço, ela se reconheceu na foto – apesar de estarem de costas, ela e o Carlão – e passa os dias mostrando a capa do CD para o filho Carlinhos (que está prestes a completar 16 anos, freqüenta sessões de terapia em grupo e, para completar a desilusão de Carla, é fã de Zezé de Camargo e Luciano).

A viagem ainda tem vários outros destinos, mas ao final sempre continuo sem saber que fim levou aquele casal da foto, obviamente. E isso é o que alimenta ainda mais a minha nostalgia e fomenta o meu vício pelo “ópio da saudade” provocando uma imensa curiosidade em saber quem serão essas pessoas desconhecidas que ilustram determinadas fotografias. No meio de tantas incertezas sobre o casal em questão, posso afirmar uma coisa: naquela noite, durante o show do Barão, eles se abraçaram, e com outras milhares de pessoas entoaram um hino que marcaria toda uma geração:

“...Todo dia é dia/E tudo em nome do amor/Essa é a vida que eu quis/Procurando vaga/Uma hora aqui, outra ali/No vai-e-vem dos teus quadris/Nadando contra a corrente/Só pra exercitar/Todo o músculo que sente/Me dê de presente o teu bis/Pro dia nascer feliz/Pro dia nascer feliz/O mundo inteiro acordar/E a gente dormir, dormir/Pro dia nascer feliz/Essa é a vida que eu quis/O mundo inteiro acordar/E a gente dormir”.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Carlos, Bia, Eduardo e Fernanda
(por Elano Ribeiro - conto publicado na revista eletrônica "Crônicas Cariocas")

Carlos era apaixonado por Bia, que por sua vez gostava do Eduardo, mas este queria namorar com Fernanda, que para completar o “círculo de amores”, estava afim de Carlos, que dava aulas de Cinema na universidade onde Bia cursava o sexto período de História e pretendia muito em breve se pós graduar em “História Universal” e trabalhar como Historiadora no Museu Municipal, onde Eduardo era o Administrador, e este, não raramente, ao sair do trabalho, passava na locadora de filmes da Fernanda, ali perto, só para poder trocar alguns minutos de conversa com a empresária, que não escolheu esse ramo de negócio por acaso, mas sim, por ser ela, uma apaixonada por cinema, e foi justamente num festival de cinema, na cidade de Tiradentes, que Fernanda conheceu Carlos, que estava na cidade mineira para ministrar duas palestras sobre o “Cinema Novo”, e ao final de uma delas os dois foram apresentados e passaram o resto da noite conversando num dos bares da cidade, e quando deram conta de que o dia já estava amanhecendo ele fazia uma rápida análise do cinema nacional, desde Glauber Rocha com o seu “Deus e o Diabo na Terra do Sol” até os dias atuais, com José Padilha e seu polêmico “Tropa de Elite”, deixando Fernanda cada vez mais encantada por ele, e fazendo com que a moça desejasse que aquela noite não tivesse mais fim, mas ela terminou, com Carlos se despedindo no meio da praça central da Cidade Histórica, louco para voltar logo para as suas aulas e poder rever Bia, que andava cada vez mais apaixonada pelo seu curso, pelo seu trabalho e por Eduardo, que já havia percebido uns olhares diferentes e fingido não entender algumas frases de duplo sentido que a estagiária lhe lançava, pois ele pensava ser melhor não dar muita liberdade para a moça se aproximar ainda mais, afinal além dela ser quase uma funcionária do museu que ele administrava – em sua concepção, não ficava nada bem um relacionamento entre colegas de trabalho – , ele estava cada vez mais interessado em Fernanda, que depois de algum tempo telefonou para Carlos e o convidou para uma cessão de DVDs em sua casa, disposta a revelar seu interesse pelo professor, mas depois de alguns filmes e três garrafas de vinho, ela teve que controlar sua raiva enquanto Carlos lhe contava sobre a sua paixão secreta por Bia, que pouco dias depois estaria ouvindo da boca do próprio Eduardo que ela não seria contratada pelo museu ao final do seu estágio, não porque ela não fosse competente, mas sim pelo fato de ela estar cada vez mais misturando as coisas, e para ele isso era inadmissível, e para completar, ela ainda teve que ouvir de Eduardo que ele estava mesmo era interessado em manter um relacionamento sério e estável com a Fernanda, a dona daquela locadora de vídeos que ficava próxima ao museu, que um belo dia recebeu surpresa a visita de Carlos, todo eufórico e ansioso para lhe contar que havia tomado coragem e revelado seu sentimentos à Bia, e que a moça pouco tempo depois já tinha se atirado em seus braços e lhe jurava amor eterno, fazendo com que sua vida se tornasse perfeita, um pouco parecida com a de Fernanda, que se não andava assim tão empolgada, estava bastante satisfeita com sua nova rotina ao lado do Eduardo, que num outro belo dia entrou na locadora com um buquê de flores na mão, se ajoelhou no chão, e na frente de diversas pessoas revelou seu amor por Fernanda, que meio sem jeito, aceitou o convite de Eduardo para um jantar que marcaria o início de um romance que duraria por muitos anos, só terminando quando Carlos, já entediado de seu casamento com Bia – que por ser bem mais jovem e ter outros ideais, não andava em sintonia com o professor – pediu o divórcio para a então moça pós graduada, e reencontrou Fernanda, por acaso, num outro festival de cinema, lá mesmo em Tiradentes, e finalmente percebeu que havia muitas coisas em comum entre ele e ela, e dessa vez, os dois conversaram por várias noites seguidas, e numa das conversas descontraídas, ela revelou que seu relacionamento já não andava muito bem e estava prestes a acabar, pois o único ato de romantismo que Eduardo teve, foi aquele há alguns anos atrás lá na locadora, depois disso ele parecia administrar sua relação com Fernanda, como se tivesse administrando o museu, que aliás, estava precisando de alguém qualificado para ocupar o cargo de Historiadora, e após minuciosa pesquisa nos currículos recebidos, Eduardo concluiu que não havia ninguém mais capacitado do que Bia, sua antiga estagiária e futura namorada.