quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Quem serão eles?
(por Elano Ribeiro)


Vou começar esse texto com uma afirmação: sou um saudosista. A nostalgia é o meu ópio. E a fotografia é um dos objetos mais usados por mim como forma de “tragar a fumaça da saudade” e fazer grandes viagens. Viagens de volta no tempo, e por que não dizer de volta no espaço, também. Algo em especial tem me atraído nas fotografias: imaginar quem serão e como estarão vivendo aquelas pessoas que eu não conheço, mas que sem querer aparecem ao meu lado nas fotos. Ou então, fazer esse mesmo exercício de criatividade e imaginação com relação a retratos muito antigos, registros feitos muito antes de eu pensar em nascer, seja de familiares ou de completos desconhecidos.

Recentemente escrevi um texto para o jornal Caderno Especial (publicação que circula em algumas cidades do interior do Rio de janeiro) sobre os tempos boêmios de um bairro aqui da minha cidade. O editor do jornal me ligou perguntando se eu não tinha uma foto do lugar para ilustrar a crônica. Recorri então a um grande amigo e pesquisador, Janér Baptista, que, como eu supunha, me enviou no dia seguinte duas belíssimas fotos do referido bairro. Fotos antigas, anteriores até mesmo ao tempo descrito no texto em questão. Pois bem: para o meu deleite, em ambas as fotos (em preto e branco) aparecem pessoas caminhando solitariamente. Fiquei me indagando: quem serão eles (ou elas)? Será que ainda estão vivos? Será que seus netos, ou talvez bisnetos, estudam na escola onde eu trabalho? Questionamentos que provavelmente nunca serão respondidos.

Mas tem uma imagem em especial que anda me fazendo viajar cada vez que eu a vejo: é exatamente a foto que ilustra essa crônica. Ou seja, a capa do CD e do DVD do antológico show do Barão Vermelho, no Rock in Rio de 1985, com Cazuza nos vocais. O “ópio nostálgico” se manifesta ali através daquele casal – sentado de costas para o fotógrafo (profissional ou amador) que brilhantemente eternizou aquele momento – segurando um guarda-chuva naquela tarde de janeiro. Cada vez que olho essa tal fotografia, sinto que a “droga” começa a fazer efeito e eu início as minhas viagens imaginárias:


Viagem nº 1 – O casal desconhecido se casou depois de algum tempo. Na saída do show, ele (Alex) todo eufórico graças a uns enormes copos de cerveja e com a adrenalina ainda lá em cima por conta da noite agitada, pede a mão da moça (Cristina) em casamento. Os anos passam depressa, eles têm um casal de filhos (João Pedro e Lara) que hoje estão prestes a fazer 20 ano, e os dois orgulhosamente mostram aos seus colegas da faculdade, através do CD ou do DVD, a fotografia dos pais, agora famosos, apesar de ainda continuarem anônimos por estarem de costas.

Viagem nº 2 – O Casal briga naquela noite mesmo, e ela (Antônia) rompe o noivado que já durava alguns anos, porém sem a paixão do início. Ele (Francisco) admite ter flertado com a moça hippie (de nome muito estranho) que fumava maconha ao seu lado, pede desculpas a ela (Antônia), mas a moça está irredutível. Hoje, 23 anos depois, ela conta para uma amiga do curso de pintura – pago pelo marido careta que nunca gostou de Rock, muito menos do Barão Vermelho – que aquele casal que aparece na capa do DVD – que fica guardado escondido no armário da cozinha – é ela com seu ex-noivo.

Viagem nº 3 – Após alguns anos morando juntos e estando muito felizes, certo dia ele (Carlão) sai para comprar cigarros logo ali na esquina, e inexplicavelmente nunca mais volta, deixando-a (Carla) sozinha e com um filho pequeno (Carlinhos) para criar. Hoje, passados quinze anos de seu sumiço, ela se reconheceu na foto – apesar de estarem de costas, ela e o Carlão – e passa os dias mostrando a capa do CD para o filho Carlinhos (que está prestes a completar 16 anos, freqüenta sessões de terapia em grupo e, para completar a desilusão de Carla, é fã de Zezé de Camargo e Luciano).

A viagem ainda tem vários outros destinos, mas ao final sempre continuo sem saber que fim levou aquele casal da foto, obviamente. E isso é o que alimenta ainda mais a minha nostalgia e fomenta o meu vício pelo “ópio da saudade” provocando uma imensa curiosidade em saber quem serão essas pessoas desconhecidas que ilustram determinadas fotografias. No meio de tantas incertezas sobre o casal em questão, posso afirmar uma coisa: naquela noite, durante o show do Barão, eles se abraçaram, e com outras milhares de pessoas entoaram um hino que marcaria toda uma geração:

“...Todo dia é dia/E tudo em nome do amor/Essa é a vida que eu quis/Procurando vaga/Uma hora aqui, outra ali/No vai-e-vem dos teus quadris/Nadando contra a corrente/Só pra exercitar/Todo o músculo que sente/Me dê de presente o teu bis/Pro dia nascer feliz/Pro dia nascer feliz/O mundo inteiro acordar/E a gente dormir, dormir/Pro dia nascer feliz/Essa é a vida que eu quis/O mundo inteiro acordar/E a gente dormir”.

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