segunda-feira, 30 de abril de 2007

Eu nem sei se te amei algum dia
(por Elano Ribeiro Baptista)


A dor de descobrir que Martha tinha um amante foi muito grande, mas nada comparado a dor provocada por suas últimas palavras antes de deixar esse apartamento: _ Cláudio, não adianta insistir, eu não te amo mais. Na verdade, eu nem sei se te amei algum dia. E, pronto. Bateu a porta e foi embora. Sem se despedir, sem pelo menos um desejo de boa sorte. Dez anos juntos, e ela me diz uma coisa dessas. E nossas declarações de amor, nossos pactos, nossas confidências, nossos “eu te amo”, foi tudo mentira o tempo todo? Não, ela só pode ter dito aquilo da boca pra fora. E eu? O que eu faço agora? Fumo um cigarro, fumo dois. Tomo um uísque, tomo dois. Vou à varanda. Lá embaixo na rua pessoas passam apressadas, outras se beijam, outras simplesmente caminham, talvez, tentando resolver cada qual o seu problema. Aqui dentro parece estar tudo tão vazio, as paredes estão cinza, sem vida. O ar parou. Eu parei. Há muito que nosso casamento não vinha bem. Fazíamos pouco sexo. Ela sempre tinha uma desculpa quando eu a procurava na cama, mas, eu pensei que fosse apenas uma crise passageira, a crise dos dez anos. O diálogo também tinha diminuído, Martha falava apenas o essencial. Hoje, quando cheguei do trabalho, ela já me esperava com suas malas prontas aqui na sala. Levei um susto, não entendi nada, custei para acreditar em tudo o que ela me falava. _ Olha, Cláudio, fique calmo e me escute... Não dá mais pra continuar... Eu amo outro homem... Nós já estamos juntos há um ano e meio... Estou indo morar com ele. O chão se abriu, meu mundo caiu. Eu fiquei estático, esperando a ficha cair, enquanto Martha continuava a falar. Queria gritar, mas, a única coisa que consegui fazer foi chorar. Que coisa horrível saber que nos últimos 547 dias, cada suspiro de minha mulher não foi pra mim, cada vez que ela comprava uma roupa nova não era pensando em mim, o perfume diário não era pra me agradar, nem o batom era mais para eu tirar. A boca que ela desejava com prazer, era de outro homem. Como será esse homem? Nunca me imaginei longe dessa mulher, eu a amo e muito. Ela, com toda certeza, não está chorando, pelo contrário, deve estar comemorando a liberdade, a liberdade de um casamento de dez anos. Não precisa mais encostar seu corpo ao meu, não precisa mais ouvir meus problemas, nem fingir alegria com minhas conquistas. Martha, um brinde à liberdade, mas somente a sua, porque eu acabo de entrar numa prisão. A prisão da solidão, do desamor, do sentimento de inutilidade. Isso, sou um ser inútil, nunca fiz nada pra mudar nossa vida, aquelas guinadas radicais que quase toda mulher espera de um homem. Já estou me culpando, sabia que isso iria acontecer. Sempre me culpei por tudo de errado que aconteceu na nossa vida. Mais um cigarro. Mais um uísque. O amor é estranho, você conhece uma pessoa, sente atração, toca, beija, ama. Um belo dia essa pessoa vai embora, provavelmente, torcendo para não ter que falar com você novamente. Mais dois cigarros, mais dois uísques. A vista já começa a pesar. Ainda bem que inventaram o uísque, mais umas três doses e eu apago, aqui mesmo, no chão da sala, onde ainda ecoam as últimas palavras de Martha: _ Cláudio, eu nem sei se te amei algum dia.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Poema incendiário
(por Elano Ribeiro Baptista)

Arde no meu peito
A chama dos incompreendidos
Arde e queima o último
Resquício do menino inocente
Queima a lembrança do Eu
Criança indo para a escola com
Papai e mamãe à frente
O incêndio se alastra
E chega à minha boca
Que cospe como maçarico
Salivas incandescentes
Que se misturam com as lágrimas
De um choro gelado
Provocado pelas incertezas
Formando rochas que
Entopem os poros
Da minha pele já desgastada
E ressecada pelas nuvens
De fumaça que escurecem
Meus pensamentos
Ardentes nas brasas do desejo
Que certamente os inquisidores
Da moral colocarão para
Queimar na fogueira acessa
Com o fogo do meu corpo
Que é fogo da paixão
Paixão que não é exclusiva
Paixão que é de todo aquele
Que comigo desejar caminhar
Sobre as cinzas quentes e ardentes do desejo.

segunda-feira, 23 de abril de 2007


Borboletas Coloridas
(por Elano Ribeiro Baptista)


Busco por tubos de tintas
Daquelas que encontramos
Nas paletas dos artistas
Não para criar novas telas
Quero somente um pouco de suas cores
Para tingir minha vida tão descolorida
Há muito não conheço o verde da esperança
O vermelho das paixões
Sequer o branco da paz
Vivo numa sombra fria e cruel
Sem vida, sem cheiro, sem cor
Busco por borboletas coloridas
Que me emprestem, só por um momento
Suas asas tão ágeis e me ensinem a voar
Dessa forma poderei buscar campos luminosos
Cheios de vida, cheios de cheiro, cheios de cor

quinta-feira, 19 de abril de 2007

O Milagre da Vida
(crônica escrita por Elano Ribeiro Baptista, publicada na revista "Cronicas Cariocas" em 11/04/2007)
Semana passada, recebi um e-mail de uma amiga, com o título O Milagre da Vida. Eram imagens feitas de dentro do útero materno, mostrando toda a gestação, passo a passo, desde o embrião com poucas semanas, até o nono mês de gravidez, quando já está prestes a nascer. Graças a um exame chamado ecografia 4D, é possível ver nitidamente as feições do bebê, podendo-se facilmente afirmar se ele é parecido com o pai ou com a mãe – será um pouco de exagero meu? Enfim, fiquei maravilhado com o que vi.

Meu lado racional me diz todos os dias que milagres não existem, mas se ele estiver enganado – e às vezes eu torço muito pra que esteja –, o maior, mais belo e concreto deles, é o Milagre da Vida. Ainda mais nos dias de hoje, tempos de extrema violência, onde boa parte das matérias publicadas nos jornais e revistas, ou apresentadas nos noticiários da TV, é sobre assuntos que chegam a “embrulhar” nossos estômagos, o nascimento de uma criança é, com toda certeza, a vitória da vida sobre a morte. Nunca é demais lembrar, casos como a da pequena Amillia Taylor, que nasceu em outubro do ano passado – quando sua mãe estava na 22ª semana de gestação – num hospital de Miami, nos Estados Unidos, pesando cerca de 280 gramas e tinha o tamanho de uma caneta. Mesmo com todos os avanços tecnológicos, os médicos consideram um milagre a menina ter sobrevivido. Acho que talvez, não tenha sido só um milagre, mas também o desejo de viver que todos nós temos, mesmo que inconscientemente. Amillia lutou e venceu.

E olha que existem crianças que já nascem lutando, literalmente, contra a morte. São “esquecidas” à própria sorte, dentro de lixeiras, em sacos plásticos, jogadas em rios, ou na melhor das hipóteses, abandonadas na porta de alguma casa, hospital ou igreja. Muitos de nós já ouvimos falar da Roda dos Enjeitados ou Roda dos Expostos, como era mais conhecida aqui no Brasil. Cilindros giratórios de madeira criados em 1188, em Marselha, na França, que serviam para que as mães deixassem seus filhos indesejados. No nosso país essa prática funcionou até meados do século XX. Pois bem, em alguns países da Europa, as “Rodas” voltaram a existir devido ao aumento do número de recém-nascidos abandonados, principalmente por imigrantes ilegais. O cilindro de madeira foi substituído por um berço aquecido com sensores que informam quando alguma criança é colocada ali, mas a finalidade continua a mesma, amparar seres inocentes vítimas de pais ou atitudes inconseqüentes.

Muito em breve o povo católico brasileiro poderá, enfim, orgulha-se de ter um santo 100% nacional, nascido e criado em terras de Pau-Brasil. O segundo milagre comprovado de Frei Galvão, foi exatamente o Milagre da Vida. Conta-se que depois de ingerir as famosas pílulas de papel do Frei, uma mulher com um sério problema de má formação no útero, que a impossibilitava de gerar uma criança, conseguiu levar a gravidez até o final e deu à luz um garoto que hoje está com sete anos de idade.

Muitos outros Milagres da Vida poderiam ocorrer, independente das graças concedidas por Frei Galvão ou qualquer outro santo, mas isso requer boa vontade e honestidade política. Quantos milhares de reais, que deveriam ser empregados na melhoria e na construção de hospitais, maternidades ou destinados a campanhas que poderiam diminuir em muito a mortalidade infantil nos lugares de extrema pobreza desse nosso país, não são desviados todos os anos para as polpudas contas de seres humanos inescrupulosos? Não raramente tomamos conhecimentos de casos em que alguma mulher prestes a dar à luz, tem atendimento negado em vários hospitais, com a alegação de que não há vagas, e essas pobres mães acabam perdendo seus filhos. Isso quando não perdem suas próprias vidas também.

Em setembro do ano passado, minha esposa Laura me contou que estava grávida. De lá pra cá, todos os dias de nossas vidas tem sido de intensas descobertas e realizações. Que coisa mais espetacular é ver uma barriga crescendo, sentir o bebê se mexendo, saber que ali dentro há uma vida que herdará diversos traços seus, te alegrará nos momentos de maior tristeza e fará você chorar de emoção quando der o primeiro sorriso. É, acho que vou deixar meu lado racional de “castigo” por uns tempos e passarei a dar mais crédito ao meu lado emocional, pois esse acredita em milagres, principalmente, no Milagre da Vida.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

LER é o maior barato

18 de abril

Dia Nacional do Livro Infantil

O Dia Nacional do Livro Infantil é comemorado em 18 de abril porque foi nessa data, no ano de 1882, que nasceu Monteiro Lobato, criador da literatura infantil no Brasil. São dele as obras Reinações de Narizinho, Emília no país da gramática, O saci, Viagem ao céu. Nesses e em outros livros, as conhecidas e queridas personagens do Sítio do Picapau Amarelo - Pedrinho, Narizinho, a boneca Emília, Tia Nastácia e D. Benta, Visconde, Saci-Pererê, Marquês de Rabicó, a Cuca, entre outros, fazem a criançada viajar num mundo de fantásticas aventuras.
As histórias de Monteiro Lobato, dos grandes escritores nacionais e estrangeiros e toda a cultura que o homem transmite de geração a geração você encontra nos livros. É por isso que eles são tão valorizados pelos povos do mundo todo. Ler é como fazer uma viagem à terra das aventuras, à terra da ciência, à terra dos sonhos, à nossa terra.
Se pudermos conviver com livros de que gostemos, que sentimos prazer em ler; se tivermos pais, amigos, professores e bibliotecários que nos incentivem e orientem na leitura; bibliotecas públicas e escolares organizadas e em quantidade, passaremos a gostar de ler. Esse gosto representa uma grande conquista.

(texto extraído do site infonet.com.br)

domingo, 15 de abril de 2007

Lúcia
(por Elano Ribeiro Baptista)

Lúcia era uma moça muito tímida. Na verdade, extremamente tímida. Resultado de uma educação austera por parte de seu falecido pai, um coronel reformado do exército. Filha única morava num amplo apartamento na Avenida Atlântica junto com a mãe. Não tinha amiga, sempre teve dificuldades em fazer novas amizades. Formou-se em filosofia, mas nunca conseguiu exercer a profissão nem formular idéias próprias. Passava o dia, dividida entre duas tarefas, assistir televisão e navegar na internet. Devido a sua timidez nunca teve namorado, apenas trocou uns inocentes beijinhos quando adolescente. Aos 22 anos continuava virgem e ainda sonhava com o príncipe encantado. Apaixonou-se duas vezes. A primeira paixão foi o Orlando, que conheceu através de uma sala de bate-papo. Ele dizia que morava em Recife, num bairro nobre chamado Santana, que era executivo de uma empresa de exportação e que tinha 28 anos. Com o passar do tempo começaram a trocar fotografias. Orlando era um jovem muito bonito, moreno, alto, olhos verdes, sempre tirava fotos ao lado de belos carros importados. Lúcia estava cada vez mais apaixonada. Ela dizia: _ Mãe, encontrei meu príncipe. Finalmente marcaram um encontro. Orlando viria para o Rio e ficaria hospedado no Copacabana Palace. A mãe de Lúcia comentou com a empregada: _ Nossa, que homem chique, valeu a pena Lúcia esperar tanto. Dois dias antes da data marcada para a chegada de Orlando, Lúcia resolve ler um pouco de jornal, coisa que não era de seu costume fazer. Poucos minutos depois solta um grito de pavor. A empregada corre pra sala e a encontra quase desmaiada, segura a pálida moça pelos braços que, antes de desfalecer, ainda consegue dizer: _ Mataram o Orlando. É a vez da empregada desmaiar. A mãe chega e encontra filha de um lado e empregada do outro. Muito confusa, retira com certa dificuldade das mãos da filha a página do jornal em que aparece a foto de Orlando, tendo logo abaixo a seguinte manchete: “Polícia estoura QG de traficantes de armas em Recife e mata o chefe da quadrilha”. Demorou muito tempo para que Lúcia voltasse ao seu estado normal. Passou dois anos enfurnada dentro de seu quarto, até que um dia a empregada comentou com ela que um rapaz lindo, solteiro, havia se mudado para o apartamento de cima, o 801. Tomada por uma estranha curiosidade, Lúcia passou a freqüentar o elevador do prédio. Subia e descia várias vezes na esperança de conhecer o novo morador. Um dia teve sua curiosidade saciada. Ele realmente era tudo que a empregada havia dito e mais um pouco. Porte atlético, 30 anos, cabelos e olhos castanhos, pele bem clara. Ficou sabendo mais tarde através de uma “investigação” da empregada, que ele se chamava Pedro, rapaz nascido e criado no interior, dava aulas de psicologia numa universidade pública, parecia não gostar de noitadas, não bebia, não fumava, enfim, o homem perfeito. Lúcia começou a prestar atenção aos horários de Pedro e, por isso, todos os dias às oito e trinta já estava na portaria do prédio. Ele, muito educado, cumprimentava-lhe com um discreto sorriso. Foi o suficiente para que uma pessoa carente como Lúcia se apaixonasse e começasse a fantasiar mil coisas, transformando aquele simples sorriso numa declaração de amor. Passava boa parte do tempo ensaiando sua investida contra Pedro, porém, devido a sua inexperiência com qualquer tipo de relacionamento, isso se tornava uma tarefa árdua. Até que numa noite de muito calor, lua cheia, ela tomou uma decisão. Seria aquele o grande dia, o dia em que ela iria declarar todo seu amor a Pedro, seu verdadeiro príncipe encantado. Por volta das vinte horas tomou o elevador e desceu no oitavo andar, lentamente e muito trêmula se dirigiu ao 801. Sem se reconhecer tocou a campanhia. Para sua surpresa, quem atendeu a porta foi um rapaz mulato, também muito bonito, aparentando ter uns 20 anos. _ Pois não, deseja alguma coisa? Depois de um tempo em silêncio, Lúcia, gaguejando, disse que gostaria de falar com Pedro. O rapaz pediu que ela esperasse um momento, que iria chamá-lo. Deixou a porta entreaberta, o suficiente para que Lúcia pudesse escutar aquela frase que a perturbaria por muito tempo: _ Amor, tem uma moça querendo falar com você lá na porta, vou te esperar no banho, vê se não demora. É claro que Lúcia não esperou por Pedro. Entrou em casa, cabeça baixa, chorando. Passou um bom período se perguntando por que a vida era tão ingrata com ela. Passados oito anos da segunda desilusão de Lúcia, o que eu - dono de uma banca de jornal aqui no calçadão de Copacabana e muito amigo da empregada da casa – sei, é que a pobre moça, talvez cansada de tanta desilusão, passou a ter hábitos muito diferentes dos que tinha. Sai todas as noites e só volta pra casa quando o dia está raiando. Usa maquiagens pesadas e roupas muito ousadas. Dizem as más línguas que por R$ 50,00 Lúcia faz um programa completo.

quinta-feira, 12 de abril de 2007


No meu futuro...
(poema para meu futuro filho e para os amigos de hoje)

No meu futuro, não me importa
Se amanhã ou depois de amanhã
Quero uma caixa com flores,
Com poemas do Ferreira Gullar
E fotografias dos meus amores
Inclusive daqueles que me causaram dor
Afinal a vida é assim, amores e desamores.
No meu futuro, quero que alguém
Se lembre do meu sorriso de hoje
Dos meus passos ainda firmes
Mesmo que incertos e um pouco sem rumo
Afinal, de que valem as certezas?
O final será sempre uma grande surpresa.
No meu futuro, quero ser abraçado
Por amigos que hoje caminham ao meu lado
Que sonham meus sonhos, mesmo sabendo
Que de todo sonho se acorda e nem sempre
O despertar nos trás uma realidade serena.
No meu futuro, quero que meu filho
Leia esse poema em voz alta
Enquanto descanso minha cabeça em seu ombro
E que ele seja tão sonhador como eu sou nos dias de hoje
E que tenha muito amor, para amar como eu amo.

(por Elano Ribeiro Baptista)

quarta-feira, 11 de abril de 2007

O MILAGRE DA VIDA
(por Elano Ribeiro Baptista)
"Semana passada, recebi um e-mail de uma amiga, com o título O Milagre da Vida. Eram imagens feitas de dentro do útero materno, mostrando toda a gestação, passo a passo, desde o embrião com poucas semanas, até o nono mês de gravidez, quando já está prestes a nascer. Graças a um exame chamado ecografia 4D, é possível ver nitidamente as feições do bebê, podendo-se facilmente afirmar se ele é parecido com o pai ou com a mãe – será um pouco de exagero meu? Enfim, fiquei maravilhado com o que vi..."



Acesse o site da revista eletrônica "Cronicas Cariocas" e leia na íntegra a crônica "O milagre da vida"

www.cronicascariocas.com.br

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Júlia e Eu
(por Elano Ribeiro Baptista)

Eu sempre amei Júlia. Júlia sempre me amou. Sabia disso porque ela me olhava da mesma forma que eu olhava pra ela e nossos olhos tinham o mesmo brilho. Eu nunca havia me declarado pra ela, que por sua vez, nunca tinha se declarado pra mim. Conhecemos-nos na adolescência quando me mudei aqui pra Rua Dias Ferreira, no Leblon. Ela já morava num prédio em frente ao meu. Apesar de estudar em colégios diferentes, sempre nos víamos de manhã cedo. Primeiro foi só aquela troca de olhares, depois um “oi”, conversas mais demoradas, até que nos tornamos amigos. Tínhamos muitas coisas em comum, gostávamos de literatura, cinema e música popular brasileira. Não nos faltava assunto. Passamos a nos encontrar quase todos os dias na parte da tarde. Às vezes ficávamos horas na livraria Argumento, aqui perto de casa. Convenci meu pai a me matricular na mesma escola que Júlia estudava. Decidimos fazer faculdade de jornalismo. Porém, tivemos que seguir caminhos diferentes. Eu não consegui entrar para a universidade federal, então, passamos a nos ver muito pouco. Quase não tínhamos tempo pra conversar. Muito raramente nos falávamos por telefone. Senti certo desapontamento nos olhos de Júlia quando ela me viu de mãos dadas com uma outra garota aqui da rua. O mesmo sentimento que eu tive quando a vi beijando um outro rapaz. Falávamos-nos cada vez menos, mas, os olhares ainda eram aqueles de tempos atrás. Tempo que passou muito rápido para nós dois. Terminamos a faculdade no mesmo ano. Namoramos e casamos. Tivemos filhos que acabaram se tornando amigos. Hoje cedo eu estava parado na banca de jornal quando senti que alguém tocou em meu braço. Era Júlia.

– Acabei de me separar. Essa pode ser nossa última chance.

Fiquei calado, sem saber o que dizer. Júlia estava na minha frente me convidando para fazer algo que deveríamos ter feito há vinte anos atrás. Fui pra casa, arrumei minha mala e deixei um bilhete para minha esposa. Parecia estar cego e, estava mesmo. Mas, cego de amor. A adolescência estava novamente batendo na minha porta. Tomei o elevador e me encontrei com Júlia, também com uma mala nas mãos. Ficamos nos olhando por um longo tempo. Corações acelerados, corpos trêmulos, mãos frias e uma explosão de sentimentos. Fiz sinal para um táxi. Sentamos no banco de trás e finalmente nos beijamos. Foi um longo beijo, um beijo de vinte anos.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Patriotismo Passageiro
(Crônica escrita por Elano Ribeiro Baptista, publicada na revista eletrônica "Cronicas Cariocas", no dia 28/03/2007)

“...vibro ao ouvir meu hino
e jamais usei a minha bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade...”
(trecho do poema “Sinto vergonha de mim” – Rui Barbosa)

O patriotismo do povo brasileiro é algo interessante. Geralmente, ele tem data pra começar e data pra acabar. Vamos chegar às janelas agora e olhar em volta. Alguém está vendo uma bandeira do Brasil na varanda de alguma casa? Provavelmente não, nem nas nossas próprias. Quantos de nós sabemos cantar o hino nacional de cor e salteado? Costumamos manifestar todo o nosso amor à pátria, principalmente, quando a seleção brasileira entra em campo – em especial na época de Copa do Mundo –, colocamos nosso espírito patriótico em prática e defendemos as nossas cores com muitos gritos e fogos de artifício. Em caso de vitória, faremos festa, e de peito aberto cantaremos: Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor. Mas, só se ganharmos o jogo.

Recentemente, em ocasião da visita do presidente americano ao Brasil, tivemos uma outra demonstração de “amor à pátria” - também com hora certa pra acabar –, com a população sendo convocada por algumas entidades sindicais e estudantis, para a realização de um megaprotesto contra a vinda do “senhor dono do mundo” Bush ao nosso tão amado país, com a alegação de que não queríamos esse “espectro do mal fazedor de guerras” em terras tupiniquins. Até mulher seminua enrolada na bandeira brasileira nós tivemos.

Não sou simpatizante do presidente Bush – pra dizer a verdade, há muito que não me simpatizo com político algum – e, acho válida toda e qualquer forma de protesto, desde que seja realizado de forma organizada e pacífica. Mas fazer esse escarcéu todo por causa da vinda do presidente americano em nosso país foi um pouco demais. Se já não bastasse o caos que se tornou o trânsito de São Paulo em algumas localidades por conta dessa passagem relâmpago do senhor Bush, levar milhares de pessoas às ruas para protestar com quebra-pau e corre-corre, é um ato no mínimo irresponsável. Não me venham dizer que foi uma atitude patriótica. Pichar ônibus não é sinônimo de patriotismo.

Bem, Bush já é assunto passado, foi embora sem se importar – tenho certeza – com o que pensamos dele. Mas o Brasil continua aqui, com todas as suas mazelas. E não vamos fazer nenhum protesto contra elas? Não vamos às ruas exigir do governo uma solução para a miséria que atinge grande parte de nosso povo? Não vamos nos manifestar contra os altos índices de desemprego? Não vamos pintar nossos rostos e cobrar um sistema público de saúde de qualidade, onde o paciente não tenha que ficar horas, às vezes dias, em cima de uma maca nos corredores dos hospitais, esperando pela morte? Não vamos cobrar do governo, com uma megapasseata em todas as capitais, mais segurança e uma atitude concreta contra a violência que tomou conta desse nosso belo país?

Enquanto escrevo essas linhas, na TV, o telejornal mostra uma manifestação realizada hoje (17/03) no Rio de Janeiro, organizada por integrantes do movimento Rio de Paz. Cerca de 700 cruzes foram fincadas nas areias da praia de Copacabana. Cada cruz representava uma vítima da violência no estado esse ano. Ainda no dia de hoje, aconteceu uma outra manifestação pelas vítimas da violência no Rio, promovida pelo cantor da banda Detonautas, Tico Santa Cruz. Esse protesto recebeu o nome de “Contagem de Corpos” e reuniu cerca de 30 pessoas no Centro do Rio. Parabéns a esses que se mobilizaram e foram para as ruas mostrar a insatisfação e a inconformidade com toda essa barbárie que vem manchando nossas ruas de sangue. Mas são atos isolados, com a participação de poucos, infelizmente. As centrais sindicais e estudantis deveriam deixar o presidente americano de lado e organizar ou apoiar manifestações como essas que citei acima, convocando a população para um grande grito de BASTA para a falta de ordem e progresso.

Pode ser que nosso patriotismo passageiro deva-se pelo fato de não termos motivos para demonstrar orgulho em tempo integral a esse país. Temos paisagens maravilhosas, um povo cordial e hospitaleiro, nossas praias e festas são atrativos para milhares de turistas, mas para por aí. Olhamos invejados – pelo menos eu olho – a tudo que funciona lá fora, e aqui não. Inclusive no país desse presidente, que nos causa tanta ira, tudo parece ser melhor: o sistema de saúde funciona; a educação então, nem se fala; o esporte é levado a sério; as leis são devidamente aplicadas – num caso mais recente, envolvendo personalidades, a famosa e milionária modelo Naomi Campbell está cumprindo pena limpando chão, por ter agredido sua empregada com um celular. Existem erros por lá? É claro que sim, porém, há muito mais acertos.

Acho que um dia, nós iremos acordar desse sono chamado conformismo e, aprenderemos então, que o povo pode ser forte, pode provocar mudanças drásticas na nossa política e nos nossos políticos pra lá de desacreditados. Marcharemos unidos em torno de um mesmo ideal: a busca por condições melhores de vida para todos nós, independente de classe social. Aí sim, poderemos cantar: Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor.



segunda-feira, 2 de abril de 2007

FAMÍLIA
(Crônica escrita por Elano Ribeiro Baptista, publicada na revista eletrônica "Cronicas Cariocas" em 14/03/2007)

De acordo com artigo escrito por Michaela Von Schmaedel, publicado na revista Pais & Filhos, essa instituição – sagrada para alguns – vem passando por uma transformação. Segundo ela, é cada vez maior o número de famílias de modelo nuclear, aquela composta apenas por pais e filhos.

Grande ou pequena, barulhenta ou discreta, unida ou desunida. Seja como for, quase todo mundo tem uma família. Lendo o texto de Michaela, me dei conta de como a minha encolheu nas duas últimas décadas e, lembrei-me nostálgico dos meus tempos de garoto e de como eu esperava ansiosamente pela chegada de algumas ocasiões festivas: Natal, Ano Novo, Carnaval, Semana Santa, Dia das Mães, Dia dos Pais... Momentos em que a casa de minha avó ficava cheia de parentes, inclusive os que vinham de longe – esses ainda traziam vários amigos. Pais, avós, tios, primos, conhecidos, estranhos, todos juntos fazendo de cada hora do dia uma grande festa. Falatório geral na mesa pro almoço, gargalhadas, histórias.

Cresci tendo a oportunidade de observar e conviver com cada uma dessas pessoas. Muitas delas serviram de exemplo pra mim, e contribuíram em muito na construção da minha identidade. Como era bom imaginar que, quando eu me tornasse adulto, poderia ser igual – no caráter, na profissão, nas feições - a um daqueles tios ou primos. Até mesmo em coisas aparentemente sem importância, como na escolha do time do coração, esse convívio foi marcante. Que diga meu tio Lúcio! Assim que teve uma oportunidade me vestiu de rubro-negro e me apresentou ao Maracanã, tirando de meu pai a alegria de ter um filho vascaíno.

Com a morte da matriarca, esses encontros foram tornando-se menos freqüentes. Desentendimentos surgiram, uns se casaram e tomaram rumos diferentes, outros simplesmente passaram a achar que nada daquilo fazia mais sentido. A mesa já não necessitava mais de tantas cadeiras. Restaram as fotografias e imagens que cada um conseguiu guardar na memória. Ainda hoje, não raramente, vejo minha tia remexer em velhas caixas de sapato e de lá tirar diversas fotos que revelam momentos de intensa felicidade. Ainda nos reunimos, porém, nunca conseguimos juntar mais de uma dúzia de parentes. Que pena!

Infelizmente, a geração mais nova de minha família – jovens moças e rapazes – não teve a oportunidade de ouvir as histórias contadas pelos nossos avós, não pôde “viajar no tempo” ouvindo seus relatos sobre a chegada deles ao Brasil, o desembarque no porto de Santos, a fuga da fazenda onde eram mantidos como escravos, os caminhos percorridos até, finalmente, conseguirem achar um lugar onde começariam a construir suas vidas e nossa história.

Mais infelizmente ainda, é o caso dos órfãos que vivem em abrigos ou orfanatos, crianças e adolescentes esperando por uma adoção que talvez nunca aconteça. Muitos desses, jamais irão saber da importância e do significado de se ter uma família e, deixarão de ter referências fundamentais para o futuro de suas vidas.

Família. Aprendi que ela – quando bem estruturada – é a base mais sólida para qualquer cidadão, o porto seguro nos momentos de tormenta, o cais em que iremos ancorar quando tudo parecer perdido. Ela tem que ser mais do que somente pai, mãe e filhos. Mesmo que seja numa caixa de sapatos.