segunda-feira, 30 de abril de 2007

Eu nem sei se te amei algum dia
(por Elano Ribeiro Baptista)


A dor de descobrir que Martha tinha um amante foi muito grande, mas nada comparado a dor provocada por suas últimas palavras antes de deixar esse apartamento: _ Cláudio, não adianta insistir, eu não te amo mais. Na verdade, eu nem sei se te amei algum dia. E, pronto. Bateu a porta e foi embora. Sem se despedir, sem pelo menos um desejo de boa sorte. Dez anos juntos, e ela me diz uma coisa dessas. E nossas declarações de amor, nossos pactos, nossas confidências, nossos “eu te amo”, foi tudo mentira o tempo todo? Não, ela só pode ter dito aquilo da boca pra fora. E eu? O que eu faço agora? Fumo um cigarro, fumo dois. Tomo um uísque, tomo dois. Vou à varanda. Lá embaixo na rua pessoas passam apressadas, outras se beijam, outras simplesmente caminham, talvez, tentando resolver cada qual o seu problema. Aqui dentro parece estar tudo tão vazio, as paredes estão cinza, sem vida. O ar parou. Eu parei. Há muito que nosso casamento não vinha bem. Fazíamos pouco sexo. Ela sempre tinha uma desculpa quando eu a procurava na cama, mas, eu pensei que fosse apenas uma crise passageira, a crise dos dez anos. O diálogo também tinha diminuído, Martha falava apenas o essencial. Hoje, quando cheguei do trabalho, ela já me esperava com suas malas prontas aqui na sala. Levei um susto, não entendi nada, custei para acreditar em tudo o que ela me falava. _ Olha, Cláudio, fique calmo e me escute... Não dá mais pra continuar... Eu amo outro homem... Nós já estamos juntos há um ano e meio... Estou indo morar com ele. O chão se abriu, meu mundo caiu. Eu fiquei estático, esperando a ficha cair, enquanto Martha continuava a falar. Queria gritar, mas, a única coisa que consegui fazer foi chorar. Que coisa horrível saber que nos últimos 547 dias, cada suspiro de minha mulher não foi pra mim, cada vez que ela comprava uma roupa nova não era pensando em mim, o perfume diário não era pra me agradar, nem o batom era mais para eu tirar. A boca que ela desejava com prazer, era de outro homem. Como será esse homem? Nunca me imaginei longe dessa mulher, eu a amo e muito. Ela, com toda certeza, não está chorando, pelo contrário, deve estar comemorando a liberdade, a liberdade de um casamento de dez anos. Não precisa mais encostar seu corpo ao meu, não precisa mais ouvir meus problemas, nem fingir alegria com minhas conquistas. Martha, um brinde à liberdade, mas somente a sua, porque eu acabo de entrar numa prisão. A prisão da solidão, do desamor, do sentimento de inutilidade. Isso, sou um ser inútil, nunca fiz nada pra mudar nossa vida, aquelas guinadas radicais que quase toda mulher espera de um homem. Já estou me culpando, sabia que isso iria acontecer. Sempre me culpei por tudo de errado que aconteceu na nossa vida. Mais um cigarro. Mais um uísque. O amor é estranho, você conhece uma pessoa, sente atração, toca, beija, ama. Um belo dia essa pessoa vai embora, provavelmente, torcendo para não ter que falar com você novamente. Mais dois cigarros, mais dois uísques. A vista já começa a pesar. Ainda bem que inventaram o uísque, mais umas três doses e eu apago, aqui mesmo, no chão da sala, onde ainda ecoam as últimas palavras de Martha: _ Cláudio, eu nem sei se te amei algum dia.

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