sexta-feira, 2 de março de 2007

DOIS NO CALÇADÃO
(conto escrito por Elano Ribeiro Baptista)

A matriz de Nossa Senhora de Copacabana está lotada de parentes e amigos de Flávio e Ana Rita. Ele, um jornalista em ascensão, editor de uma famosa revista semanal. Ela, uma escritora às vésperas de lançar seu segundo romance. Ambos são jovens, bonitos, filhos de classe média alta e com um futuro promissor. Flávio espera no altar. Como qualquer noivo está muito ansioso, anda de um lado para o outro e mantém a cabeça baixa o tempo todo, mesmo quando os diversos fotógrafos apelam por uma pose e por um sorriso. Ana Rita chega, todos os presentes olham em direção à porta, ela está mais linda do que nunca. Flávio finalmente tira os olhos do chão, mas seu olhar não está na bela moça vestida de branco e, sim, num rapaz também muito bonito que está parado de pé ao lado da porta. O belo rapaz se chama Hugo. Começa a marcha nupcial e Ana Rita adentra a igreja. Flávio se lembra que foi por causa de uma matéria que ele estava preparando para a revista, sobre os bares sofisticados da zona sul carioca, que acabou conhecendo Hugo, dono de um desses bares. A empatia entre os dois foi instantânea. O que era pra ser uma entrevista, acabou se transformando numa agradável conversa que se repetiria muitas vezes. O jornalista passou a ser freqüentador assíduo do bar de Hugo. Começaram a se encontrar também em outros lugares. Marcavam encontros na praia, caminhavam pelo calçadão, iam às livrarias e escolhiam juntos os livros que iriam ler. Um dia, numa conversa no apartamento do jornalista, Hugo revelou ser homossexual. Revelação que não causou espanto a Flávio, pois, esse, já havia percebido algo de “diferente” em Hugo. O que o deixou sem ação foi o fato de Hugo se declarar apaixonado por ele. Ana Rita já está na metade do caminho até o altar, o coração do jovem noivo está acelerado. Flávio resolveu se afastar de Hugo, porém, isso o deixou profundamente deprimido. Não entendia o porquê, mas sentia um desejo incontrolável de ir ao encontro de Hugo, tinha vergonha de admitir, mas no fundo, sabia que também estava apaixonado. Relutou muito, mas certo dia tomou a decisão de procurar seu amigo, lhe pediu desculpas pelo sumiço, disse que estava muito confuso. Explicou para Hugo que nunca havia sentido atração por nenhum homem antes. Os dois passaram a se encontrar ainda com mais freqüência, a ponto de Flávio sair de madrugada da casa de Ana Rita e ir direto para o bar do “amigo” e só sair de lá quando o sol já havia dado o ar da graça. Viviam um romance, estavam apaixonados, mas Flávio mantinha um sentimento de culpa, em parte por não compreender como pôde ter se apaixonado por um homem e continuar amando sua noiva e, principalmente, por não ter coragem de assumir esse relacionamento. Ana Rita chega ao altar. Flávio parece estar perdido em seus pensamentos, demora para esticar sua mão e receber a futura esposa. Ainda está se lembrando de tudo o que aconteceu, do dia em que chorando muito, explicou para Hugo que apesar de amá-lo, nunca poderia assumir esse relacionamento, faltava-lhe coragem para expor isso à sociedade e, particularmente, à sua noiva. Disse também que havia marcado a data do casamento e que por isso teriam que se afastar, dessa vez para sempre. O padre pergunta a Flávio se ele aceita Ana Rita como sua legítima esposa. Silêncio na igreja. Todos olham para o casal. O noivo vira-se para trás, olha para Hugo que continua de pé ao lado da porta. Hugo está chorando. Agora é a vez do olhar de Flávio se dirigir a Ana Rita e alguns segundos depois ao padre. O noivo finalmente responde. SIM. Hugo sai da igreja decidido a ir para casa, porém, resolve caminhar pelo calçadão, dessa vez sem a companhia de Flávio. Tira o paletó, afrouxa a gravata, respira fundo e caminha.

Elano Ribeiro Baptista





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