terça-feira, 29 de julho de 2008

Jesus Cristo a bordo

(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista eletrônica Cronicas Cariocas)



A tarde não era das mais quentes, nem das mais frias. Eu caminhava pela calçada, distraidamente – tenho andado tão distraído, mais do que normalmente sou, e pra piorar, comecei a falar sozinho –, quando um veículo passou ao meu lado. De dentro dele vinha um ruído perturbador. Não era instigante ou provocador. Era mesmo um som perturbador – funk, pancadão ou batidão, como queiram chamar os entendidos desse estilo musical(?) –, no sentido de: causar embaraço ou aborrecimento; causar atordoamento (Minidicionário Aurélio, 4ª edição).

Embaraçado, aborrecido ou atordoado, ficaram eu e mais algumas pessoas que transitavam próximos àquele veículo, que passava lentamente, por vezes parando, devido ao engarrafamento. Decidi que não iria olhar diretamente na direção do carro, para não dar muito crédito ao sujeito que, certamente, procurava chamar a atenção dos pedestres, ou em especial, das pedestres. Mas, estando eu de óculos escuros, espiei de “canto de olho” e observei o jovem que pilotava a sua máquina sonora disfarçada de automóvel. Uma mão no volante, um braço na porta, cabeça erguida e olhar de quem se achava o mais esperto, o melhor e o mais irresistível ser da espécie dos homo sapiens.

Havia, contudo, naquele carro, algo que me chamava mais a atenção do que o desagradável ruído sonoro que dele emanava, e a suposta “onisciência” de seu condutor. Um adesivo enorme, que cobria quase toda a largura do vidro traseiro. Numa letra bem desenhada, estava escrito: “Jesus Cristo a bordo”.

- “Jesus!” – disse eu em voz alta.

Lembrei-me de certa vez, em que ouvi Rubem Alves dizer que achava hilário certos dizeres estampados nos veículos, como por exemplo: “propriedade de Jesus”, “veículo rastreado por Jesus”, “Jesus está no volante”... O que Rubem Alves diria desse “Jesus Cristo a bordo”?

Foi inevitável que eu fizesse uma rápida análise da situação. Pensei em duas hipóteses:

1- Jesus Cristo estaria no banco do carona, com as mãos sobre o jovem motorista, clamando ao Pai Celestial, que colocasse um pouco de bom senso e também bom gosto, na cabeça daquele rapaz. Que o Pai, fizesse-o enxergar que existem por aí, ao alcance de todos, músicas de qualidade. E que, se a intenção dele era atrair os olhares das moças da cidade, ele poderia usar de outros meios, algo que não fosse tão... tão... pertubador. E, principalmente, que não “estampasse” ou exibisse o seu santo nome em vão.

2- Numa cena muito pouco provável, e até mesmo bizarra, Jesus estaria no banco do carona, usando um boné com a aba virada para o lado e uma calça larga, muito abaixo da linha da cintura. Para completar o improvável, estaria Ele se requebrando ao som do “proibidão”, na velocidade que exige um maior movimento e esforço dos músculos glúteos.

Antes que me acusem de heresia, deixo claro que tratei logo de espantar tais pensamentos da minha cabeça. Mas pedi a Jesus Cristo que, se ele realmente estivesse a bordo daquele veículo, que por misericórdia e amor aos ouvidos e olhos alheios, fizesse o favor convencer o jovem rapaz a levar rapidamente para a garagem o seu veículo (ou seria: a sua discoteca dos horrores?).

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