sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O amor na sua forma poética e cotidiana
(texto de Elano Ribeiro, publicado na revista "Cronicas Cariocas")

Como em toda história de amor, um dia eles se conheceram. A convivência diária os aproximou. Os dois se apaixonaram. Os dois deixaram de lado as diferenças de suas crenças. Os dois foram viver na mesma casa, e levaram consigo uma bagagem com muitos sonhos. Os dois sonhavam e se amavam. Os dois se fizeram três. Os dois dançavam na sala logo após o café da manhã ao som de Miles Davis, se abraçavam e se emocionavam. Os dois brincavam como se crianças fossem. Os dois dividiram tantos problemas que já não sabiam dizer quais foram os mais difíceis de superar. Os dois também já tiveram e têm suas muitas alegrias. Os dois têm dívidas, mas também têm a música que ele toca com seu violão. Os dois são tão cúmplices que isso fica claro até para um estranho. Os dois querem uma vida melhor, com direito a prazeres que vão além do sexo. Os dois ainda têm o sexo, mas até ele já ficou restrito a poucos sons e limitado a certos horários. Os dois ainda sonham muitos sonhos, mas já não compartilham dos mesmos sonhos.

Ele passou esses longos anos de união deixando claro para a esposa que a ama acima de qualquer suspeita, porém sente desejos por outras mulheres. Ela parecia aceitar tudo numa boa, afinal tem a cabeça aberta, é bonita e segura de si. Ele nunca a traiu, a não ser por uns papos na internet, mas isso ainda não ficou claro para ele se é traição ou não. Ela é mais velha, tem os pés no chão, mas não quer dizer que não seja uma sonhadora. Ele tem alma de adolescente, apesar de não ser, e é um sonhador nato. Ela é avessa ao mundo virtual, ou pelo menos passa essa impressão. Ele tem um perfil maneiro no Orkut e seu quadro de amigos virtuais é composto, em sua maioria, por lindas mulheres. Ela começa a rever seus conceitos de mulher liberal. Ele precisa mais do que nunca que a mulher reveja esses conceitos e se torne ainda mais liberal, mas pelo andar da carruagem isso é um tanto difícil. Ela começou a achar que ele está perdendo o interesse por ela, no seu rosto já há as marcas do tempo. Ele nunca disse não para uma noite de sexo com ela, mas não sei se o corpo que ele vislumbra é sempre o dela. Ela o enxerga como um super-homem. Ele tem certeza que é um super-homem. Ela parece viver presa no seu pequeno mundo de dona de casa. Ele viaja com facilidade através de sua poesia. Ela quer ser apenas a mulher de seu marido fiel. Ele quer andar sem destino com a mochila nas costas. Ela acha que a separação pode ser a melhor saída para se evitar mais sofrimentos. Ele quer continuar casado. Ela chora. Ele chora. Os dois se amam.

O texto poderia ser uma ficção, mas é realidade de um casamento. E quantos outros casais não vivem a mesma realidade? Eu participo desse teatro da vida real, compartilhando com ele suas dores, dúvidas e angústias. Mas também vislumbro suas esperanças, mesmo que ele não fale delas, ou talvez, nem mesmo saiba que elas ainda vivem em seu coração de poeta.

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