sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A hora que não chegou
(crônica de Elano Ribeiro, publicada na revista Crônicas Cariocas)

Nunca consegui “sair de cima do muro” e formar uma concreta e inabalável opinião quando o assunto em questão é a existência ou não de um ser divino. Já travei longas batalhas comigo mesmo, tentando chegar a uma conclusão, buscando encontrar respostas para os questionamentos que eu me fazia a respeito de Deus. O resultado dessas brigas internas sempre foi a constante e frustrante sensação de derrota, por não conseguir chegar à conclusão alguma.

Por conta disso, de uns tempos pra cá, resolvi não mais procurar por respostas. Decidi permanecer no alto do muro, apenas observando e ouvindo o que os outros têm a dizer sobre o assunto. E, apesar de ouvir certos absurdos, principalmente por parte daqueles que se dizem “crentes”, faço um esforço e mantenho-me calado, evitando as prováveis discussões. Quanto aos ateus, não os critico em hipótese alguma, pois posso compreender perfeitamente o porquê da total descrença.

Porém, tenho sido tendencioso a optar pela crença em algo superior. Afinal, é muito confortante acreditar que a vida não vai terminar “na próxima esquina”, e que, ao darmos o último suspiro, na verdade, estaremos iniciando uma nova jornada ao lado daqueles que amamos e que partiram desse mundo antes de nós. Como disse Ferreira Gullar (acho que foi ele mesmo que disse): “quem acredita em Deus tem metade dos seus problemas resolvidos”. Se um ateu convicto pensa assim, acho que o melhor que eu – um indeciso de carteirinha – tenho a fazer é colocar um pé do lado de lá do muro. Do lado dos que crêem. É claro que faço isso com certas ressalvas.

Entre essas ressalvas, está o fato de creditarem a Deus, o total controle sobre nossas vidas, inclusive o momento exato da nossa morte e, em que condições ela irá ocorrer. Quem nunca ouviu algo parecido com isso: “morreu porque chegou a sua hora”.

Num determinado dia da semana passada, por volta das doze horas, encontrei com uma grande amiga. Conversamos rapidamente. Nos despedimos combinando de continuarmos nosso papo num outro dia, com mais tempo. Fui para um lado, ela para o outro. Às quinze horas desse mesmo dia recebi a notícia de que essa minha amiga havia sido atropelada por um trem e faleceu. O que não faltou foram pessoas dizendo que a hora dela havia chegado. Ainda mais por causa da forma trágica e inusitada que se deu o terrível acontecimento.

Escutei, sem discutir. Mas em silêncio eu dizia para mim mesmo que, o que havia acontecido era exatamente o contrário. A hora dela não havia chegado: a hora dela ser feliz, pois, por mais que tudo esteja bem em nossas vidas, sempre existe uma felicidade a ser alcançada; a hora dela encontrar o verdadeiro amor; a hora dela ver seus sonhos realizados; a hora dela descansar (ela já estava aguardando a tão sonhada aposentadoria) depois de tantos anos de trabalho e dedicação à família.

Enfim, ela partiu – tomara que para um lugar melhor que esse. Mas não consigo acreditar que Deus já tivesse determinado que aquele dia fosse o último da vida de uma pessoa que tinha ainda tanto por fazer e para viver.

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