segunda-feira, 9 de abril de 2007

Júlia e Eu
(por Elano Ribeiro Baptista)

Eu sempre amei Júlia. Júlia sempre me amou. Sabia disso porque ela me olhava da mesma forma que eu olhava pra ela e nossos olhos tinham o mesmo brilho. Eu nunca havia me declarado pra ela, que por sua vez, nunca tinha se declarado pra mim. Conhecemos-nos na adolescência quando me mudei aqui pra Rua Dias Ferreira, no Leblon. Ela já morava num prédio em frente ao meu. Apesar de estudar em colégios diferentes, sempre nos víamos de manhã cedo. Primeiro foi só aquela troca de olhares, depois um “oi”, conversas mais demoradas, até que nos tornamos amigos. Tínhamos muitas coisas em comum, gostávamos de literatura, cinema e música popular brasileira. Não nos faltava assunto. Passamos a nos encontrar quase todos os dias na parte da tarde. Às vezes ficávamos horas na livraria Argumento, aqui perto de casa. Convenci meu pai a me matricular na mesma escola que Júlia estudava. Decidimos fazer faculdade de jornalismo. Porém, tivemos que seguir caminhos diferentes. Eu não consegui entrar para a universidade federal, então, passamos a nos ver muito pouco. Quase não tínhamos tempo pra conversar. Muito raramente nos falávamos por telefone. Senti certo desapontamento nos olhos de Júlia quando ela me viu de mãos dadas com uma outra garota aqui da rua. O mesmo sentimento que eu tive quando a vi beijando um outro rapaz. Falávamos-nos cada vez menos, mas, os olhares ainda eram aqueles de tempos atrás. Tempo que passou muito rápido para nós dois. Terminamos a faculdade no mesmo ano. Namoramos e casamos. Tivemos filhos que acabaram se tornando amigos. Hoje cedo eu estava parado na banca de jornal quando senti que alguém tocou em meu braço. Era Júlia.

– Acabei de me separar. Essa pode ser nossa última chance.

Fiquei calado, sem saber o que dizer. Júlia estava na minha frente me convidando para fazer algo que deveríamos ter feito há vinte anos atrás. Fui pra casa, arrumei minha mala e deixei um bilhete para minha esposa. Parecia estar cego e, estava mesmo. Mas, cego de amor. A adolescência estava novamente batendo na minha porta. Tomei o elevador e me encontrei com Júlia, também com uma mala nas mãos. Ficamos nos olhando por um longo tempo. Corações acelerados, corpos trêmulos, mãos frias e uma explosão de sentimentos. Fiz sinal para um táxi. Sentamos no banco de trás e finalmente nos beijamos. Foi um longo beijo, um beijo de vinte anos.

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