sexta-feira, 30 de novembro de 2007


O conto
(por Elano Ribeiro)

Se escrevo
Me escrevo
Me reescrevendo
Dentro de um conto
Que eu espero que
Alguém um dia conte
Como um conto contado
Mesmo que seja
No papel amassado
Como os amores mal terminados
Que insistem em ficar
Dentro dos corações
Daqueles que não têm
A coragem para de lá
Expulsa-los

E sendo eu um conto
Posso viver na fantasia
Ou na realidade
Se fantasia for
Serei minha alegria
Se realidade for
Serei minha dor
Se os dois eu for
Aí serei um conto completo
Um conto de amor
Com começo meio fim
Assim como são os amores

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Os meus livros de cabeceira
(por Elano Ribeiro)
“Os meus livros de cabeceira”. Gosto dessa expressão. Ela denota uma importância ainda maior aos exemplares postos ali, na mesinha ao lado da cama. Dá-se a impressão de que, além de divertir e informar, eles servem como uma espécie de luminária para as noites de insônia, ou então, como psicólogos, sempre em silêncio, esperando pelas confissões de seus leitores. Muitos nunca serão lidos, ficando apenas como peças de decoração empoeiradas. Como um amigo meu, que tem diversos exemplares em cima de uma mesa ao lado da cama, numa espécie de cabeceira improvisada, todos à espera que algum par de mãos caridosas venha folhear suas folhas já amareladas pelo tempo.

Eu tenho uma lista de livros que poderiam ocupar tranquilamente o posto de “meus livros de cabeceira”, como, por exemplo, “O ipê amarelo” – não me recordo o autor, mas foi um dos melhores presentes que meu pai me deu. Outro exemplar seria “Feliz ano velho”, do escritor Marcelo Rubens Paiva. O maravilhoso romance desse grande escritor serviu para firmar minha paixão pela literatura.

Curiosamente, eu não tenho nenhum desses dois livros. O primeiro se perdeu ao longo do tempo, infelizmente. O segundo, era um volume emprestado de uma biblioteca municipal. Confesso que fiquei com uma vontade danada de não devolver “Feliz ano velho”, mas isso seria uma injustiça com outros leitores que ficariam sem conhecer essa grande obra literária.

Não ter esses dois livros, que foram tão importantes na minha vida, não faz diferença alguma pra minha mesinha de cabeceira. Afinal, eu também não possuo uma mesa na cabeceira da minha cama. Esse objeto de decoração está presente no meu dia-a-dia, apenas de forma imaginária. E, nesse objeto imaginado, estão amontoados algumas dezenas de livros – todos eles lidos. Depois do final da minha adolescência na companhia do livro de Marcelo Rubens Paiva, vieram outros tantos companheiros que estiveram ao meu lado nos momentos de solidão, alegria e reflexão. Desde o instigante “Morangos mofados” de Caio Fernando Abreu; algumas passagens rápidas pelo universo de Jorge Amado, em especial “Capitães de areia”; o sempre atual e realista “Não verás país nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão; alguns passeios pelas emocionantes e divertidas crônicas de Rubem Alves; até me deparar com os sempre perfeitos textos de Martha Medeiros.

Recentemente, os livros da escritora gaúcha Martha Medeiros, ocupavam o topo da minha imaginária mesa de cabeceira. Até que eu descobri “O filho eterno” do catarinense Cristovão Tezza. O romance baseado em acontecimentos autobiográficos me emocionou desde o momento em que li sua crítica, escrita por André Nigri, na revista Bravo! E, querem saber mais? Ao ler a “orelha” do livro de Cristovão Tezza, eu chorei sentado no banco de uma rodoviária. Por tudo isso, e muito mais, “O filho eterno” está lá, sempre ao meu lado, como um soberano na minha imaginária mesa de cabeceira.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Duas Vidas
(por Andrea Rodrigues Duarte - Dea. Para conhecer outros trabalhos dessa escritora acesse o link do blog Palavra Dita que se encontra nesse blog)

A garota.
Assustada, acuada e muitas
vezes calada.
Guarda
Uma mulher.
Ardente, contente e muitas vezes
inconseqüente.
A garota.
Perdida, sozinha,
conseqüentemente
desiludida.
Cultiva
Uma mulher.
Sonhadora, criativa e por
vezes assanhada.
A garota.
Insegura, chateada e cheia de medo.
Revela
Uma mulher.
Determinada, ousada e cheia de vida.
Quando a mulher se encontra se descobre.
Inesperadamente se depara com o
destino que a venda os olhos.
E a leva para outro lugar.
Então assistimos angustiados novamente
ao drama da tal garota perdida em si
mesma.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma terrível solidão
(artigo de Elano Ribeiro, publicado no jornal "O Jornal de Goiás")

“...De repente, não mais que de repente/Fez-se de triste o que se fez amante/E de sozinho o que se fez contente/Fez-se do amigo próximo o distante/Fez-se da vida uma aventura errante/De repente, não mais que de repente.” (Vinicius de Morais)
Provavelmente, a pior solidão é aquela que se sente estando junto de alguém. Dividi-se o mesmo teto, a mesma cama, mas os interesses já não são os mesmos, as conversas amenas e cúmplices há muito abriram espaço ao silêncio ou ao barulho da Tv que o afasta. A “solidão a dois” nem de longe sinaliza que vai abrindo marcas profundas em quem a vivencia. É um monstro invisível que mina o amor sem fazer alarde. Atua discretamente, ganhando terreno enquanto deixa seus rastros manifestos pela sensação de desamor, complexos de inferioridade, insegurança, vazio e ausência de algo que não se pode definir. Também lentamente surge a angústia que brota da percepção de que mesmo usufruindo um relacionamento, não foi possível afastar a solidão. Instala-se na vida, de um ou de ambos, uma terrível ansiedade e total desconforto ao estar com o outro, que ocupa um espaço sem se fazer presente.De acordo com a terapeuta de casais Margareth Labat, relacionamentos que agonizam com o problema da solidão a dois são extremamente comuns, e nascem debaixo dos olhos vendados do casal. Ela afirma que quem decide encarar o problema, termina sempre por reconhecer que já havia algo errado na relação, cujos sinais foram calados ou desprezados. É justamente o acumulo de feridas, rancores e mágoas, que mina a cumplicidade e o afeto.Também o psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo, afirma que a solidão a dois pode ser vista como resultado de uma espécie de teste sobre o que mais sentimos ao lado de alguém: ansiedade, desejo de fuga, desprezo ou rejeição. A armadilha não é a exposição constante perante tais sentimentos negativos, e sim a incessante negação dos mesmos. Todo casal deve estar ciente de que uma relação será uma eterna dualidade ou um conflito de opostos, nunca um prazer linear. A busca histórica da beleza se encaixa neste contexto, pois tem a função de entorpecer a própria pessoa, transformando-a num objeto, desviando da introspecção diária sobre as dificuldades lidar com nossos sentimentos. Uma atitude amorosa implica em pensarmos sobre o que devemos doar ao outro; sobre suas necessidades perante seu histórico de vida, seus desejos acumulados e frustrações.Impossível será estabelecer uma relação de troca quando não se considera a necessidade do outro.
PORQUE SURGE A SOLIDÃO A DOIS?

Na maioria dos casos ela surge da ausência da busca pelo diálogo entre o casal, pela incompreensão de que o relacionamento não é um jogo de interesses, que não implica em dominação e conseqüente servidão, mas exige absoluta igualdade, seja de comportamento, seja de sentimentos, entre os parceiros. Haverá também momentos de discordância, em que umas das partes terá que ceder e lembrar-se que o casamento ou qualquer relação em que se divide diariamente o mesmo ambiente, pressupõe abertura para concessões bilaterais. Se nas divergências apenas um cede à vontade do outro, a relação começa a assumir formas de opressão.Aquele que pensa e age de forma egoísta, considerando-se o centro do universo ou detentor da vontade mais sábia, apresenta um modelo tipicamente narcisista e transforma a relação num ato doentio e asfixiante.É natural que alguém se decida a viver egoisticamente. Anti-natural é que alguém se proponha a submeter-se. Viver junto, ao lado, não significa viver uma só vida.Somente o prazer de compartilhar momentos agradáveis é capaz de manter voluntariamente uma união quando a paixão se arrefece, o que é inevitável.A psicóloga Lúcia Seabra define bem este momento: “É o problema do fim da paixão. No começo de um relacionamento, quando o casal está motivado pela paixão, não existe tédio. Todas as estórias são inéditas, e o processo de descoberta e conhecimento do outro torna o diálogo envolvente, gerando uma aproximação natural e não planejada. Mas as pessoas se transformam com o passar dos anos. Se um não acompanhar o desenvolvimento do outro, pode passar a não mais compreendê-lo, e a corda começa a ser puxada para lados opostos. O desequilíbrio dessas tensões normalmente determina o fim do relacionamento. Descobre-se muito tarde estar vivendo ao lado de uma pessoa completamente diferente de si mesmo, levando-os a se tornarem duas ilhas emersas sobre a solidão. O desafio seria tentar redescobrir a pessoa que está do outro lado da cama ou da mesa. Mas essa redescoberta tem que ser bilateral – não se pode haver um sacrifício desmedido apenas de uma das partes.”
POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Um casal que se propõe a conversar sobre os problemas que surgem na relação, sem o receio de expor ao parceiro ou parceira suas angustias, dúvidas, expectativas e questionamentos, reúne mais possibilidades de obter sucesso na reversão do distanciamento. No entanto, quando a disposição parte de um único lado, a tendência é aumentar ainda mais a distância, já que o outro tomará a tentativa de diálogo como uma repetição de queixas inúteis. Nem todos os problemas e insatisfações podem ser atribuídos ou resolvidos pela via do casal.Não raro, o silêncio surge da ausência de vida de uma das partes que permite transformar-se na sombra do outro, vivendo das sobras de uma história que não lhe pertence. O que haverá para compartilhar numa pessoa que transforma seus dias numa sucessão de situações tediosas? O que de novo haverá para apresentar ao outro? Dificilmente se encontra quem esteja disposto a receber metade da carga de desânimo e infelicidade de alguém, incessantemente. Pessoas interessantes são aquelas que realizam atividades interessantes. Quando se permite que o tédio invada a vida de um dos membros do casal, fatalmente ele contaminará a ambos, além da relação. Viva para que possa compartilhar vida.Experimente atividades prazerosas para compartilhar o prazer. Construa interesses alheios à relação para enriquecer com eles o cotidiano da vida em comum. Experimente comparar o tempo de permanência dos presentes nos velórios e nas festas de casamento. No primeiro caso, uma passadinha rápida parece suficiente. Já nas festas agradáveis, mal se nota o passar do tempo. Quem é você?Um velório ou uma festa? Provavelmente nenhum dos dois. Provavelmente você se situa nos dois lados com alguma freqüência e variação de intensidade, e isto o torna uma pessoa saudável e normal. Mas se você é “velório” com muita constância, não se admire se todas as suas relações se deteriorarem. Antes mesmo de você.Também a solidão é natural da vida, pode ser usufruída com prazer ou dor. A idéia, tão valorizada e difundida pelo amor romântico, de que devemos buscar um parceiro que nos complete, apenas contribui para que não enxerguemos o óbvio: a solidão é uma das nossas características existenciais. Aceitar isso talvez seja o primeiro passo para relacionamentos amorosos mais ricos e criativos, longe da expectativa de que o outro nos livre da condição de seres solitários. Os maiores prazeres encontram-se nas atividades mais inocentes. Exercite-os. Assim você irá inserir novos elementos no cotidiano seu e do casal.
DEPOIMENTOS

“Sempre tive muito medo da solidão. Esse pavor de chegar à velhice sozinho me acompanha desde os tempos de adolescente. O resultado foi uma catástrofe na minha vida e na vida de quem eu escolhi para viver comigo e que, diariamente, eu dizia amar. Me casei muito cedo, com apenas vinte e três anos de idade. No começo achei que tinha feito a opção certa. Estava ao lado de uma mulher bonita, inteligente e que me dava muito amor. Erroneamente enxergava nela a solução para todos os meus problemas. Com o passar do tempo, comecei a perceber que eu não era realmente uma pessoa feliz. Passei a me sentir só, mesmo tendo uma companhia dentro de casa. As nossas diferenças vieram à tona. Eu não conseguia mais conversar com ela, não conseguia entender seus questionamentos e não tinha paciência para ouvir suas queixas em relação ao nosso casamento. Quem tomou a decisão da separação foi ela. No começo eu não queria e cheguei a sugerir várias vezes que nós tentássemos alguma coisa para manter a relação. Mas, felizmente, ela manteve sua decisão. Hoje vejo que foi a atitude mais sensata, nós dois fomos beneficiados com a separação. Continuo tento medo da solidão, mas aprendi que o simples fato de ter alguém ao meu lado não é garantia para uma vida feliz . Procuro, ao contrário, alguém para compartilhar minhas alegrias, e não para me concedê-las.” (A. 28 anos).

quarta-feira, 7 de novembro de 2007


Gente com medo de gente
(por Elano Ribeiro)

Aqueles que me dão o prazer de suas leituras a cada quinze dias, aqui no Crônicas Cariocas, já sabem que eu moro numa pequena cidade do interior do Rio de Janeiro, pois já revelei isso nesse democrático espaço, pelo menos umas duas vezes. Pequena mesmo. Talvez, todos os bairros do município do Rio de Janeiro tenham mais moradores que em Mendes, meu “esconderijo” desde sempre.

Mas, dias atrás, devido a um desagradável compromisso de trabalho, tive que ir à capital da cidade maravilhosa, que continua e sempre será linda. Andando lá pelas bandas do Centro, próximo à Candelária, senti que precisava de uma informação para conseguir chegar ao local onde eu tinha hora marcada. A quem perguntar? Ao jovem que vinha de encontro a mim, é lógico. Sujeito boa pinta, terno e gravata, passos firmes e olhar sempre adiante. Tive a certeza: “esse é o cara que vai me ajudar”. Estiquei a mão em sua direção, como querendo dizer: “hei, você pode me dar um minuto de sua atenção, é que preciso de uma informação...” Mas, apenas tive tempo de dizer: “por favor, você....” O jovem rapaz nem nos meus olhos olhou. Ele simplesmente me ignorou. Era como se eu não existisse. E, lá se foi ele com seus passos certeiros. Provavelmente, ele pensou: “o que esse cara de camisa de malha, calça jeans e tênis All Star pode estar querendo falar comigo? Só pode ser merda. Ele vai me assaltar ou pedir dinheiro”.

Eu fiquei parado, com “cara de tacho”, meio que sem saber o que fazer com tal reação. Sinceramente, não esperava uma atitude daquelas. Será que isso é comum nas grandes cidades? Não. Não a nada de comum. O que existe hoje em dia é o medo. Gente com medo de gente. E, posso apostar que isso não é “privilégio” dos moradores das metrópoles urbanas. Até mesmo no interior, as pessoas andam amedrontadas. E o que causa mais medo nas pessoas, são as outras pessoas.

Já vai longe o tempo em que, aqui mesmo na minha pequena cidade, atendíamos com paciência e atenção a todos que batiam em nossa porta, solicitando qualquer tipo de ajuda. Hoje olhamos, primeiramente, com muito cuidado através da porta entreaberta. Analisamos a pessoa que está lá fora, para só então decidirmos se vamos atendê-la ou não.

Sinal dos tempos modernos. Não confiamos (ou não podemos confiar) em mais ninguém. Temos medo de quase tudo que se move a nossa volta. Vivemos em total estado de alerta, esperando sempre pelo pior. Quase nunca passa pelas nossas cabeças que uma pessoa que lhe estende a mão pode estar mesmo precisando de ajuda. Como eu, naquele dia lá no Centro do Rio. Mão estendida ao vento, e a triste constatação de que a maioria das pessoas só se sente segura dentro de seu próprio mundo (apartamentos, casas, grupo de amigos...). Fora deles todos são suspeitos, até que se prove o contrário.