terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma terrível solidão
(artigo de Elano Ribeiro, publicado no jornal "O Jornal de Goiás")

“...De repente, não mais que de repente/Fez-se de triste o que se fez amante/E de sozinho o que se fez contente/Fez-se do amigo próximo o distante/Fez-se da vida uma aventura errante/De repente, não mais que de repente.” (Vinicius de Morais)
Provavelmente, a pior solidão é aquela que se sente estando junto de alguém. Dividi-se o mesmo teto, a mesma cama, mas os interesses já não são os mesmos, as conversas amenas e cúmplices há muito abriram espaço ao silêncio ou ao barulho da Tv que o afasta. A “solidão a dois” nem de longe sinaliza que vai abrindo marcas profundas em quem a vivencia. É um monstro invisível que mina o amor sem fazer alarde. Atua discretamente, ganhando terreno enquanto deixa seus rastros manifestos pela sensação de desamor, complexos de inferioridade, insegurança, vazio e ausência de algo que não se pode definir. Também lentamente surge a angústia que brota da percepção de que mesmo usufruindo um relacionamento, não foi possível afastar a solidão. Instala-se na vida, de um ou de ambos, uma terrível ansiedade e total desconforto ao estar com o outro, que ocupa um espaço sem se fazer presente.De acordo com a terapeuta de casais Margareth Labat, relacionamentos que agonizam com o problema da solidão a dois são extremamente comuns, e nascem debaixo dos olhos vendados do casal. Ela afirma que quem decide encarar o problema, termina sempre por reconhecer que já havia algo errado na relação, cujos sinais foram calados ou desprezados. É justamente o acumulo de feridas, rancores e mágoas, que mina a cumplicidade e o afeto.Também o psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo, afirma que a solidão a dois pode ser vista como resultado de uma espécie de teste sobre o que mais sentimos ao lado de alguém: ansiedade, desejo de fuga, desprezo ou rejeição. A armadilha não é a exposição constante perante tais sentimentos negativos, e sim a incessante negação dos mesmos. Todo casal deve estar ciente de que uma relação será uma eterna dualidade ou um conflito de opostos, nunca um prazer linear. A busca histórica da beleza se encaixa neste contexto, pois tem a função de entorpecer a própria pessoa, transformando-a num objeto, desviando da introspecção diária sobre as dificuldades lidar com nossos sentimentos. Uma atitude amorosa implica em pensarmos sobre o que devemos doar ao outro; sobre suas necessidades perante seu histórico de vida, seus desejos acumulados e frustrações.Impossível será estabelecer uma relação de troca quando não se considera a necessidade do outro.
PORQUE SURGE A SOLIDÃO A DOIS?

Na maioria dos casos ela surge da ausência da busca pelo diálogo entre o casal, pela incompreensão de que o relacionamento não é um jogo de interesses, que não implica em dominação e conseqüente servidão, mas exige absoluta igualdade, seja de comportamento, seja de sentimentos, entre os parceiros. Haverá também momentos de discordância, em que umas das partes terá que ceder e lembrar-se que o casamento ou qualquer relação em que se divide diariamente o mesmo ambiente, pressupõe abertura para concessões bilaterais. Se nas divergências apenas um cede à vontade do outro, a relação começa a assumir formas de opressão.Aquele que pensa e age de forma egoísta, considerando-se o centro do universo ou detentor da vontade mais sábia, apresenta um modelo tipicamente narcisista e transforma a relação num ato doentio e asfixiante.É natural que alguém se decida a viver egoisticamente. Anti-natural é que alguém se proponha a submeter-se. Viver junto, ao lado, não significa viver uma só vida.Somente o prazer de compartilhar momentos agradáveis é capaz de manter voluntariamente uma união quando a paixão se arrefece, o que é inevitável.A psicóloga Lúcia Seabra define bem este momento: “É o problema do fim da paixão. No começo de um relacionamento, quando o casal está motivado pela paixão, não existe tédio. Todas as estórias são inéditas, e o processo de descoberta e conhecimento do outro torna o diálogo envolvente, gerando uma aproximação natural e não planejada. Mas as pessoas se transformam com o passar dos anos. Se um não acompanhar o desenvolvimento do outro, pode passar a não mais compreendê-lo, e a corda começa a ser puxada para lados opostos. O desequilíbrio dessas tensões normalmente determina o fim do relacionamento. Descobre-se muito tarde estar vivendo ao lado de uma pessoa completamente diferente de si mesmo, levando-os a se tornarem duas ilhas emersas sobre a solidão. O desafio seria tentar redescobrir a pessoa que está do outro lado da cama ou da mesa. Mas essa redescoberta tem que ser bilateral – não se pode haver um sacrifício desmedido apenas de uma das partes.”
POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Um casal que se propõe a conversar sobre os problemas que surgem na relação, sem o receio de expor ao parceiro ou parceira suas angustias, dúvidas, expectativas e questionamentos, reúne mais possibilidades de obter sucesso na reversão do distanciamento. No entanto, quando a disposição parte de um único lado, a tendência é aumentar ainda mais a distância, já que o outro tomará a tentativa de diálogo como uma repetição de queixas inúteis. Nem todos os problemas e insatisfações podem ser atribuídos ou resolvidos pela via do casal.Não raro, o silêncio surge da ausência de vida de uma das partes que permite transformar-se na sombra do outro, vivendo das sobras de uma história que não lhe pertence. O que haverá para compartilhar numa pessoa que transforma seus dias numa sucessão de situações tediosas? O que de novo haverá para apresentar ao outro? Dificilmente se encontra quem esteja disposto a receber metade da carga de desânimo e infelicidade de alguém, incessantemente. Pessoas interessantes são aquelas que realizam atividades interessantes. Quando se permite que o tédio invada a vida de um dos membros do casal, fatalmente ele contaminará a ambos, além da relação. Viva para que possa compartilhar vida.Experimente atividades prazerosas para compartilhar o prazer. Construa interesses alheios à relação para enriquecer com eles o cotidiano da vida em comum. Experimente comparar o tempo de permanência dos presentes nos velórios e nas festas de casamento. No primeiro caso, uma passadinha rápida parece suficiente. Já nas festas agradáveis, mal se nota o passar do tempo. Quem é você?Um velório ou uma festa? Provavelmente nenhum dos dois. Provavelmente você se situa nos dois lados com alguma freqüência e variação de intensidade, e isto o torna uma pessoa saudável e normal. Mas se você é “velório” com muita constância, não se admire se todas as suas relações se deteriorarem. Antes mesmo de você.Também a solidão é natural da vida, pode ser usufruída com prazer ou dor. A idéia, tão valorizada e difundida pelo amor romântico, de que devemos buscar um parceiro que nos complete, apenas contribui para que não enxerguemos o óbvio: a solidão é uma das nossas características existenciais. Aceitar isso talvez seja o primeiro passo para relacionamentos amorosos mais ricos e criativos, longe da expectativa de que o outro nos livre da condição de seres solitários. Os maiores prazeres encontram-se nas atividades mais inocentes. Exercite-os. Assim você irá inserir novos elementos no cotidiano seu e do casal.
DEPOIMENTOS

“Sempre tive muito medo da solidão. Esse pavor de chegar à velhice sozinho me acompanha desde os tempos de adolescente. O resultado foi uma catástrofe na minha vida e na vida de quem eu escolhi para viver comigo e que, diariamente, eu dizia amar. Me casei muito cedo, com apenas vinte e três anos de idade. No começo achei que tinha feito a opção certa. Estava ao lado de uma mulher bonita, inteligente e que me dava muito amor. Erroneamente enxergava nela a solução para todos os meus problemas. Com o passar do tempo, comecei a perceber que eu não era realmente uma pessoa feliz. Passei a me sentir só, mesmo tendo uma companhia dentro de casa. As nossas diferenças vieram à tona. Eu não conseguia mais conversar com ela, não conseguia entender seus questionamentos e não tinha paciência para ouvir suas queixas em relação ao nosso casamento. Quem tomou a decisão da separação foi ela. No começo eu não queria e cheguei a sugerir várias vezes que nós tentássemos alguma coisa para manter a relação. Mas, felizmente, ela manteve sua decisão. Hoje vejo que foi a atitude mais sensata, nós dois fomos beneficiados com a separação. Continuo tento medo da solidão, mas aprendi que o simples fato de ter alguém ao meu lado não é garantia para uma vida feliz . Procuro, ao contrário, alguém para compartilhar minhas alegrias, e não para me concedê-las.” (A. 28 anos).

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