quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Perspectivas
(por Elano Ribeiro)

Ele resolveu subir até o ponto mais alto do morro para esperar a passagem do ano novo. Sempre se sentiu e viveu muito só – talvez tenha escolhido viver assim –, então, de acordo com seu modo prático de ver as coisas, não havia sentido algum procurar por outras pessoas, mesmo nessas datas festivas. Cresceu somente na companhia da mãe. Seu pai era alguém desconhecido, que algum dia ele até teve interesse em conhecer, mas com o passar do tempo concluiu que sua vida não seria melhor com ele. Poderia – pelo pouco que ouviu falar sobre o “pai oculto” – ser até pior do que já era.

Lá do alto, ele tinha uma visão privilegiada da praia. Observava todo o movimento festivo e o colorido das luzes de fim de ano. Na sua solidão, ficava imaginando o que as pessoas estariam fazendo naquele momento lá embaixo, na praia ou nos apartamentos de luxo, que graças à geografia da cidade, se misturavam com os barracos e as casas mal acabadas das favelas, inclusive a da dele. O que aquelas “pessoas do asfalto” estariam esperando para o ano que se aproximava? Quais eram as perspectivas deles? – questionava o solitário rapaz.

Ele próprio não pensava em criar perspectivas. Há muito decidira viver um dia de cada vez, sem se importar com o futuro. Futuro que parecia cada vez mais incerto. Vivia de bicos. Emprego fixo só teve um. Foi demitido devido aos quatro dias que precisou faltar por causa da guerra entre traficantes rivais da favela onde morava. A ordem dos chefões era: ninguém entra, ninguém sai. Conseguiu, não sabe como, terminar o ensino médio. Vinha lutando com todas as suas forças para não aceitar as ofertas de “trabalho fácil” que recebia dos “caras” lá do morro. Mas admitia para si próprio quando se olhava no espelho, que cada vez mais se sentia tentado a ir para aquela vida de dinheiro fácil. E, pelo que sabia, não era pouco dinheiro. Dinheiro que traria conforto para ele e para sua mãe. Dinheiro que lhe possibilitaria descer lá para o asfalto e olhar as pessoas de frente, com certa sensação de poder que nunca sentiu antes. Dinheiro que vinha de algumas daquelas pessoas que estavam lá embaixo comemorando a chegada de um ano novo, que certamente, para elas, viria cheio de perspectivas.

Pessoas como a bela e fútil moça da classe média, que naquele mesmo instante, dançava numa ampla cobertura de frente para a praia rodeada de amigos. Solidão não era com ela. Descobriu ainda na infância que amigos se conquistam, mas também se compram, mesmo que não seja uma amizade verdadeira. O que importa, e sempre importou, é não ficar só. Ser cultuada e paparicada, isso sim era o que importava para a jovem moça que sempre teve o que quis, na hora que bem entendesse. Sinal dos tempos modernos. Os pais, em troca dos carinhos e da atenção que não podem dar, devido à vida muito corrida, entregam aos seus filhos todos os bens materiais possíveis, como uma forma de compensação.

Lá de baixo, a última coisa que passa por sua cabeça é ter algum interesse no que aqueles que moram nos morros que cercam sua vida de luxo podem estar pensando. Para que, afinal de contas, ela vai se preocupar se eles têm alguma perspectiva para o próximo ano? Ela tem. Ela quer voltar aos Estado Unidos para fazer compras; quer ganhar um carro novo de seu pai – sempre tão atarefado e ocupado com seu trabalho –; quer ficar com os carinhas que a turma considera os mais belos; quer fazer uma pequena plástica no nariz, para deixá-lo ainda mais empinado.

A vida da moça fútil da classe média e do rapaz solitário lá do morro, só se esbarram quando ela resolve “fazer a cabeça” para incrementar a balada, usando um “inocente” baseado. Cigarrinho artesanal vendido pelos mesmos “caras” que tanto querem “ajudar” o rapaz, oferecendo a ele um “trabalho fácil” e rentável.

Meia noite. Explodem os fogos de artifício, as rolhas de champanhe e os gritos das pessoas esperançosas pela chegada de um ano que há de ser melhor do que o que foi embora. A moça da classe média chama os amigos para continuarem a noitada em alguma boate feita para os ricos da cidade. Ela ainda não sabe, mas muito em breve irá sofrer ao descobrir que deseja muito um verdadeiro amor, mas nem todo o seu dinheiro poderá comprá-lo.

Ele, lá do ponto mais alto do morro, resolve que é melhor ir para casa e dormir. Seria bom não encontrar com ninguém pelo caminho e ter de desejar “feliz ano novo”. Ele ainda não sabe, mas quando acordar, depois de uma noite mal dormida, em que tentou resolver o que fazer da sua vida a partir daquele dia, irá se deparar com os lindos olhos de uma linda moça – nem um pouco fútil – que acabara de se mudar para a sua rua. Ele finalmente encontrará naqueles olhos verdes um motivo para supor que o futuro pode não ser tão incerto quanto supunha ser. O Amor trará ao jovem rapaz através da bela moça, uma perspectiva de vida, não só para o ano que se inicia, mas como para todos os outros anos de sua longa vida.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Uma pretensa crônica para encerrar 2007
(por Elano Ribeiro - publicada na revista Crônicas Cariocas)


Esse texto deveria ser a minha última crônica de 2007. Digo, deveria, porque não sei se o que vai sair daqui poderá ser chamado de crônica. O problema não é a falta de assunto. Acontece que tudo o que começo a escrever não passa do primeiro ou segundo parágrafo. Parece que os textos ganharam vida própria e estão me dizendo: “não adianta, você não vai conseguir nos levar até o fim”.

Tudo bem, então. Resignadamente, descubro que as letras são muito mais fortes e determinadas do que eu, portanto, vou deixá-las à vontade para se colocarem como quiser nessa “folha de papel”. Sendo assim, estou me isentando de toda a responsabilidade pelo o que os senhores possam vir a ler aqui.

Comecei um texto sobre o meu desejo de chegar aos cem anos, como o grande arquiteto Oscar Niemeyer, mas desisti assim que me dei conta de que já estava falando em fraldas geriátricas. E o que é que Niemeyer tem a ver com fraldas geriátricas? Absolutamente nada, não é. As letras já estavam preparando uma armadilha para mim, e por muito pouco eu não caio nela.

Quando pensei em falar do ano que está findando, achei ter encontrado o tema perfeito. Pura bobagem. O texto estava tão sentimental que nem mesmo eu estava suportando. Só uma coisa nele estava interessante: a citação de um trecho de uma crônica (infelizmente eu não me recordo o nome do autor, agora) que diz que sempre devemos achar um motivo para que o nosso dia tenha valido a pena. Segundo o autor, pode ser algo grandioso, como a realização de um projeto. Ou, também, pode ser algo corriqueiro, sem muita importância, mas que faz o nosso dia valer a pena.

A lembrança da crônica cujo autor eu não me recordo o nome, surgiu por causa da pergunta de um grande amigo: “o ano de 2007 foi bom para você?”. Assim como devemos achar motivos para que o nosso dia tenha sido bom, acho que o mesmo deve ser feito com relação ao ano inteiro. E, somando os prós e os contras e tentando fazer com que os problemas – eles existem, é claro – pareça algo sem muita importância, posso dizer que o meu saldo em 2007 vai terminar pra lá de positivo. E o melhor de todos os créditos deve-se a chegada do meu filho João Pedro – desculpem caros leitores, mas eu não poderia encerrar o ano sem falar no meu filho.

Bom, já tenho quase uma página inteira escrita. Falta pouco, vamos lá! Onde estão minha criatividade e imaginação? Nossa! Agora é que estou me dando conta de uma coisa: como pode alguém chegar aos cem anos fazendo um trabalho que exige muita criatividade? Niemeyer deve ser mesmo um cara e tanto. Talvez se eu conseguir chegar aos setenta com idéias para escrever um romance já seja um grande lucro. Farei o seguinte: vou encerrar está pretensa crônica e ir até a cozinha tomar minha dose diária de carbamazepina. A vocês que ficam, um feliz Natal e até 2008.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007


Um conto de Natal

(por Elano Ribeiro)

Não podia ser verdade. Justamente no Natal em que João Pedro mais precisaria da ajuda de Papai Noel, vinham seus colegas da escola com essa história de que o bom velhinho não passa de uma invenção dos adultos. O pobre menino, que já contava com a ajuda de Papai Noel para ganhar seu mais valioso presente – algo que, até então, nunca havia pedido –, chegou em casa aos prantos:

- Mãe, é verdade que Papai Noel não existe?
- Quem foi que te disse isso meu filho? – Perguntou a mãe, já abraçada ao menino.
- Foram alguns colegas meus lá da escola mãe. Eles começaram a rir de mim quando descobriram, dentro da minha mochila, uma carta endereçada ao pólo norte.
- E o que estava escrito nessa carta, João Pedro?
- Ora, mamãe, o que mais podia ser? Meu pedido de presente ao Papai Noel.

A mãe da jovem e inocente criança pensou por um tempo, antes de responder a pergunta do filho, sobre a existência ou não de Papai Noel. Até que, supôs, corretamente, ter achado a resposta certa.

- João Pedro, meu filho! Preste bem a atenção no que vou lhe dizer: Papai Noel existe para quem acredita nele. Ele está dentro de nossos corações.

O menino se sentiu mais aliviado com as palavras de sua mãe, pessoa em que ele confiava plenamente.

- E eu posso saber qual foi o presente que você pediu esse ano?
- Pode, sim. Eu pedi que Papai Noel tenha uma conversa com o papai e peça para ele parar de beber. Assim, todos nós ficaríamos felizes e poderíamos viver novamente em paz.

A mãe de João Pedro, com os olhos cheios d’água disse ao menino:

- Meu filho, peça seu presente com muita fé. Eu tenho certeza que Papai Noel fará o possível e o impossível para lhe atender.

Há mais ou menos três anos a família vinha sofrendo com o alcoolismo do pai de João Pedro. Ele começou a beber todos os dias. Aparentemente, sem nenhum motivo. Diariamente o menino assistia as brigas entre seus pais. Todas elas provocadas pelo terrível e destruidor vício a que seu pai havia se entregado.

Apesar de muito jovem, João Pedro sabia que se seu pai continuasse a beber, em pouco tempo o casamento de seus pais iria acabar. O pobre menino se desesperava cada vez que imaginava essa possibilidade, além de sofrer muito, por ver sua mãe angustiada, sempre que seu pai demorava um pouco mais para chegar em casa. Mãe e filho sabiam, perfeitamente, que a demora do pai em voltar para o lar significava que ele estava em algum bar se embriagando.
No último dia de aula, ao sair da escola, João Pedro foi direto para a agência dos correios. Resolveu seguir o conselho de sua mãe e enviou a carta para Papai Noel, confiante de que o bom velhinho iria atender ao seu pedido.

Na noite de natal, João Pedro e seus pais sentaram-se à mesa. Por causa do problema de seu pai com a bebida, há muito os familiares haviam se afastado. E, em conseqüência disto, as noites de natal que até então eram sempre de muita festa, com toda a família reunida, passaram a ser apenas um jantar para pai, mãe e filho.

João Pedro percebeu algo de diferente na mesa. Para a sua surpresa e de sua mãe, não havia nenhuma garrafa de vinho ou qualquer outra bebida alcoólica. Pensou em fazer um comentário a respeito, mas resolveu ficar em silêncio. Afinal, seu pai podia ter esquecido de colocar as bebidas sobre a mesa, e não seria ele quem iria lembrá-lo.

Para uma surpresa ainda maior, o pai sugeriu que antes de iniciar a ceia, fosse feita uma oração. Logo após ele se pôs a falar:

- Meu filho e minha esposa. Eu gostaria de dizer a vocês que, a partir de hoje, eu vou fazer de tudo, vou usar de todas as minhas forças para nunca mais colocar uma dose de álcool na boca. Também gostaria de pedir perdão a vocês, em especial a você, minha adorável esposa, que tem suportado todos os problemas causados por mim e por esse vício maldito.

Nesse momento, mãe e filho levantaram da mesa e se juntaram ao pai, num abraço longo e emocionado.

Quando João Pedro foi dormir, lembrou de agradecer ao Papai Noel:

- Papai Noel, eu sei que o senhor só costuma entrar nas casas das pessoas para deixar os presentes, quando já é bem de madrugada. Mas, por algum motivo, você esteve aqui na minha casa um pouco mais cedo. Apesar de não ter lhe visto, agora, mais do que nunca, tenho a certeza da sua existência.

E, continuou...

- Mamãe estava certa quando me disse que o Papai Noel existe para quem acredita. Ele está em nossos corações. Eu acreditei. E Papai Noel me trouxe o melhor presente da minha vida: ele reconstruiu minha família.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Por favor: não impliquem com a minha cerveja sem álcool (afinal ela é "Cool")
(por Elano Ribeiro)




Sou daqueles que sempre levam prejuízo quando compra um jornal. Isso porque, normalmente, leio somente uma ou outra parte dele. Deixo de lado tudo o que diz respeito à política, economia, classificados, página policial (nada disso hoje em dia me faz perder tempo – pode, quem quiser, me chamar de alienado. Eu não ligo) e vou direto às páginas de comportamento, cultura, segundos cadernos e, às vezes, dou uma passadinha na parte de esportes, para ver se tem alguma notícia interessante sobre o Flamengo ou, sobre a sua maravilhosa torcida.

E, foi justamente em uma dessas páginas que ontem mesmo eu estava lendo uma matéria da jornalista Carolina Isabel Novaes, sobre o que é ser “Cool”. Segundo Isabel, está na moda usar essa expressão. Todo mundo quer ser “Cool”. A jornalista, em sua matéria, se propôs a tentar descobrir de fato, o melhor significado para a tal expressão. Para isso, ela entrevistou vários artistas que podem ser considerados “Cool”. Eu, talvez por uma questão de ignorância, mesmo depois de ler toda a matéria, continuei sem entender muito bem o que é esse negócio.

Porém, segundo alguns dos entrevistados, ser “Cool” significa, entre outras coisas, ir contra o sistema; não ser igual; não ficar preso aos modismos; Palavras da paulistana Andréa Bisker (uma das entrevistadas) “é não ter que ser bacana, é a valorização de “gente como a gente” .

Lendo e pensando nessa coisa de ser “Cool”, senti uma enorme vontade de voltar no tempo. Vou explicar o porquê: dias atrás, fui até um bar próximo de casa, para assistir ao jogo entre Flamengo e Atlético Paranaense. Quando cheguei, o tal bar (que é bem pequeno) já estava lotado. Entrei. Educadamente, cumprimentei a todos, como manda a etiqueta dos bem educados (mesmo quando se está dentro de um boteco repleto de homens). Até aí, seguia tudo dentro da normalidade. O “problema” começou quando eu pedi uma cerveja sem álcool para o balconista. Nesse instante, tive a sensação – e depois a certeza – de que todo o burburinho que havia dentro do recinto cessou. Todos passaram a prestar a atenção no meu pedido, como se eu quisesse algo proibido.

A atenção continuou voltada para mim e para o meu pedido (uma inocente lata de cerveja sem álcool) até o momento em que fui para a varanda do bar e sentei na única cadeira que ainda estava desocupada. Sem coragem de olhar para os lados – pois estava me sentindo como alguém que possui uma terrível anomalia – ainda pude ouvir um dos comentários: “que graça pode ter nessa porra, se o bom da cerveja é o álcool?”.

Daí minha vontade de voltar no tempo, ou então, ter lido sobre o assunto antes. Eu diria àqueles seres que são iguais a todos os outros: “escutem aqui meus nobres beberrões, por que vocês acham que todo mundo tem que agir da mesma forma que vocês? Vocês não sabem que o grande barato é não ser igual? É não fazer igual? É viajar com muita lucidez”. E, para finalizar com uma atitude (que eu consideraria “Cool” ao extremo) voltaria ao balcão e pediria em voz alta: “moço, por favor: mais uma cerveja sem álcool e dois torresmos sem gordura.”