quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

"... já é carnaval"
(por Elano Ribeiro, publicado também na revista eletrônica "Crônicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com - e no jornal "O Jornal de Goiás"- www.ojornaldegoias.com)

Ontem, acordei no meio da madrugada. O relógio, através da monotonia dos seus ponteiros, me informava que eu deveria estar dormindo, afinal ainda eram três horas da madrugada. Mas dormir parecia algo impossível, devido ao calor infernal que fazia. O lençol da cama todo embolado e minha garganta ressecada, tornavam as coisas ainda mais difíceis para o sono. E olha que insônia nunca foi meu forte (ou meu fraco). Fui à cozinha. O contato da água gelada com a garganta ressequida fez com que eu tivesse a sensação de estar engolindo um punhado de areia. De volta ao quarto, resolvi debruçar-me na janela por alguns minutos, na esperança de receber um pouco de vento no rosto. Pobre ilusão a minha: o ar estava completamente parado, fazendo com que as árvores e suas folhagens parecessem esculturas de gesso ou pedra.

Já estava voltando para a cama, decidido a enfrentar o ventilador e sofrer no dia seguinte as conseqüências da alergia que tal aparelho me causa, quando um som, vindo não sei de onde, me chamou atenção. Apurei os ouvidos, que já não andam 100%, e percebi se tratar de um Tamborim e de uma Cuíca. Supus, pelo ritmo lento que os solitários e anônimos percussionistas tocavam os seus instrumentos, se tratar de um lamento. Os pobres homens, provavelmente, estavam chorando as dores de um amor perdido:

“Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala, mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua...”

Eis que, de repente, surge em auxílio aos sussurros agudos do Tamborim e da chorosa Cuíca, um som mais grave, que logo me pareceu ser um grande Surdo de Marcação. As batidas secas, fortes e constantes daquele grande instrumento, pareciam querer dizer aos colegas moribundos: “vamos lá rapaziada! Hoje não há lugar para a tristeza”. Como se encorajados pelo novo companheiro que acabara de chegar, os acordes da dor e da desilusão começaram a dar lugar a uma providencial marcha de esperança:

“Hoje eu não quero sofrer
hoje eu não quero chorar
deixei a tristeza lá fora
mandei a saudade esperar(a a á ár)
hoje eu não quero sofrer
quem quiser,que sofra em meu lugar...”

E, para que realmente o sofrimento não tivesse vez, faltava ainda um elemento essencial: a alegria. Ela chegou através de um sonoro Repique, acompanhado de uma estridente gargalhada, e de um razoável coral de vozes. O repicar frenético, nervoso, quase epilético do pequeno instrumento, fez a tristeza – que até então insistia em não desaparecer por completo do coração daqueles homens (ou seriam mulheres?) – enfiar a sua Viola no saco e procurar outra freguesia, porque ali, a partir daquele instante, iria se formar um bloco carnavalesco disposto a encher a cidade de festa (e obviamente, de alegria):

“Vem jardineira
Vem meu amor
Não fique triste Que este mundo é todo teu
Tu és muito mais bonita Que a camélia que morreu..."

Pronto. Eu, feliz pelo rumo que tomou a história – contada a mim através do som de instrumentos e de algumas vozes distantes – poderia enfim voltar tranquilo para a minha busca ao sono perdido. Porém, antes que eu deixasse a janela – que aquela altura já me parecia uma grande tela de cinema – ainda pude observar uma bela moça (uma Colombina) abraçada a dois rapazes (um Pierrô e um Arlequim) que passavam arrastando suas sandálias e jogando para o alto seus confetes e serpentinas, embalados pelo som que, assim como eu, eles não tinham certeza de onde vinha.

E, o sono veio. E junto dele um sonho: a Colombina, na sua euforia festiva, me lançava um olhar instigante, como se dissesse: “Ei, você. Desce dessa janela e vêm pra cá. Afinal, já é carnaval”.


Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns!! Mais um texto envolvente e cheio de vida!!!
Ah!!! Adorei o novo layout do seu blog!!!
Um bom carnaval!!! bjs.
Dea