quarta-feira, 12 de março de 2008

No quintal do meu vizinho
(por Elano Ribeiro. Crônica publicada na revista eletrônica "Crônicas Cariocas" - www.cronicascariocas.com)

Vem vindo aí mais uma Páscoa. Estou pensando seriamente em fazer um protesto que deixará os ambientalistas de plantão pra lá de furiosos comigo. Talvez eu use cartazes e faixas. Ou um megafone, que certamente causará mais impacto. Vou exigir que meu vizinho da frente corte boa parte das árvores que estão no seu quintal. Afinal, os arbustos (alguns frutíferos) irão me impedir de olhar a casa alheia, e por causa disso eu não poderei assistir a um belo “espetáculo infantil”, que só acontece uma vez por ano, naquele mesmo quintal (ou seria um palco a céu aberto?), exatamente no domingo de Páscoa. Posso afirmar que meu pedido será por uma causa nobre.

Explico: desde que me mudei, há cinco anos, para o meu atual endereço – o segundo andar de um sobrado, numa vila residencial –, venho observando o que acontece no quintal do vizinho, sempre nos domingos de Páscoa. É assim: logo bem cedo os adultos saem para o quintal e espalham dezenas de ovos de chocolate pelo lugar. Os ovos são escondidos atrás das árvores, na garagem, próximo à piscina, no meio dos canteiros de flores... Daí, quando as crianças acordam, elas mais do que depressa correm para fora de casa e começam uma divertida e empolgante “caça” aos ovos de Páscoa. É uma correria e um falatório que se estende por pelo menos uma meia hora. É fascinante assistir aquela cena. É maravilhoso ver a expressão de alegria nos rostos daqueles meninos e meninas. Sou capaz de afirmar que alguns deles (talvez a maioria) ainda ficam na expectativa de ver, entre o limoeiro e a laranjeira, um coelhinho saltitante, carregando nas mãos uma cesta com muitos outros ovos.

Digam-me senhores, se meu protesto não tem razão de existir? Numa época em que as crianças estão preferindo ficar (ou têm que ficar) limitadas às paredes de suas casas ou apartamentos gastando boa parte do tempo paradas atrás de um console de vídeo game ou buscando novos “amigos” virtuais nos sites de relacionamento, ver aqueles pequenos jovens correndo com os pés descalços num enorme quintal, quase não se agüentando de tanta alegria, e fazendo a felicidade de toda uma família, é sem dúvida alguma um espetáculo que deve ser por mim apreciado, sentido e aplaudido.

Talvez, tanto quanto o brilho e a magia que as crianças colocam na cena, outro fator que torna o espetáculo tão atraente para mim, é ver aquela enorme família reunida. De certa forma, eles me remetem aos meus tempos de garoto, e eu me vejo novamente correndo no quintal da casa dos meus pais, com toda aquela gente (parentes e amigos) chegando para passar o feriado pascoal.

Pensando bem, vou deixar o protesto de lado. No próximo domingo de Páscoa, em vez de me dirigir à janela, irei para o portão da casa do meu vizinho, tocarei a campanhia e pedirei permissão para acompanhar de perto a realização da minha peça teatral preferida. Vou me sentar bem no meio do jardim (o grande palco) e assistir a todas as cenas de um ângulo privilegiado, tendo os atores bem ao alcance de minhas mãos. Quem sabe eu mesmo não acabo me deparando com o bom e velho coelhinho da Páscoa.

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