terça-feira, 10 de julho de 2007

Mais cabeça e coração, menos quadril
(crônica de Elano Ribeiro Baptista, publicado na revista "cronicas cariocas" - www.cronicascariocas.com.br)

“O caminho para a transformação da educação no Brasil não passa por leis e sistemas; passa pela cabeça e pelo coração dos professores”. Essa frase afirmação é do Rubem Alves e faz parte de uma entrevista que ele deu pra Revista da Língua Portuguesa – excelente revista, quem ainda não conhece e possa se interessar pela publicação, aí vai o site: http://www.revistalingua.uol.com.br/ – na sua edição de nº 20. Concordo com Rubem Alves, de quem, aliás, gosto muito e tive a felicidade de poder assistir a algumas de suas palestras.

Trabalho numa escola pública e há muito que vivencio a necessidade dessa transformação no comportamento de alguns educadores. É claro que existem profissionais irrepreensíveis, que conseguem fazer com que uma turma de alunos cheios de limitações consiga evoluir de alguma forma. Há, ainda, aqueles professores que lecionam em instituições que não oferecem os mínimos recursos para a realização de um trabalho digno e, no entanto, superam as dificuldades com muita imaginação, talento e amor à profissão que escolheram, operando verdadeiros milagres em prol da educação de crianças extremamente carentes. Não, pensando melhor, não há milagre algum, eles simplesmente trabalham com a cabeça e, principalmente, com o coração. Mas, também existem os casos de professores desmotivados, que entram na sala de aula pensando apenas em “empurrar as horas”, sem se importar se seus alunos assimilaram nem que seja uma pequena parte do conteúdo aplicado, isso, quando algum conteúdo é aplicado.

São várias as justificativas para a falta de motivação, em minha opinião, nenhuma que justifique o desinteresse na realização de um trabalho satisfatório, principalmente porque, em alguns casos, trata-se de professores extremamente capazes e competentes, que estão deixando de transmitir aos seus alunos um vasto conhecimento adquirido ao longo de anos de regência e, com isso, acabam se auto-desvalorizando como profissionais. Não faz muito tempo, acompanhei os alunos da escola onde trabalho, juntamente com seus professores, a uma apresentação da cantora Bia Bedran. O espaço estava repleto de crianças de outras escolas, públicas e privadas. Me chamou muito a atenção o fato de alguns professores, em especial os das escolas particulares, estarem participando e também incentivando as crianças a participarem ativamente da apresentação, interagindo diretamente com a cantora. Outros, no entanto, simplesmente cruzaram os braços e ficaram lá, mais uma vez, “empurrando as horas” torcendo para que o evento acabasse o mais rápido possível, perdendo dessa forma, uma oportunidade rara de apresentar aos seus alunos, na maioria carentes e cheios de deficiências, entre elas as afetivas, uma música de qualidade, feita exclusivamente pra elas, crianças, além de serem essas mesmas músicas, um jogo lúdico, uma aula fora dos padrões habituais.


Esses professores, que se “neutralizaram” durante a apresentação da Bia Bedran, não agiram com a cabeça e coração, deixando de mostrar aos seus alunos que existem sons bem melhores do que os funks, cheios de letras maliciosas e de apologia às drogas, a prostituição, ao crime organizado, etc., que invadiram as escolas, não só as públicas, como as particulares também – já presenciei alunos da Classe de Alfabetização de uma escola particular tradicional, administrada por freiras, parodiando um funk, com direito a mãozinha no joelho, bem no dia da comemoração pelo final do ano letivo, tendo na platéia pais aparentemente orgulhosos por aquela exibição. Dia desses passei e parei em frente ao portão de uma pequena escola pública, no pátio havia uma turma se divertindo. Meia dúzia de gatos pingados jogava futebol, a grande maioria, porém, dançava animadamente ao som de uma música – música? – que diz: “hoje é festa lá no meu apê... vai rolar bunda lê lê / hoje é festa lá no meu apê, tem birita até o amanhecer”. Não me admirei ao ver que a regente daquela coreografia “nervosa”, cheia de rebolados e malícia, que as crianças, de no máximo sete anos faziam, era a própria professora, que remexia os quadris e aplaudia seus “pupilos” que, de forma mais ousada, requebravam até o chão, como se aqueles movimentos erotizados fossem o auge do aprendizado.

Não sou nenhum doutor em educação, o que escrevo aqui é baseado no meu dia-a-dia dentro de uma escola pública. E o que, constantemente eu observo, é que falta mesmo uma transformação na cabeça e no coração de alguns educadores (não só professores, mas todo aquele que exerce alguma atividade dentro de uma instituição de ensino), quantas vezes nos omitimos e deixamos de ensinar ao aluno o que é respeito, educação, higiene... Quantas vezes deixamos de ensinar o que é “ouvir”, porque sempre achamos que eles nunca têm nada de importante para nos dizer e, com isso, nunca os escutamos. Quantas vezes deixamos de demonstrar, na prática, algum gesto de afeto, carinho, amor..., não só pelo aluno, mas também pelo nosso colega de trabalho. Enquanto não acontecer essa mudança, de nada adiantarão reuniões pedagógicas – cheias de teoria onde tudo parece belo – e os maçantes conselhos de classe – que só servem para rotular o aluno de “bom” ou “ruim”.

Uma professora amiga minha disse o seguinte: “Saúde e educação são profissões de extrema responsabilidade, um médico quando erra prejudica uma pessoa, um professor quando erra prejudica dezenas de pessoas de uma só vez”.

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