sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

2008
(por Elano Ribeiro)

Escrevi dois contos de Natal a pedido do jornal “O Jornal de Goiás”, que foram publicados na ocasião da última festa Natalina. Em um dos contos, a professora de uma comunidade distante e carente, onde a miséria parece que nunca terá fim – um lugar como aqueles que frequentemente aparecem nas reportagens de TVs, jornais, revistas... localizados nas inúmeras regiões pobres de nossa bela Pindorama –, numa tentativa desesperada, apela para algo que ela pensa existir somente no imaginário das crianças, e escreve uma carta para o Papai Noel. O conteúdo da carta era um tanto inusitado: a jovem professora pedia “Educação para as suas crianças”. Ela queria ter todas as condições necessárias para dar uma educação digna às pobres crianças daquele lugar, distante de tudo e esquecido por todos. Segundo a professora do conto, só ganhando um presente assim, tão valioso, é que elas (as crianças) poderiam tentar reverter o quadro social daquela comunidade.

Assim que terminei de escrever o conto, o enviei para uma amiga. Sempre que escrevo algo novo, mostro primeiro para ela, para só depois enviar para a publicação. No dia seguinte recebi a resposta da minha amiga, com seu comentário sobre o texto. Ela aproveitou para me mandar um artigo publicado recentemente no jornal francês Le Fígaro, intitulado “No Natal, crianças do Brasil preferem comida”. O artigo relatava a experiência da chamada Operação Papai Noel, em que os Correios expuseram em suas agências uma parte das dezenas de milhares de cartas enviadas todos os anos por crianças e endereçadas ao "bom velhinho".

Segundo a correspondente do jornal, o projeto desencadeou o entusiasmo da classe média que já se via oferecendo bonecas e automóveis em miniatura às crianças desfavorecidas. Porém, a abertura das cartas revelou uma realidade bem mais triste. A maioria (das crianças) não pede brinquedos ao Papai Noel, mas alimentos. No Estado de Pernambuco, este é o caso de 60% das 11 mil cartas recebidas. As crianças desejam receber bolo, queijo, peru. Geralmente querem apenas uma cesta básica.

Quem já teve a oportunidade de passar pelas estradas de alguns estados do nordeste, sabe que é muito comum ver os moradores (não só crianças) pedindo um pouco de alimento. Eles não pedem dinheiro. O que eles querem é um pouco daquilo que a maioria de nós tem todos os dias: comida.

Portanto, tenham a certeza que muitas dessas cartas que chegam as agências dos correios não foram escritas por crianças, e sim, por adultos famintos. Adultos que só conhecem de nome o “Fome Zero”, o “Bolsa Família” e outros programas assistenciais.

Ao ler a notícia publicada no Le Fígaro, tive vontade de alterar meu conto (mas não o fiz). Afinal, quem vai pedir “educação” de presente, quando não se tem o que comer?

Numa das minhas últimas conversas com colegas de trabalho no ano de 2007, ouvi de uma professora o seguinte comentário: “ainda bem que esse ano tá acabando, pois eu detesto ano ímpar. Ano par trás mais sorte.” Pura superstição. E, creio eu, que superstição seja um “privilégio” daqueles que durante um ano inteiro tenham momentos bons e, também, momentos ruins. Ou como dizem: sorte ou azar. Mas, para pessoas que só conhecem a miséria durante todo o ano – como essas das cartas, que chegam a apelar para um ser que elas sabem só existir no imaginário das crianças – a última coisa que importa são números pares ou ímpares.

Então, que venha 2008. Que esse seja um ano melhor para todos: para os supersticiosos, que de uma forma ou de outra saciam a sua necessidade de se alimentar, e, principalmente, para aqueles que precisam contar com a ajuda de algum Papai Noel de carne e osso para ter um pouco de comida na mesa. Que futuramente, 2008 possa ser lembrado como o ano em que o Brasil começou a se tornar um país mais justo.

Para todos nós, um feliz ano novo.