quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O último ônibus
(por Elano Ribeiro)

Já é bem tarde da noite e Nestor caminha em passos largos, quase que correndo, para não perder o horário do último ônibus que sai da rodoviária em direção ao seu bairro, num subúrbio carioca. Tem o olhar fixo para frente na tentativa de encurtar a distância, mas ao mesmo tempo, mantém os ouvidos atentos quanto a possível aproximação de alguém que possa querer lhe assaltar e levar os últimos trocados que tem no bolso junto com seu vale transporte. A não ser por alguns carros que passam em alta velocidade, a rua está praticamente deserta. Nestor pode sentir sua respiração ofegante e o barulho de seus próprios passos. Está exausto depois de mais um dia de intenso e estressante trabalho como ajudante de caminhão, numa transportadora. Senta-se em um dos últimos bancos do ônibus que está quase todo vazio. Sente-se desconfortável, o corpo dói, a garganta está irritada, o banco é duro e forma um ângulo de noventa graus que faz com que a dor do corpo aumente ainda mais. Está completamente suado por causa da caminhada rápida. Sua roupa gruda na própria pele. Nestor não vê a hora de chegar em casa, tomar um bom banho, comer o jantar e ir dormir. O balançar do ônibus faz com que Nestor dê umas rápidas cochiladas durante o trajeto de uma hora, até o ponto final. Levanta-se da poltrona do ônibus com dificuldade, parece estar “emperrado”, seu corpo dói como nunca. Desce os degraus do veículo e por um momento fica parado, olhando aquele lugar onde nasceu, cresceu e que agora mora com sua mulher e os três filhos, um deles nascido há poucos meses. Não chega a ser uma favela plana, mas é um lugar muito pobre. A maioria das casas é de alvenaria, mas quase todas inacabadas, tendo os tijolos à mostra. Nestor cresceu ali, sempre sonhando que um dia levaria os pais para morar num lugar mais decente, numa casa bem grande e bonita. O sonho não se realizou. Nestor, com uma sacudida de cabeça, volta para a realidade e segue para sua pequena casa andando pelas estreitas vielas de terra batida que em dias de chuva ficam quase que intransitáveis. Nestor entra em casa, pensa em dar um beijo na esposa que segura o bebê mais novo no colo, mas logo desiste e resolve apenas fazer um cumprimento formal: _ Boa noite Márcia. A mulher permanece calada, amamentando a criança. Ela apenas aponta para mesa onde se encontra um aviso do corte da energia elétrica se a conta do mês passado não for paga. A partir desse momento tudo que Nestor havia planejado vai por água abaixo. O tão sonhado descanso se transforma numa série de problemas. A mulher começa a chorar perguntando entre soluços: - Como é que vamos fazer para viver sem luz elétrica? Quando poderemos viver longe dessa miséria toda? Você não vai fazer nada para melhorar nossa vida homem de Deus? A criança mais nova também começa a chorar por causa dos trancos que a mãe dá com o corpo enquanto despeja sua raiva, sua frustração e suas queixa em cima do marido. O filho do meio pergunta se não vai mais poder jogar vídeo game – que Nestor ganhou numa rifa, mas disse em casa que foi ele quem comprou - por causa da falta de energia elétrica. A filha, a mais velha dos três irmãos, apenas observa o pai, estático, sem saber o que fazer, mas no fundo, seu olhar também é de cobrança. Dos olhos da menina saem as seguintes perguntas: Porque moramos nessa casa tão pobre? Porque não posso ter as roupas bonitas que aparecem na televisão? Porque o papai Noel nunca dá o que a gente pede? Nestor resolve deixar todos os questionamentos e vai tomar banho. Sai do banheiro direto pra cozinha. A comida já está fria, mas ele não tem forças para ir até o fogão aquecê-la, tão pouco quer correr o risco de pedir esse favor a mulher e ela arrumar mais problemas para sua cabeça cansada. Porém, os problemas já estão lá, todos eles: a despensa vai começando a ficar vazia, é preciso comprar fraudas e leite para o bebê, tem que arranjar cinco reais para que a filha possa ir ao passeio da escola... Por um momento Nestor tem a sensação de que sua cabeça vai estourar. Ele empurra o prato sobre a mesa, praticamente sem mexer na comida. Precisa dormir. Vai pro quarto sem se despedir de ninguém, deita-se no escuro. O corpo está tão dolorido que ele tem dificuldades para pegar no sono apesar de todo cansaço. Sua cabeça confunde-se num turbilhão de pensamentos. Entre eles, uma decisão: - A partir de amanhã farei de tudo para perder o horário do último ônibus de volta para casa.

2 comentários:

Denise Rosa disse...

Fico me perguntando de onde vc tira inspiração para suas crônicas. Sua vida é tão diferente de tudo que vc escreve ( e olha que vc consegue escrever sobre temas dos mais variados) e no entanto dá a impressão de que o autor dos textos relata sua própria experiência.
Ao ler, consigo visualizar cada personagem como se estivesse assistindo a um filme.
É td tão simples mas tão real!
Quantas pessoas habitam aí dentro desse corpo do meu amigo Elano??
Parabpens!!! Como sempre amei.

Anônimo disse...

É a realidade nos assombra a todo instante. E a um pequeno sinal de esperança... Tudo se desmorona e volta a ser como antes... Um mar de problemas, cobranças e preocupações. Não há mais tempo para sonhos a dura realidade nos encaminha ao isolamento e completo isolamento de tudo e de todos... Pensando que assim afastamos o mal que nos assola..
Belo texto realista e bem escrito.
bj. Dea